Um levantamento produzido pela UPVacina (União Pró-Vacina), um grupo de instituições ligadas à USP Ribeirão Preto que busca esclarecer informações falsas sobre vacinas, identificou um aumento de 383% em postagens com conteúdo falso ou distorcido envolvendo a vacina contra a covid-19 – ou seja, a desinformação quase quintuplicou em dois meses.
As preocupações trazidas pelo levantamento são reforçadas por um estudo recente realizado pelo grupo ativista Avaaz. Ele revelou que, entre 2019 e 2020, a desinformação ligada à saúde disseminada no Facebook foi acessada 3,8 bilhões de vezes em cinco países: Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Itália. Esse conteúdo tem um alcance quatro vezes maior que informações confiáveis provenientes de dez grandes instituições de saúde, entre elas a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.
“Apesar da análise ser específica de grupos anti-vacina, a hipótese é que essas campanhas de desinformação continuarão se espalhando pelas mídias sociais conforme avançam as pesquisas das vacinas. Esses grupos representam apenas uma peça na engrenagem, mas se somam a outras redes de desinformação consolidadas durante a pandemia, constituindo um mecanismo muito mais complexo e abrangente. A preocupação é que o efeito da ação desse mecanismo coloque em risco futuras campanhas de vacinação contra a covid-19 e até mesmo a confiança geral nas vacinas”, afirma o analista de comunicação do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP João Henrique Rafael Junior, que também integra a UPVacina.
A análise da UPVacina foi feita com base em postagens dos dois principais grupos antivacina brasileiros no Facebook, os quais já haviam sido objeto de outro estudo da entidade em março. Entre os dias 1º de maio e 31 de julho, foram identificadas no total 155 postagens ligadas à vacina em desenvolvimento contra a covid-19. O volume de interações chama a atenção: foram 3.282 reações, 1.141 comentários e 1.505 compartilhamentos. O ritmo do crescimento das postagens ao longo do tempo também impressiona. Durante todo o mês de maio, apenas 18 postagens abordavam assuntos ligados à vacina contra a covid-19. Em junho, elas chegaram a 50 e, em julho, a 87.
Analisando os números por períodos, em dois, há uma frequência maior na disseminação de conteúdo falso: entre 11 e 20 de junho e entre 21 e 31 de julho. Os picos coincidem com informações bastante difundidas pela imprensa e ligadas à temática. Entre elas estão o anúncio da parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac Life Science para a produção de uma vacina contra a covid-19; o início dos testes dessa vacina no País; e os primeiros testes, no Brasil, de outra vacina para combater a doença, desenvolvida pela Universidade de Oxford, do Reino Unido.
Assim como na análise anterior da UPVacina nos mesmos grupos, há um pequeno número de pessoas produzindo a maior quantidade das postagens. De acordo com a pesquisa, 56 autores foram responsáveis por todas as 155 postagens. Cinquenta deles publicaram 52% (81) do total e os outros seis, 48% (74).
Outro fato destacado pelo estudo foi a ampliação do idioma das postagens. Embora a maior parte (65,16%) seja de conteúdos em português, outras línguas como inglês (22,58%), espanhol (7,74%), italiano (1,94%) e até mesmo russo (1,29%) também aparecem. Isso comprova a tese de que a rede de desinformação envolvendo vacinas e a pandemia ultrapassa as fronteiras brasileiras.