Mulheres marcham por menos violência nas Cidades Irmãs

1ª Marcha das Vadias coloca em debate violência que cresce em ritmo acelerado na região

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Atualizado há 11 anos

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mais de 92 mil mulheres foram mortas em todo o País nos últimos 30 anos. Porém, os dados divulgados pelo Conselho em março deste ano são ainda maiores. Até então as pesquisas sobre o assunto eram poucas e custavam ser financiadas por órgãos públicos competentes. Mas, após cobrança de grupos feministas, apoiadores da causa e também mulheres vitimadas por agressões de parceiros, o debate por mais condutas de segurança a mulher e implementação da Lei Maria da Penha se tornou frequente.

Contudo em julho outros dados alarmantes para o estado do Paraná foram veiculados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os números mostram que Estado é o terceiro mais perigoso para as mulheres, e fica atrás apenas dos estados do Espírito Santo e Alagoas.

Aproximando os fatos, em União da Vitória os índices também assustam. Segundo Eliana Maria dos Santos, secretária da Mulher na Central Única dos Trabalhadores do Paraná (CUT-PR), o município está em 46º lugar no ranking nacional das cidades que mais contabilizam homicídios contra as mulheres. E a maior parte dos crimes acontece dentro de casa pelos próprios companheiros das vítimas.

“Precisamos de mais políticas públicas sobre a questão de proteção a mulher. Hoje, em União da Vitória não existe nenhuma política pública municipal em exercício. Tínhamos dentro da Delegacia da cidade uma sala que realizava atendimento às mulheres agredidas, mas hoje ela está desativada”, comenta, Dulceli Tonet Estacheski, que atua como professora de História na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (Fafiuv).

representantes
Representantes do Mais que Amélias, Carolina Adam e a professora Dulceli Tonet

E devido ao ritmo acelerado com que acontecem as agressões contra as mulheres nas Cidades Irmãs, e também pela falta de atenção com as condutas de proteção a mulher surgiu o grupo feminista Mais que Amélias, o qual realiza desde abril um trabalho de conscientização nas escolas sobre violência doméstica, estupro e abuso sexual.

“O nosso trabalho não é sobre sexo, mas sobre violência. A gente vai às escolas debater sobre a violência doméstica, por que temos que começar com as crianças. Desde pequenos eles tem de aprender o que é essa violência”, diz Carolina Adam, representante do grupo Mais que Amélias.

O grupo trabalhou por muitos meses na conscientização de crianças sobre o assunto nas escolas: José de Anchieta, Túlio de França, Neuza Domit e CID Gonzaga. A intenção é expandir os trabalhos para mais escolas do município e realizar um levantamento de dados mais apurados sobre os casos da região.

“Conversamos (Mais que Amélias) com o promotor de União da Vitória, Julio Ribeiro de Campos Neto e ele disponibilizou todos os arquivos da promotoria para estudo. É um projeto para o ano que vem”, completa Carolina.

E a Marcha das Vadias surgiu como um trabalho para ser realizado dentro desse projeto de conscientização. De acordo com Carolina o alto índice de estupros, mortes e violência contra a mulher nas duas cidades era motivo, mais que necessário, para que fosse realizada a Marcha. “A Marcha das Vadias tem sempre um foco. O nosso, aqui na cidade, foi marchar contra a violência da mulher”, completa.

Dulceli, que pesquisa sobre crimes sexuais e culpabilização das vítimas, conta ainda que as mulheres, ao longo da história do Brasil, acabam se responsabilizando pelas agressões que ocorrem com elas próprias, e a Marcha veio para inverter essa situação nos momentos atuais. “O grupo feminista se dispôs a estudar muito sobre o assunto, e conscientizar as pessoas acerca do alto índice de agressões contra as mulheres e de que a culpa tem de recair sobre o agressor não sobre as vítimas”, argumenta Dulceli.

A Marcha das Vadias teve sua primeira realização em União da Vitória e Porto União no sábado, 19. Cerca de 50 mulheres e homens, entre professoras, mães e acadêmicos foram às ruas das duas cidades “abrir os olhos” da população sobre os números que colocam União da Vitória entre as 50 cidades que mais matam mulheres em todo o Brasil.

A caminhada reforçou um estilo familiar. Mães de militantes também participaram, além de crianças que caminharam juntas com a Marcha.

Professora Dulceli sobre a Marcha:

Mas, devido ao conservadorismo que ainda está incrustado nas ações de cidade pequena, o estranhamento foi evidente. De dentro das lojas, olhares curiosos fitavam os corpos pintados a guache que passavam pelas ruas da cidade. As mulheres estampavam “vadias” em suas pernas e braços e homens carregavam cartazes feministas. Antigos não tinham resposta para o que acontecia.

“Nossa intenção é impressionar, quem ainda não conhecia o movimento com certeza vai buscar saber o que a gente estava fazendo ali, e ver a importância disso”, disse Carolina após a Marcha.

A Marcha será realizada todos os anos como continuação do trabalho de conscientização. Além do grupo feminista Mais que Amélias, a APP Sindicato e Fafiuv também apoiam o trabalho, e realizaram na sexta-feira, 18, o II Seminário Regional de Combate à Violência Contra a Mulher como mais uma tentativa de colocar em discussão as agressões feitas contra as mulheres e tentar encontrar, em conjunto, soluções para o assunto.

Do outro lado da linha

Porto União já possui uma Delegacia da Mulher. Ao contrário de União da Vitória que ainda luta por um atendimento adequado às vitimas de violência doméstica.

Como denunciar?

Casos de Lei Maria da Penha podem ser denunciados pelo número 180, ou também para a Polícia Militar. Mulheres que sofreram algum tipo de agressão seja psicológica, moral ou física podem também se direcionar aos CRAS e CREAS do município.

“As mulheres acabam não indo a delegacias comuns porque se sentem envergonhadas, e também o atendimento é feito por um homem, o que acaba impedindo muitas vezes as vítimas de irem para as delegacias comuns registrar queixas”, reforça Dulceli sobre a necessidade de uma delegacia especializada em atendimento feminino em União da Vitória.

E agora, o que deve ser feito?

  • Criação de políticas públicas municipais de proteção as mulheres. Candidatos a prefeitura de União da Vitória assinaram no ano passado uma carta confeccionada pelo grupo feminista se comprometendo criar leis e outras medidas de proteção a mulher. Pedro Ivo Ilkiv e seu Vice Jair Brugnago também assinaram a carta comprometimento;
  • Criação de uma delegacia da Mulher para a implementação da Leia Maria da Penha;
  • Criação de Casas abrigos para mulheres que são vítimas de violência doméstica. Estas não podem voltar para casa, pois correrão mais risco de serem violentadas por seus parceiros;
  • Criação de mais programas de conscientização sobre a violência contra a mulher;
  • Contabilização de casos de violência doméstica na região, para estudos mais detalhados.

PROCESSOS

  • Em junho, segundo o promotor Julio de Campos, o número de processos em andamento pela 2ª Vara Criminal do município era de aproximadamente 1 mil;
  • 77 medidas protetivas foram concedidas neste ano;
  • E no momento existem 15 presos sob a competência da Vara Criminal, sendo cinco por crimes ligados a Lei Maria da penha.

Fotos: Bruna Kobus/Jornal O Comércio