Você se lembra do último vinho que provou? Talvez nem o sabor nem o aroma tenham permanecido em sua memória. Talvez você nem consiga descrever as sensações produzidas pela bebida. Reside justamente aí a diferença entre beber e degustar.
Beber é simples: basta transferir o líquido da taça para a boca e dali direto ao estômago. Na degustação, esse caminho passa pelo cérebro e pelo coração. Exige concentração, técnica, experiência, imaginação, memória e, sobretudo, paixão.
Degustar é sentir o vinho e interpretá-lo. Para isso é preciso educar as emoções, aprendendo a traduzi-las e descrevê-las. Por outro lado, se as sensações são subjetivas, a percepção deve ser objetiva. E o que é colocar emoções em palavras? Poesia. Degustar é escrever poesia. Então é preciso ser poeta para apreciar a bebida de Baco? Não. Eu diria que o próprio vinho o tornará um. Transformar-se num virtuose dessa arte, porém, não é fácil. Amo as palavras, mas tenho dificuldade de encontrar a melhor para exprimir as sensações que estou experimentando. Como disse Ferreira Gullar, “escrever poesia é tocar o inaudito para torná-lo dito. Ou seja, é fracassar gloriosamente”. Para aproximar-se desse ideal, é fundamental um vocabulário amplo e preciso e, assim, nomear corretamente as sensações. Grandes poetas atingem esse objetivo ao transformar em versos os sentimentos. Não por acaso, o vinho já inspirou muitos artistas.
Para quem gosta de pintura, não é difícil diferenciar Renoir de Picasso. Da mesma forma, vai ficando óbvia a diferença entre um cabernet sauvignon e um pinot noir. Dentre tantos aromas de um vinho, depois de um aprendizado fica fácil reconhecer aromas de carvalho ou de uma fruta.
Degustar é apresentar visão, olfato, tato e paladar, mais ou menos nessa ordem.
Olhar
A cor do vinho nos diz muito sobre ele e pode ser belíssima. Normalmente, quanto mais escura a cor, mais encorpado (e mais tânico nos tintos). Quanto mais viva, mais ácido e jovem ele é. Quanto mais esmaecida, mais velho e menos ácido. Nos tintos, quanto mais violeta ou rubi, mais jovem (pode indicar que ainda está inadequado para beber). Quanto mais apagada e próxima ao tijolo ou à laranja, mais envelhecido. Os brancos jovens têm tonalidade tendendo ao verde que, com o tempo, passa a amarelo e ao dourado. Os brancos, diferentemente dos tintos, ficam mais escuros ao envelhecer. Assim, desconfie de brancos escuros demais.
Olfato
Aqui reside o grande charme do vinho. Gire-o na taça, libere a imaginação e inspire. Os aromas evoluirão à medida que você o aprecia, pois as substâncias aromáticas se volatilizam em tempos diferentes. Algumas rapidamente, outras demoram mais. É interessante guardar um pouco de bebida na taça por algumas horas para acompanhar a evolução dos aromas. Procure associar os aromas a coisas que você conhece (frutas, flores, especiarias, minerais) e ficará muito mais fácil reconhecê-los e recordá-los. Para ser um bom degustador é preciso imaginação e memória. Quem, proustianamente, não tem algum tipo de memória olfativa?
Paladar e tato
Beber é o último estágio. Aqui se irá confirmar tudo que já se sentiu. Na realidade, a maioria do que achamos ser paladar, na realidade, é olfato. Enquanto o número de aromas é virtualmente infinito, o paladar proporciona quatro sensações:
Doçura – notada principalmente na ponta da língua. Vem de açúcares, frutose, álcool etílico e glicerina;
Acidez – percebida principalmente nos cantos da boca, próximo aos maxilares, pela salivação provocada. Quanto maior a salivação, mais ácido o vinho. Vem dos ácidos málico, lático, tartárico e cítrico;
Salgado – sentido principalmente na parte superior da língua. Vem dos sais minerais e sais ácidos;
Amargor – mais perceptível na área da língua junto à garganta, normalmente após engolir. Vem da oxidação de taninos e sulfatos.
Alguns cientistas acrescentam uma quinta sensação à esta lista. Chamado de umami, este gosto seria percebido em toda a cavidade bucal e estaria associado ao glutamato monossódico, tempero utilizado na culinária oriental, que no Brasil é conhecido pela marca Aji-no-moto. Já há um sexto gosto em estudo, o kokumi, associado a um tipo de aminoácido, que acrecenta sensação de volume ao sabor, tornando pratos mais “substanciosos”. O kokumi ocorre naturalmente no alho, cebola e outros alimentos (sim, nosso tradicional “refogado” tem razão de ser). As sensações de umami e kokumi podem estar presentes nos vinhos.
Na boca, contudo, não se percebe só o paladar, sente-se também tato e aromas (pela comunicação interna da boca com o nariz). Deve-se deixar o vinho algum tempo na boca, mastigando-o e sentindo-o em toda cavidade bucal
No tato nota-se a consistência do vinho (sua textura e corpo), a aspereza, a fluidez, a pungência (alguns mais tânicos ou alcoólicos podem dar uma leve impressão de pressão ou de dor na língua), a temperatura e a adstringência ou tanicidade (produzida pelo travo notado nas laterais da língua, como uma cica que seca a boca).
O aroma de boca é diferente do de nariz, pois a saliva aquece e intensifica a evaporação. Esses aromas normalmente são mais fortes (e normalmente menos elegantes) que os de nariz. Para senti-los melhor, pode-se, com o líquido ainda na boca, deixar entrar um pouco de ar nela. Assim, a evaporação será intensa e os aromas bastante nítidos. Após engolir, sente-se o calor provocado, efeito do álcool e o que chamamos fim-de-boca, sensação percebida no fim da língua, quase na garganta. Com alguns exemplares, tem-se a sensação de que os aromas retornam após algum tempo, é o que chamamos de retro gosto.
Assim, a autêntica técnica de degustação consiste em proceder toda essa análise de maneira natural e contínua, de modo a não comprometer o principal: o prazer. O que torna o vinho tão especial é o equilíbrio entre razão e emoção que inspira em seu bebedor.