Por Bruna Kobus, Jaqueline Castaldon, Jair Nunes e Ricardo Silveira
Começou acanhado há 10 anos, lá na Bahia, em Salvador, com estudantes revoltados com a alta tarifa do Transporte Público naquele estado. Depois o Movimento Passe Livre (MPL) encorpou, ganhou adeptos por todo o Brasil e atingiu seu ápice na última semana.
A quinta-feira, 13, ficou marcada na história do País quando a truculência de Policiais impediu que estudantes e imprensa exercessem o principal papel de uma sociedade democrática: a liberdade de expressão.
Após o confronto, não só dentro do País, pessoas do mundo todo começaram uma caminhada para um Brasil melhor. Mas esse “Brasil melhor” precisa do que? Mais educação? Segurança? Reforma política? Nada de corrupção? Do que o País padece?
“Eu levanto, nesse caso, a bandeira de um Transporte Público que preserve a dignidade da população, que seja eficiente, que não seja um transtorno, um obstáculo para o trabalhador e um mecanismo de violência. Que não seja impagável, nem para o consumidor direto, nem para o próprio Estado pagar com a arrecadação dos impostos às empresas privadas. Nesse sentido, a estatização do Transporte Público e uma reformulação da sua condição é uma bandeira urgentíssima. Agora, há outras coisas muito urgentes: projetos de lei que tramitam no Legislativo e que são por natureza criminosos, como o Estatuto do Nascituro e a popularmente conhecida “cura gay”, ou danosos à democracia ou qualquer outra forma de Governo que não seja declaradamente autoritária, como a PEC 37”, disse o professor e coordenador de Filosofia da Faculdade Estadual de Ciências e Letras (Fafiuv), Samon Noyama.
Todas essas bandeiras e algumas mais estão sendo levantadas durante os manifestos nas ruas do Brasil nesses últimos dias. Os 20 centavos foram apenas um símbolo em que juntou milhões de brasileiros por uma única luta: mudar o País para melhor. A sociedade precisava de uma circunstância, em especial os jovens, que somam a maioria nas manifestações.
Nesta quinta-feira, 20, o Grupo Anonymous Brasil lançou um vídeo na internet com “as 5 causas”. Segundo o vídeo as principais reivindicações dos manifestantes são: não à PEC 37; saída imediata de Renan Calheiros da presidência do Congresso Nacional; investigação e punição de irregularidades nas obras da Copa, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal; Lei que torne a corrupção no Congresso crime hediondo e fim do foro privilegiado dos parlamentares.
E ainda há bandeiras contra as construções e superfaturamento da Copa do Mundo de 2014 e a favor da reforma política. Questão complexa para um País que ficou tantos anos na superficialidade de promessas partidárias e dependendo de um governo que não os representava.
Mas isso acabou, e como circula nas redes sociais “o gigante acordou”. As gerações Y e Z foram às ruas. Saíram da frente de seus computadores, tablets e Ipads para falar, olho no olho, sobre o que realmente a nação precisa.
Esses jovens são apartidários, o que mostra a falta de interesse em vínculos com siglas. Motivo que não é condenável, já que não se sentem representados por seus “representantes” políticos.
Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha 20% dos votos da última eleição foram brancos ou nulos. Três quartos dessa porcentagem era composta de jovens.
Mas, ainda “tem chão” para ser percorrido. Nesse especial O Comércio vai caminhar entre as diferentes ideologias acerca das manifestações, seus históricos, mundo político e o futuro do Brasil para tentar esclarecer esse fenômeno social vivido pelos verde amarelos.
Onda de protestos não é novidade
No final dos anos 1960 o Brasil protestava contra o Ato Institucional nº 5 e a Ditadura Militar. No início dos anos 1990 os jovens, chamados de Caras Pintadas, voltaram às ruas exigindo a queda do presidente Fernando Collor de Mello. Agora, em junho de 2013, um movimento aparentemente pedia redução ou cancelamento do aumento nas tarifas de transporte público em São Paulo e no Rio de Janeiro. Aparentemente… As manifestações mexem com as entranhas da corrupção e da política brasileira.
De repente o País se insurgiu contra as tarifas de transporte, contra a Copa do Mundo e contra a recorrente corrupção na esfera política. Mas essa insurgência não começou no dia 11 ou dia 23 com o confronto entre policias e manifestantes. A volta do fantasma da inflação também é causa de indignação social. A imagem ruim dos deputados federais, senadores, governadores e ministros, os sucessivos fracassos das CPIs contribuíram para a ebulição do movimento de protesto.
Com a imprensa mundial voltada para Copa das Confederações, nossos “assuntos internos” ficaram bem conhecidos mundialmente. No entanto a maioria dos políticos correu para os noticiários se declarando solidários com o movimento, mas condenando os abusos dos vândalos e saqueadores. A única certeza que se tem é que a voz rouca das ruas se fez ouvir. Governadores e prefeitos trataram de baixar as tarifas do transporte coletivo.
Para falar com propriedade legal sobre os manifestos, o advogado Valdir Gehlen, que atua há muitos anos em União da Vitória e Porto União, deu seu pitaco.
Segundo o advogado os manifestos sugiram em um momento certo, pois dessa vez a mídia está dando uma atenção maior para os protestos. “Essas manifestação estão vindo em um momento certo, embora, para alguns já poderiam ter ocorrido antes. Quando falo em momento certo é por que recentemente tivemos inúmeros atos públicos, com grande participação popular e da sociedade civil organizada, como por exemplo, o manifesto contra a corrupção, sem nenhuma repercussão na mídia nacional, especialmente os grandes veículos de comunicação das redes de televisão, revistas e jornais”, disse Gehlen.
Ele lembrou ainda o fato de o Brasil estar recebendo a Copa das Confederações, evento teste para a Copa do Mundo do ano que vem. Com o mundo olhando para o país, o impacto dos protestos está sendo maior. “Não havia momento melhor que este para ocorrerem estas manifestações, pois estão na mídia vinte e quatro horas por dia, e, o impacto é global, pois a visibilidade é grande, também, em função da Copa das Confederações”, enfatizou.
O advogado acredita que as causas que a população está reivindicando com os protestos são importantes, pois refletem as dificuldades dos brasileiros. “São justas e louváveis, uma vez que vemos um transporte público caro para a população de baixa renda, precário com ônibus velhos e mal cuidados. A corrupção inegavelmente existe em alta escala no Brasil. Ela é praticada, principalmente, por aqueles que deveriam ser o exemplo, e, dentro dos próprios governos (municipal, estadual e federal)”, destacou.
O impacto que as manifestações estão causando faz, na opinião do advogado, com que os governantes percebam que a população está disposta a exigir seus direitos e querer um país melhor. “Eu entendo que o resultado destas manifestações será altamente positivo, pois mexeu com o ‘brio’ dos brasileiros, despertou a cidadania e fez com que os governantes tremessem na base. A Presidente (Dilma Roussef), até suspendeu uma viagem ao Japão”, afirmou.
Um dos pontos das manifestações é a respeito da Proposta de Emenda Constitucional 37/2011, a PEC 37. Gehlen ressalta que a questão deve mudar alguns pontos na atuação do Ministério Publico (MP). “Podem e devem ser mudados alguns pontos na atuação do MP, para melhor, mas não da forma como na PEC 37, que é radical e só interessa uma classe política e alguns segmentos sociais que praticam crimes contra a economia social, corruptos e que enriquecem por meios ilícitos. Ao cidadão de bem não interessa o que a PEC 37 pretende introduzir, que é a impunidade”, declarou.
O advogado finaliza destacando que é importante os manifestantes manterem suas ideias com relação aos protestos, sem deixar que terceiros interfiram nos ideais por interesse próprios. “Algo muito importante é que os manifestantes não aceitam a ingerência de políticos ou partidos políticos, inclusive organizações sindicais, no movimento. Se os políticos quiserem fazer algo de bom, já tem os seus cargos, não precisam ir às ruas. Os partidos são organizados e administrados, na alta esfera, por pessoas que são coniventes ou incapazes de melhorar essa malfadada gerência dos serviços públicos. As organizações sindicais e seus líderes não têm respaldo e credibilidade da sociedade”, finalizou.
PEC 37: realidade próxima
Depois do manifesto realizado nas Cidades Gêmeas na segunda-feira, 17, promotores, estudantes, professores e comunidade em geral se reuniram na sala do Promotor de União da Vitória, Júlio Ribeiro Campos Neto, na noite de quinta-feira, 20, para discutir uma data para a próxima manifestação, agora contra a PEC 37.
Após algumas horas de conversa ficou decidido que no dia 26, às 18h30, será o dia da manifestação contra a PEC da Impunidade. A concentração será na Praça Coronel Amazonas. Dali os manifestantes seguem para os Correios de Porto União pela Rua Manoel Ribas. Depois descem a Sete de Setembro e se encontram em frente à Câmara Municipal de não da Vitória.
Os organizadores lembram que o movimento é apartidário e por isso não serão permitidos uso de faixas e camisetas que simbolizem alguma sigla.
De acordo com o Promotor, se a PEC for aprovada será uma catástrofe para a sociedade brasileira. “Quanto mais pessoas puderem atuar em combate a corrupção melhor, e a PEC 37 é completamente o inverso disso. Ela quer centralizar a questão do viés criminal apenas para a Polícia e fatalmente isso vai gerar um colapso porque a Polícia, como qualquer outro serviço público, é um serviço público deficitário.”
Gringa de olho nos brasileiros
Além de todo o povo brasileiro envolvido com os protestos, a repercussão internacional foi imediata. Desde a última semana, vários países estamparam em seus principais jornais a situação atual das manifestações brasileiras.
Para o sociólogo francês Alain Touraine, especialista em América Latina e autor de vários livros sobre movimentos sociais, os brasileiros “caíram na realidade”. Para ele, até agora, a economia brasileira estava sendo escrita de maneira exageradamente cor-de-rosa. E com os protestos, a realidade do País está sendo escrita. “Fico feliz ao ver que o que acontece atualmente no Brasil corresponde melhor à realidade do País do que as imagens que vinham sendo transmitidas”, afirmou ele que já foi professor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ele ainda comentou que é impossível ter a imagem de que há sucesso em todas as áreas em um País como o nosso, onde a corrupção é profunda.
Lembrou também os gastos da Copa. “A pobreza, que permanece imensa, é sacrificada em benefício do espetáculo”.
Touraine ressaltou que os protestos destes últimos dias não assumiram até agora uma forma política, com o objetivo de derrubar o governo.
“O caso brasileiro é um pouco atípico. As reivindicações econômicas e sociais são, pelo menos aparentemente, mais importantes do que os protestos ou ataques puramente políticos”, afirmou.
Para Ana Luiza de Souza, professora de Direito Constitucional da Faculdade Mackenzie Rio de Janeiro, o movimento é um marco na história do País, mas, é necessário ficar em alerta com uma crescente postura conservadora da juventude, que nos remete, imediatamente, a um passado de repressão tradicional.”
Segundo ela as manifestações MPL tiveram o objetivo inicial de reduzir as tarifas do transporte urbano, mas também, revelaram outras questões importantes no País.
O jornal britânico The Guardian também falou sobre o assunto que argumentou que os brasileiros tiveram a coragem que os britânicos não tiveram em 2012, com as Olimpíadas de Londres, na qual foram gastos 9 bilhões de libras.
O jornal continua e fala que os brasileiros não querem esse tipo de “extravagância”.
Liberdade de impressa
Em meio aos protestos há aqueles que não representam os manifestantes, que são os arruaceiros vândalos que agridem outros manifestantes, queimam carros, pneus, invadem prédios, depredam o patrimônio público e reprimem a ação da imprensa.
É contraditório pensar que muitos lutam pela democracia e o que fazem é reprimir o principal símbolo que representa um País democrático: a liberdade de expressão.
Diante dos atentados aos comunicadores a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) manifestou extrema preocupação com o acirramento da violência durante as manifestações realizadas. Na cidade Rio de Janeiro o repórter Pedro Vedova, da TV GloboNews, foi ferido na cabeça com uma bala de borracha, em meio ao confronto de manifestantes com a Polícia. Um veículo de reportagem do SBT, estacionado perto da prefeitura, foi atacado durante o tumulto. Os equipamentos foram roubados de dentro do carro, que foi pichado e incendiado. Felizmente, não havia ninguém dentro do veículo.
De acordo com o comunicado as “agressões a profissionais de imprensa e atos de vandalismo, como os ocorridos na última semana, com a intenção de impedir a cobertura dos fatos, devem ser rechaçados por atentarem contra a liberdade de imprensa e o direito à informação.”
E agora José?
Com tantos pedidos o Governo está confuso sobre o que fazer primeiro e também se vai fazer.
“A intenção (das manifestações) é justa, sem dúvida, mas essa energia de modificação pode, fatalmente, dissipar-se em ilusões momentâneas. Mudar exige, além de vontade, tempo e passos conscientes”, disse o acadêmico de jornalismo Douglas Marques.
Já para Samon Noyama “todos nós temos que aprender, discutir e viver essas manifestações com toda a sua natureza múltipla, complexa, inevitável e extremamente importante para nosso futuro.”
Qual a sua bandeira?
O Portal VVale perguntou e os internautas responderam por qual motivo eles lutam. Diante de tantos pedidos: qual é a sua bandeira?
A enquete feita pelo Portal começou às 14 horas de sexta-feira, 21, e durou quatro horas.
Entre as perguntas estavam: manifestação contra cura gay, PEC 37, mais educação e também saúde pública de qualidade, que ganhou a votação com 29% das bandeiras.
O segundo lugar ficou com a bandeira de “não a corrupção” com 27%. Já o terceiro lugar ficou nas irregularidades e superfaturamento nas construções da Copa do Mundo de 2014.
Acompanhe o pronunciamento oficial da presidenta Dilma Rousseff acerca das manifestações transmitido na noite de sexta-feira em rede nacional. O conteúdo está disposto em texto, áudio e vídeo.
Fotos Bruna Kobus e Jaqueline Castaldon