COLÓQUIO, UM DEDO DE PROSA: “ser” brasileiro…

que bom, sou brasileira, graças a Deus!!!

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Atualizado há 9 anos

Neste marasmo em que as coisas ficam no final do ano até o carnaval (felizes aqueles que estão de férias e vão passear), nós, os brasileiros comuns, que por convicção ou por falta de dinheiro, não “saem a passear”, descobrimos o prazer de estar simplesmente em casa…

A panela no fogo, com o seu chiado de cozido, promete um almoço gostoso e saudável, – cozinho para o Gabriel, o meu netinho, – e com isso, toda a família se beneficia.

Deu-me saudades de um “dedo de prosa”.

Lembro do Sr. Lauro Lima, meu chacareiro que já está de “mãos dadas com Francisco”, no céu. A “coca”, uma galinha, se aninhava no seu colo e o “beco”, um boizinho, vinha lamber as suas mãos. No final da tarde, após o trabalho pesado lidando com a terra, capinando e plantando verduras, sentávamos para conversar.

Ele era a única pessoa que não me incomodava com o seu cigarrinho de palha. Talvez porque lembrasse o cheiro da minha avó, a vovó Cecília Gregório Cordeiro, legítima brasileira do Rio dos Poços, interior de Matos Costa.

Nas veias de minha avó corria o sangue dos primeiros bandeirantes, aqueles que ao desbravar o sertão, abrindo o Caminho de Viamão, fizeram filhos nas índias e o bugre se aportuguesou.

Ninguém melhor do que Érico Veríssimo para narrar em “O Tempo e o Vento”, esse surgimento dos brasileiros aqui pelo Sul. Nas figuras de Ana Terra e do Capitão Rodrigo estão refletidas todas as qualidades da gente que vive, luta, sofre e sonha, mas, sobrevive, põe filhos no mundo, e constrói esta nação brasileira.

Legítimos brasileiros.

Desde os tempos imemoriais a nossa terra fora habitada pelos indígenas, que viviam no paraíso, pois bastava colher os frutos, pescar o peixe, banhar-se nas águas cristalinas desta terra tropical que não conhece e frio.

Nos idos dos mil e quatrocentos o Europeu faminto, que teve o azar de nascer numa península já devastada desde a época da civilização grega/romana (ao forjar o ferro para fabricar as armas eles precisavam de muita lenha e com isto depauperaram o ambiente natural da Europa), sonhou em encontrar o paraíso, o Eldorado no Mundo Novo.

Enfrentaram o “mar tenebroso” e para cá vieram.

Ao estudar a formação brasileira, Sergio Buarque de Holanda escreveu no livro “Visão do Paraíso”, que os portugueses quinhentistas puseram-se ao mar, movidos pela esperança de encontrar um novo mundo, cuja visão vinha mesclava com a mitologia do Éden.

E de fato, aqui nos trópicos encontraram uma terra de eterna primavera, afirmando Pero Vaz de Caminha, que relatou ao Rei de Portugal a descoberta do Brasil em 1500, que “nestas terras, em se plantando, tudo dá”.

Contudo a visão singela e tranquila da América Portuguesa, que se espalhava nos escritos dos seus primeiros cronistas, paulatinamente desapareceu.

Fascinados com o Eldorado encontrado na América Espanhola, com o ouro dos incas e dos maias, os portugueses também quiseram retirar daqui riquezas. Não vieram para colonizar, mas sim para explorar. Tirar produtos da terra a fim de movimentar o comércio de Lisboa, a mando do Rei. É famosa uma observação de Frei Vicente do Salvador, que observa o fato de que os primeiros habitantes do Brasil “viviam a arranhar as fraldas do mar como caranguejos”.

Ocuparam o litoral e começaram o corte do pau brasil e a abertura de áreas para o plantio da cana de açúcar. Seguiu-se os ciclos do gado, da erva mate, do tabaco, da borracha, do café, sempre tirando da terra fértil, enquanto fértil, como o ouro se extrai, até esgotar-se, do cascalho, sem retribuição de benefícios. A procissão dos milagres há de continuar assim através de todo o período colonial, e não a interromperá a Independência, sequer, ou a República, conclui o autor.

Talvez muitas das nossas dificuldades brotem dessas nossas origens culturais. Esta visão de espoliar o bem público, “enganar” sempre o Príncipe (o poder público), tentando subtrair o quinto (esse era o plano dos inconfidentes mineiros) e não deixar o governante explorar ainda mais o povo brasileiro.

Mas apesar desse compasso de espera, essa incerteza que grassa na política brasileira, “eta mundo bão é este nosso Brasil querido”. Tudo está em paz e agora esperamos pelo carnaval e, depois disso, deixem as coisas andar que tudo pode se ajeitar. Pois, afinal, o verão está aí e nós brasileiros colocamos a panela no fogo, cada família cozinhando o seu almoço, criando os seus filhos, trabalhando, e simplesmente vivendo.

Com fome, descasco uma manga e tal qual uma criança sigo em sonho para embaixo de uma árvore e, gulosamente, lambuzo os beiços e as mãos… ser brasileiro é degustar o paraíso… poder comer banana à vontade (ainda é a fruta mais barata) e tomar água de coco, do trópico de Capricórnio para cima, à vontade.

Nossos pais escolheram o paraíso para morar e aqui estamos nós, louvando e agradecendo pela grandeza de nossa terra. Na Europa, Gonçalves Dias eternizou em versos esse sentimento, com a “Canção do Exílio”, que a gente não cansa de ler.

“Nossa terra tem palmeiras,/Onde canta o Sabiá;/As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,/Nossas várzeas têm mais flores,/Nossos bosques têm mais vida,/Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,/Mais prazer encontro eu lá;/Minha terra tem palmeiras,/Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,/Que tais não encontro eu cá;/Em cismar — sozinho, à noite —/Mais prazer encontro eu lá;/Minha terra tem palmeiras,/Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,/Sem que eu volte para lá;/Sem que desfrute os primores/Que não encontro por cá;/Sem qu’inda aviste as palmeiras,/Onde canta o Sabiá.

Marilucia Flenik é Membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu, tendo como Patrono Paulo Leminski. Ocupa a Cadeira n.17. Doutora e Mestre em Direito Socioeconômico e Ambiental pela PUC/PR. Especialista em Filosofia Moderna e Contemporânea pela UFPR. Professora do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu – UNIGUAÇU e do Instituto de Filosofia São Alberto Magno de União da Vitória. Mediadora do CEJUSC da Comarca de União da Vitória e Advogada.