PATERNIDADE SOCIOAFETIVA: Um novo nascimento

Processo judicial termina favorável para a inclusão do sobrenome do padrasto – e de outros familiares também – em uma nova Certidão de Nascimento

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Atualizado há 6 anos

paternidade-socioafetiva-documentoEle procurava um pai. Ele procurava um filho. Graças a Deus, isso aconteceu. Graças à Justiça, isso se tornou oficial. Pela primeira vez, escrevo em primeira pessoa, aparecendo como personagem nesta matéria. Não é ficção, ressalto, é realidade, uma linda realidade onde tenho a alegria de viver.

Há seis anos, não fazia ideia de como a vida poderia mudar – e para melhor. Meu primeiro casamento terminou e como herança do que até então havia dado certo, um filho. Um filho lindo, perfeito, inteligente, doce. Era o meu Pedro*, muito meu mesmo. Morávamos sozinhos na acolhedora cidade de São Bento do Sul, em Santa Catarina. Era só eu e ele.

Mas, se por um lado isso era incrível, porque juntos enfrentamos as alegrias e os desafios de morar em uma terra desconhecida, era também assustador, especialmente para mim, a única adulta. Só que essa “solidão” (entre aspas), durou pouco tempo. Pedro tinha dois aninhos quando conheci um príncipe. As afinidades nos levaram ao namoro e, o amor, à nossa volta para União da Vitória. Logo, houve um casamento e nascia uma nova família. Meu companheiro trazia consigo uma linda menininha de então nove anos. Eu, meu pequeno.

Aconteceram muitas coisas desde nossa cegada à União da Vitória, mas, a principal, foi o nascimento de um amor grande demais entre meu marido e meu filho, fruto de um convívio tranquilo e respeitoso. Mas era um amor imenso mesmo, capaz de embargar a voz dos dois quando pedem para que um defina o outro. Não sai palavra nenhuma. Só olhos marejados. Como poderiam dizer alguns, é uma ligação de outras vidas.

Essa relação tão linda e intensa despertou no meu marido a vontade de ingressar na Justiça com um pedido de paternidade socioafetiva. Isso é, em resumo, a inclusão do seu sobrenome ao nome de Pedro. Vale lembrar que o pai biológico dele, embora distante de nossa vida cotidiana, concordou amigavelmente com o ingresso na justiça deste pedido. Ana Cláudia Flenik (OAB/SC 24.814-B), advogada e nossa amiga querida, cuidou de todos os detalhes deste processo. “O direito de família está em constante modificação. A modernização nas relações e o reconhecimento de novos arranjos familiares pela nossa legislação passaram a valorizar o afeto tão importante quanto a relação consanguínea entre pai e filho. Por esta razão, o direito, na tentativa de acompanhar estas modificações e, principalmente com o objetivo de valorizar a relação existente de fato entre padrasto e enteado que atualmente é possível, buscar no Poder Judiciário a formalização da paternidade socioafetiva”, explica.

Sem dúvida do que sentiam um pelo outro, meu esposo e meu filho, protagonizaram este capítulo especial de suas histórias. O processo de paternidade socioafetiva teve início no ano passado e foi concluído agora, neste mês. Vale lembrar que o processo é analisado minuciosamente pelo juiz da Vara da Infância. “Ele conta com a ajuda de uma equipe multidisciplinar que elabora um laudo chamado Estudo Social, que irá avaliar a relação paternal existente entre o pai afetivo e seu pretenso filho. Sendo julgada procedente a ação e reconhecida juridicamente esta relação, surgem outras relações jurídicas, como o direito à sucessão, o dever de alimentos e todos os demais direitos e deveres inerentes à filiação”, explica Ana Cláudia. “A Vara de Família de União da Vitória realiza um excelente trabalho no sentido de dar um provimento jurídico, se for este o caso, o mais breve possível, pois trata-se de um pedido onde envolve muito amor entre um pai afetivo e seu enteado, ao contrário da maioria dos processos que tramitam nas Varas de Família entre pais e filhos biológicos”, completa.

Outra situação interessante é que a paternidade biológica continua sendo respeitada, com os direitos e deveres da filiação, inclusive com a permanência no registro de nascimento do filho. “O reconhecimento da paternidade socioafetiva busca a inclusão de mais um pai na Certidão de Nascimento e, consequentemente, o registro também dos avós paternos e não a exclusão da paternidade biológica”, acrescenta a advogada.

Juiz da Vara da Família de União da Vitória, Carlos Matiolli
Juiz da Vara da Família de União da Vitória, Carlos Matiolli

No dia 3 de julho, o novo documento do meu filho chegou às nossas mãos. Agora, ele comemora seu nascimento duas vezes, neste mês e no dia 4 de agosto (ele nasceu em 2010). Meu filho, quando soube da confirmação positiva do processo, disse com sabedoria que “agora, sua vida fazia sentido”. Com a voz engasgada, meu marido disse que quem ganhava era ele, que tinha se tornado pai de novo. Pelas redes sociais, compartilhamos a novidade com os familiares que moram longe e, de longe, sentimos o carinho de todos. O sobrenome de todos da família, agora iguais, embora uma formalidade, deu mais segurança ao meu menino. Afinal, mesmo explicando a ele que já era da família de coração, faltava uma certeza. “Nestes casos, ainda que exista a convivência no cotidiano, sempre é importante a configuração jurídica confirmada por sentença. Isso dá uma segurança para os envolvidos, possibilitando a alteração documental. Isso vai fazer parte dos registros da escola, de toda a situação da criança”, observa o juiz da Vara da Família de União da Vitória, Carlos Matiolli.

Nós, como família, esperamos que o caso se torne exemplo e até encoraje quem tem o mesmo amor e vive situação parecida. Por isso, decidimos, ao contar essa história aqui, “quebrar” o segredo de justiça, procedimento padrão de proteção do processo. É só o amor o que importa e se ele for verdadeiro, nossa torcida é que a Justiça aja favoravelmente, sempre.

*nome fictício, para preservação de identidade.