Em contraste a América do Norte possui uma grande diversidade de espécies autoctones, de uvas não viníferas, que geram vinhos inferiores, que no Brasil designamos comumente de “vinhos de garrafão”.
Para entender como se deu o ataque desta praga em vinhedos de todo o mundo é importante saber que, primeiro, os danos provocados pela Filoxera nas vinhas dependem da susceptibilidade da espécie de videira aos ataque do pulgão. Segundo, a Filoxera existe a séculos na América do Norte, mas só chegou a Europa (e de lá para outros continentes), no séxulo XIX, como veremos adiante. Ou seja, enquanto a Vitis Vinifera nunca havia tido contato com o pulgão e era (e ainda é) totalmente vulnerável, as espécies de uvas norte americanas co-evoluíram com o pulgão por séculos adquirindo grande resistência ao mesmo, tornando-se quase imunes.
O ataque da praga na Europa aconteceu de forma semelhante às epidemias levadas por navegadores espanhóis às suas colônias americanas. Povos aborígenes foram dizimados por vírus inofensivos aos europeus.
É fundamental entender o contexto em que se deu a Filoxera. No final do século XIX a economia europeia era movida a vinho: nada menos que 80% da população da Itália vivia direta ou indiretamente do vinho. Na França cerca de 20% da receita do estado vinha do vinho e 30% das pessoas trabalhavam diretamente com vinho. Em Portugal o vinho do Porto era o item número 1 na balança comercial do país.
Conta à história que um certo Monsieur Borty recebeu vinhas americanas, vindas Nova York, e cheio de boas intenções plantou-as em seu quintal, no Languedoc – sul da França, em 1862. Este marchant de vinhos, que hoje deve arder no inferno, notou que as demais vinhas de sua plantação (de Vitis Vinifera) começaram a morrer. Cerca de cinco anos depois todo o sul da França estava devastado. Em uma década a produção de vinhos da França havia caído a um terço e a calamidade já era global.
Em poucos anos a Filoxera atingiu toda a França, a última região a ser atacada foi champagne, em 1890. O Douro foi a primeira região portuguesa com registros de Filoxera, em 1865. Em 1875 já havia Filoxera na Austrália, em 1880 na África do Sul e em 1885 a praga chegou ao norte da África, na Argélia e de lá atacaria vinhedos na Tunísia e Marrocos. O século XIX chegou ao fim com o mundo de Baco destroçado e a produção mundial seriamente comprometida. Muitos vinhedos foram extintos para sempre, muitas castas desapareceram, dando lugar a outras. A geografia do vinho estava mudada para sempre.
Pânico e tentativas curiosas
No início a morte das vinhas era um mistério e o pânico se instalou. Mesmo depois que um botânico de Montpelier, no sul da França, Jules Émile Planchon identificou o problema como sendo um inseto quase invisível a olho nu, não se sabia como conter a praga e métodos curiosos foram utilizados, alguns entrando para o folclore da bebida. Métodos curiosos foram utilizados para tentar conter a praga, como urinar nos vinhedos.
Alguns viticultores começaram a plantar vinhas americanas, que não morriam, mas o vinho era resultante, como já sabemos, era de qualidade inferior.
A Cura
Em Montpelier desenvolveram um processo que não chega a ser a cura propriamente dita da praga, mas um paliativo. Após muitas experiências descobriram em 1874, que ao enxertar a Vitis Vinifera sobre uma vinha americana era possível produzir vinhos finos em uma planta resistente a praga. Apenas a raiz da planta é da vinha americana e sobre ela cresce uma Vitis Vinifera.
No início havia muita resistência em usar este método, primeiro pois temia-se pela qualidade do vinho e depois havia grande dificuldade de conseguir vinhas americanas, já que era proibido importá-las. Este método foi e é “a cura” adotada em todo o mundo até hoje.
A situação atual, as exceções e casos raros
Não se descobriu até hoje um controle eficaz da praga em si. A Filoxera ainda existe e ataca. Os cientistas não sabem todos os pormenores das diferenças entre a Vitis Vinifera e as espécies americanas, para determinar com os motivos que levam uma resistir a praga e a outra não. Sabe-se que a praga não ataca em terrenos arenosos, motivo pelo qual alguns vinhedos resistiram, como por exemplo na região de Colares, em Portugal, próxima a Lisboa. O Chile é também um caso sempre citado, pois a Filoxera não chegou até lá. Os motivos são as proteções naturais, já que o Chile é uma “ilha” entre a Cordilheira dos Andes, o deserto de Atacama, a Antártida e o Pacífico. Além disso atribui-se ao solo chileno rico em cobre e outros minerais, uma proteção natural. A Sicília, com seus terrenos vulcânicos, de consistência muito fica, também abriga alguns vinhedos “virgens”, intocados pelo maligno inseto.
As vinhas enxertadas são chamadas de “cavalo”, já que uma vinha á plantada sobre a outra. As vinhas com raízes originais europeias, sem o artifício da enxertia, são chamadas de vinhas de “pé franco”. Além dos citados acima existem espalhados pelo mundo alguns exemplos isolados de vinhedos “pé-franco”. É o caso do notório vinhedo “Nacional” da Quinta do Noval, no Douro, ou o a Herdade do Mouchão, no Alentejo. O fabuloso Thermantia é outro exemplo, elaborado na região espanhola de Toro a partir de um vinhedo pré-filoxérico de 140 anos de idade.
Pode-se hoje perfeitamente plantar um vinhedo em “pé franco” em qualquer lugar do mundo, mas o risco de perdê-lo por um ataque da Filoxera é grande. E mesmo as vinhas em “cavalo” podem ser atacadas se o porta enxerto (o tipo de vinha americana que fornecerá suas raízes a planta) não for bem escolhido. É bom lembrar que a Filoxera como todas espécies que habitam o planeta, pode evoluir e sofrer mutações naturais, e um porta enxerto hoje resistente a praga pode no futuro não o ser mais.
Na Califórnia nos anos 1960 e 1970 plantou-se muito usando o porta enxerto conhecido como “AXR#1”, que era resistente a Filoxera, mas que veio a sucumbir ante a um novo biotipo do pulgão, que dizimou muitos vinhedos, que tiveram que ser replantados com novo porta enxerto
*vinhedos do Douro atacados pela Filoxera final do século XIX e abandonados desde então, que podem ser vistos ainda hoje, espalhados pela região.