Moro não é vítima, sabia quem era Bolsonaro e a ele se juntou

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Atualizado há 5 anos

(Foto: Reprodução).
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Ora, pois, Sérgio Moro sabia muito bem quem era Jair Bolsonaro. O Brasil inteiro sabia que o atual presidente era um homem de ultra direita, anticomunista fóbico, defensor da tortura, que reconhecia no coronel Brilhante Ustra, um torturador denunciado, o seu modelo. O Brasil sabia e Moro também, que Jair Bolsonaro representava as correntes mais retrógradas do planeta. Baseado em religiosidades atuantes na vida social e política do país, Bolsonaro se diz, orgulhosamente, homofóbico, contra a liberação do aborto, antifeminista, defensor da repressão violenta contra os criminosos e contra a subversão da ordem e de valores que fariam Mussolini corar. Abrigou sempre os prosélitos que contestam a ciência em favor de teorias absurdas, como a negação de que o planeta é redondo ou que o homem é resultado da evolução. Ele elegeu o discurso moralista mais raso contra a corrupção para empolgar a população decepcionada com os governos do PT. Tornou-se um um craque no uso da linguagem mais chã do senso comum, carregada de preconceitos e falsidades.

Moro sabia de tudo isso. Sabia também que Bolsonaro ascendeu favorecido pela desconstrução dos partidos e desmoralização das lideranças políticas pela Operação Lava Jato, da qual participou ativamente ao lado dos Procuradores e da Polícia Federal, num conluio reprovável para quem exercia a função de juiz. Moro sabia que por tudo isso Bolsonaro o tinha em alta conta, pois se mostrou o principal favorecido pela caça às bruxas da Lava Jato. Bolsonaro vibrou e teceu loas a Moro quando o então juiz expediu ordens de prisão ao arrepio do Código de Processo Penal. E mais comemorou quando o ex-juiz ofereceu testemunhas para a acusação, atuando segundo interesses políticos acima da lei. Bolsonaro o premiou com um superministério, juntando Justiça e Segurança Pública e reservando a Moro o poder de polícia.

Sergio Moro, gostosamente aceitou e igualou-se ao a Bolsonaro, novo líder e herói. Não resistiu. Abandonou a carreira de 22 anos na magistratura e uma fama de pop star da Justiça após levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão e se tornou o primeiro ministro a tomar posse no novo Governo do presidente Jair Bolsonaro. Em troca deu ao governo seu aval de credibilidade. Assumiu o Ministério da Justiça e Segurança Pública para alegria de quem endossava o presidente ultradireitista, e decepção de quem via oportunismo e contradição nesse casamento. Mas Moro topou, e prometeu colocar em prática o discurso anticrime organizado e anticorrupção.

A jornada longe dos tribunais, porém, terminou de maneira abrupta, em meio à pandemia de coronavírus nesta semana. Moro saiu fazendo graves acusações ao presidente Bolsonaro por querer interferir nos rumos da Polícia Federal, exonerando, à revelia do ministro, o diretor geral da corporação, Maurício Valeixo. É o ponto final de uma aventura que chocou o mundo e tirou muito do brilho de outrora herói anticorrupção. “Estou protegendo minha biografia e minha dignidade”, disse. Ora, para proteger sua biografia e sua dignidade era preciso não ter aderido a um Governo que tinha telhado de vidro antes mesmo de começar.

Moro foi catapultado para a fama pela operação que nasceu em Curitiba em 2014 e construiu como poucos uma reputação popular que fez sombra aos maiores titãs políticos até então. Soube se relacionar com a mídia e catalisar o anseio dos brasileiros por mais justiça e menos corrupção. Ao levar empresários e políticos para a cadeia —e seu maior troféu, o ex-presidente Lula— ganhou o amor eterno da maioria da população. Ainda tem 53% de percepção positiva no Brasil, mais do que Bolsonaro (39%). No meio jurídico, porém, sua fama perdia espaço à medida que atropelava ritos jurídicos para alcançar os resultados, viciado, segundo juristas, para atingir o governo do PT e suas pretensões de se manter no poder. O Estado de Direito foi atingido pelo modus operandi de Moro, e sua biografia ficou manchada, ainda mais depois de aceitar o convite de Bolsonaro, arqui-inimigo político do principal alvo do ex-juiz da Lava Jato.

Ironia do destino, Moro sai do Governo que o tirou da magistratura afirmando que precisava se demitir em defesa do Estado de Direito. “Busquei uma solução alternativa para tentar evitar uma crise política durante a pandemia, mas entendi que eu não podia, aí, deixar de lado esse meu compromisso com o Estado de Direito”, apontou o ministro. Outra ironia apareceu na despedida de Moro. Teve de reconhecer que durante a operação Lava Jato a Polícia Federal nunca sofreu interferência ou pressão direta dos presidentes petistas que foram escrutinados por ela. “Imagina se durante a própria Lava Jato a então presidente Dilma e o ex-presidente Luiz [Lula] ficassem ligando para as autoridades para obter informações?”, disse ele.

Coluna originalmente publicada por Fábio  Campana