Advogado, foi prefeito de Blumenau pelo PT e está no segundo mandato como deputado federal. Décio Lima abre a série de entrevistas do projeto Cobertura Eleições SC 2018 – Jornais Impressos e Digitais, que está sendo realizado em parceria pela Associação de Diários do Interior (ADI-SC) e pela Associação dos Jornais do Interior (Adjori-SC), com participação do SCPortais, da RCN Online e de veículos independentes.
Como o senhor avalia o momento de Santa Catarina?
Os problemas de Santa Catarina são grandes, mas, ao mesmo tempo em que se revelam com um diagnóstico preocupante, a força do nosso povo é inquestionável. A qualidade da sociedade catarinense, que é extremamente solidária, bem equilibrada, gera um ambiente propício para um processo totalmente novo. Um processo que renove, que interrompa um ciclo que não é só de governança, mas histórico, que não consegue mais construir um ambiente de sintonia com os interesses do povo catarinense.
Pode exemplificar esta afirmação?
Se você imaginar que nós estamos em um Estado onde pouco mais de 25% das receitas estão comprometidas com as renúncias fiscais; que em 2018 vai arrecadar R$ 26 bilhões e que poderia ter a mais quase R$ 6 bilhões se não fosse essa substituição dos interesses do povo catarinense por interesses escusos naquilo que se chama de renúncia fiscal, vai perceber o tanto de perversidade que, infelizmente, estava oculta na gestão do Estado.
O senhor é contra a renúncia fiscal?
Não, mas quero estabelecer com os empresários catarinenses uma nova convenção. Renúncia fiscal se faz para gerar empregos e, ao fazer a conta do tamanho dessa renúncia, cheguei ao resultado em que cada emprego gerado, se de fato gerado, custa R$ 406 mil em um ano. Isso é inaceitável. É um processo totalmente desrespeitoso com o povo de Santa Catarinense.
Por que desrespeitoso?
Porque, ao mesmo tempo em que o Estado abre mão de todo esse recurso, há meio milhão de pessoas na fila de espera da Saúde. Há ainda 64 mil meninos e meninas fora do ambiente escolar, da pré-escola ao Ensino Médio, reduzindo em R$ 1 bilhão o que Santa Catarina poderia arrecadar do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). Agora soma às questões da Saúde e da Educação o modelo de descentralização que, no meu entender, se transformou numa geringonça, a maior desfaçatez contra o nosso povo. Consomem R$ 650 milhões por ano e não descentralizam nada.
O fim das ADRs
Então o senhor pretende pôr fim a este modelo de descentralização?
Eu acredito na descentralização, mas o modelo que quero fazer é de um governador itinerante, que seja governador dos 295 municípios de Santa Catarina, um modelo que não crie estruturas para servirem de subdiretórios de partidos, cabides de emprego, atendendo aos interesses mais perversos da política, o fisiologismo. As ADRs (Agências de Desenvolvimento Regional) serão todas extintas e a descentralização vai acontecer no ambiente das 21 Associações de Municípios de Santa Catarina, nas suas respectivas estruturas, junto com os prefeitos e as forças indutoras dos desenvolvimentos locais nas regiões. E levando aquilo que é o mais importante: a caneta do governador e o poder de decidir.
Essa é uma das experiências de seu tempo de prefeito que o senhor deve trazer para o governo estadual?
Sim. O Orçamento Participativo Regionalizado que, aliás, já é uma lei, aprovada na Assembleia Legislativa, mas nunca foi cumprida. Nas experiências que eu tive em Blumenau, aprendi que as obras humanas são as mais importantes. São as que resolvem a vida das pessoas. Duas experiências que trago de lá se destacam muito neste sentido. Quero fazer o Banco do Povo de Santa Catarina para dirigir como um instrumento fomentador do micro e do pequeno empreendedor e da agricultura familiar, que hoje reúne um milhão de catarinenses, em 163 mil famílias, que não são protegidas pelo Estado.
Como pretende resolver esse tipo de situação?
Como fiz em Blumenau. Os pequenos agricultores receberam incentivos ao plantio e uma estrutura de 50 metros quadrados para processos de agregação de valor, como produção de conservas. A prefeitura transportava aos supermercados que, por sua vez, criavam espaços específicos para os produtos locais. Vou chamar os varejistas do estado e abrir as portas para a agricultura familiar, que hoje é refém do agronegócio. A venda vai ser direta e parte da produção vai abastecer a merenda escolar. É o que chamo de obras humanas. Experiências que vão se institucionalizar como políticas de Estado e Santa Catarina está muito para trás nesse processo. Por isso o PIB (Produto Interno Bruto) de Santa Catarina é menor que o do Brasil. Nos últimos 16 anos, o PIB brasileiro cresceu 37% e o de Santa Catarina, 31%.
SC não é Suíça
O que contradiz tudo o que se fala de positivo sobre o estado.
Exatamente. Chegam a afirmar que Santa Catarina é a Suíça brasileira, mas a Suíça não tem o índice de mortalidade infantil que temos na região Serrana, que de 0 a 5 anos chega a se comparar com países da África, com 28 óbitos a cada 1.000 nascidos. O IDH (Índice de Desenvolvimento Econômico) da região do Contestado se compara ao do Nordeste brasileiro. É a coisa mais fácil acabar com essas diferenças. E a mais importante.
O que o senhor pensa para a área da Saúde?
Vou criar o SUS-SC (Sistema Único de Saúde de Santa Catarina). A rede de filantropia, que atende um universo muito maior de pacientes pelo SUS, recebe 30% dos recursos, enquanto a estrutura do Estado recebe 70% e atende menos. O SUS-SC vai reunir a estrutura hospitalar própria do Estado, os filantrópicos e vamos chamar para esse processo todas as políticas que estão no conteúdo do SUS, desenvolvidas pelos municípios. Será um processo integrado, com sinergia, para acabar com o flagelo que vivemos hoje.
Mas a responsabilidade disso também passa pelo governo federal.
Aí é preciso um governador que tenha autoridade republicana de fazer o que essa gente nunca fez, que é brigar pela partilha dos recursos do SUS. Hoje há uma injustiça que precisa ser corrigida, pela qual o Paraná e o Rio Grande do Sul recebem mais pelos procedimentos de alta complexidade do que Santa Catarina.
Brasil sem legitimidade
Isso será possível realizar em um país tão engessado pelo Congresso nacional e com restrição de investimentos?
Eu espero que o país, nessas eleições, conquiste uma coisa que foi agredida e destruída, que é a legitimidade democrática. Nós estamos diante de um processo que tem um presidente da República (Michel Temer) que na última eleição em que participou sozinho fez 70 mil votos. Não se elegeria nem como deputado federal por Santa Catarina. O país está sem legitimidade e sem força. Sonho que o país volte ao conteúdo de defesa dos interesses do povo brasileiro e não continue no caminho atual, muito pior, eu diria, do que o da ditadura militar.
Como assim?
A ditadura militar tirou a liberdade do nosso povo, matou pessoas, mas foi nacionalista. Ela disse que o petróleo era nosso, ela fez Itaipu, Transamazônica… E esse governo que está aí sequer tem a dignidade de defender o que é nosso! O Brasil saiu da 15ª para a terceira maior reserva de petróleo do mundo quando descobriu o pré-sal. Só dois países têm mais petróleo que o Brasil – Arábia Saudita e Venezuela. E ainda assim pagamos a segunda gasolina mais cara dos países produtores e a dona de casa sabe o tanto que encareceu o botijão de gás nesse período. O que há de mais grave? Eles entregaram patrimônio. Nem as nossas refinarias processam o nosso petróleo. Estão todas fechadas! O petróleo sai daqui in natura, vai para as mãos da Repsol, Total e Shell para ser refinado e revendido para nós. Hoje, 20% do que importamos dos Estados Unidos é o nosso próprio petróleo. E tudo isso com a generosidade de renúncia tributária da ordem de R$ 1 trilhão, o que significa 40% do PIB nacional, valor que era para ser investido na Saúde, na Educação. A democracia vai dizer não à continuidade dessa situação.
E se não disser não?
Tudo o que quero fazer por Santa Catarina na condição de governador será dentro do pragmatismo do que é possível no modelo republicano que temos. Tudo o que estou propondo tem condições objetivas de ser realizado dentro da nossa própria estrutura. Falei do SUS-SC e vou fazer. Assim como tenho falado que vou dobrar o piso do salário dos professores em quatro anos, que a carreira da Educação passará a dar condições de entusiasmo e crescimento para os nossos profissionais da área, e que Santa Catarina terá uma escola de inovação. Tudo será feito sem depender do governo federal.
Não são promessas típicas de campanha, difíceis de realizar?
Não! É só fazer uma conta simples. A folha de pagamento dos professores da ativa custa R$ 1,8 bilhão ao ano. Eliminando as ADRs, teremos sobra de R$ 650 milhões ao ano. A redução da evasão escolar vai nos trazer mais R$ 1 bilhão do Fundeb. Soma aí o crescimento da receita anual de Santa Catarina, na faixa de R$ 2 bilhões, mais os R$ 6 bilhões de renúncia fiscal. Ou seja, não estou falando bobagem.
Voltando um pouco, o senhor tem falado também na instituição de uma política horizontalizada de incentivos fiscais. Pode explicar?
Horizontalizar significa que não vou determinar lá de cima, verticalmente, o carinho fiscal que essa ou aquela empresa vai receber. Tem que ter critério, conforme a lei exige. Oitenta por cento da renúncia fiscal catarinense não passou pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). É preciso parar com isso. Dar emprego, sim, mas com uma razão científica, com valores e políticas definidas junto com o setor produtivo, com transparência. Ninguém estava sabendo que uma empresa de TV a cabo chegou aqui, não gerou nem um emprego e ganhou R$ 104 milhões de renúncia fiscal. Isso é quase a folha de um mês da Educação.
Nova visão para a infraestrutura
O setor produtivo também cobra investimentos em infraestrutura. O que planeja para este setor?
Por isso o Estado precisa de uma renovação. O governo foca no dinheiro e nas estradas e não pensa coisas novas. Santa Catarina teve aumento de 200% na frota de veículos em 15 anos. Nós não temos uma grande metrópole, como Porto Alegre (RS) e Curitiba (PR). Nossa metrópole é a faixa litorânea, chegando ao Vale do Itajaí, Jaraguá do Sul, região Norte. Temos que pensar para esta configuração de metrópole catarinense um novo modal de transporte, que possa ser feito em uma modelagem de concessão e em parceria público-privada (PPP), que são os VLTs (veículo leve sobre trilhos). É uma solução relativamente barata e que pode ser aplicada ao longo da BR-101. Podemos atrair investimento internacional para isso.
E a ligação Oeste-Litoral?
É um modal que depende do governo federal e que eu, como governador, vou jogar todo peso. Quando administrei o Porto de Itajaí, levei a ser o segundo maior porto em movimentação de contêineres. Só não foi adiante pela falta de um novo modal de transporte e de logística, que é o que mais interessa no mundo todo. Não cresceu mais porque o modal que serve ao porto é antigo, baseado em rodovias, enquanto no mundo o modus operandi da carga pesada é ferrovia.
Nova onda ou teto?
O senhor chegou a aparecer em primeiro lugar em uma das pesquisas de intenção de votos. Tem a ver com uma nova onda Lula ou bateu no teto, considerando que Santa Catarina é um estado conservador nunca elegeu candidatos do campo de esquerda?
Não acho que Santa Catarina seja um estado conservador. Temos um povo de vanguarda, progressista, tanto que elegeu o PT em Blumenau, Joinville, Criciúma, Rincão, Araranguá, Itajaí, Rio do Sul, Gaspar, Indaial, Concórdia, Imbituba, Brusque… O que faltou para nós foi capacidade para construir um processo político que pudesse entusiasmar o povo de Santa Catarina como alcançamos nesses espaços. Aí está o meu desafio neste momento. Estou tentando mostrar para os catarinenses um conteúdo que a população identifique como algo necessário. Eu acho que neste momento Santa Catarina deve estar refletindo se quer um governo igual ao de Temer, se quer a continuidade desses 16 anos que nosso estado viveu de governança ou se quer renovar. Eu ofereço uma renovação segura, com experiência administrativa e legislativa, com biografia. E também acho que se reúnem nesse momento condições que são importantes e que nunca se encontraram antes na história de Santa Catarina. Primeiro, o fim de um ciclo, que é a tríplice aliança, desgastado porque se perdeu no fisiologismo da política em detrimento do povo catarinense. Segundo, o povo está sendo tocado pelo desastre que é Michel Temer e todos aqueles que o acompanham, e que esbulharam a democracia brasileira. Acredito que o povo de Santa Catarina não se esqueceu que eu sou o único que não está contaminado com o que aconteceu. O vice de um estava no impeachment (de Dilma Rousseff), o outro também estava. Ambos rejeitaram as denúncias contra Temer, apostaram na reforma trabalhista, defendem o fim da aposentadoria para o povo trabalhador… Essa conjuntura está viva na sociedade. É uma grande oportunidade, desde que eu consiga, até o dia da eleição, tocar esses valores na percepção dos eleitores, o que não é obra fácil, mas revela-se, já, com potencial claro.
Por que o senhor diz isso?
O PT sempre entrou nas campanhas eleitorais com 3% das intenções de voto. O melhor resultado que obtivemos foi do José Fritsch (2002), com 29% e na chegada. Só que sobre os votos válidos, enquanto na pesquisa do Ibope eu entro na campanha já com 37% dos votos válidos. Um índice histórico para nós. Aprofundando a análise dessa pesquisa, identificamos que 44% dos que votam em mim, votam no Lula. Então, eu não estou no teto do PT. Se o povo que declara voto no Lula votar em mim, estarei eleito no primeiro turno. A minha candidatura rompeu a bolha e assumiu de fato o espírito de renovação para Santa Catarina. Estamos muito longe das eleições para afirmar qualquer coisa, mas o desejo de renovação é evidente e quem traduz essa oportunidade sou eu.
Sua majoritária ajuda neste sentido?
É uma majoritária unida. O desembargador Lédio (Rosa de Andrade, candidato ao Senado) é uma conquista extraordinária, porque vem na expressão da indignação com setores do Judiciário que criminalizaram seletivamente atores como o Lula e outros nomes importantes do nosso partido. A presença da Ideli (Salvatti, candidata ao Senado) representa o gênero da mulher, mas também de uma senadora que foi importante para o Brasil, de uma ministra que trouxe resultados para Santa Catarina. Temos um vice, o Kiko (Alcimar Oliveira), ex-prefeito de São Domingos que fez a sucessora e que traz consigo a simbologia do novo modelo de governança, que é governar com as cidades – eu como ex-prefeito de uma cidade do porte de Blumenau e ele como ex-prefeito de um pequeno município, representando a maioria das cidades de Santa Catarina. Estamos com uma boa musculatura.
Mesmo sendo o PT sozinho?
Quando assumi a presidência do partido, tinha dois objetivos: garantir a unidade partidária, que está absolutamente pacificado dentro do PT, e tirar o partido do isolamento. Só que esse isolamento se transformou no fator mais puro e mais bonito que já pudemos construir ao longo da nossa história. A aliança que não se fez com outras siglas se firmou com o povo. Isso está explícito, principalmente porque o povo está repudiando as aglutinações políticas sem conteúdo e envolvendo um monte de partidos, o que vai levar novamente ao loteamento do Estado. Eu vou governar Santa Catarina sem partidarizar o Estado. Não vou fazer um governo do PT, mas um governo para o povo e com o povo de Santa Catarina.
Equipe editorial – Andréa Leonora | Douglas Rossi | Murici Balbinot