“SC ganhou a guerra fiscal, agora precisa investir para combater a pobreza”

Paulo Eli, secretário da Fazenda, planeja investir R$ 80 bilhões em 20 anos

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Atualizado há 2 anos

Santa Catarina investe hoje mais que todos os estados e cresce como nenhum outro. Em 2021, o PIB catarinense avançou quase 10%, bem mais que o dobro da taxa de crescimento do país. Mas, para o governo do Estado, é preciso equilibrar esse desenvolvimento e combater a extrema pobreza. “Há uma Santa Catarina que não podemos deixar crescer. São 600 mil pessoas, 8% da população, sem condições de pagar um boleto de casa própria, em insegurança alimentar, precisamos resgatá-las do CAD único via educação e emprego”, aponta, sem rodeios, o secretário do Estado da Fazenda, Paulo Eli.

Catarinense de Rancho Queimado, auditor fiscal de carreira, Paulo Eli está no serviço público há 44 anos e no comando da Fazenda desde fevereiro de 2018. De lá pra cá, o governo arrumou a casa, cortou gastos, pagou dívidas e aumentou a arrecadação em torno de 70%. Criou o Plano 1000, que já está em andamento e fixa o investimento de R$ 1 mil para cada catarinense, na cidade onde mora.
A meta é investir R$ 80 bilhões em 20 anos no rearranjo do Estado, para evitar que a área de Chapecó e o litoral se tornem aglomerados urbanos onde falta tudo e o restante do Estado siga rico com poucas pessoas porque tiveram de migrar em busca de oportunidades.

Com o Pró-Emprego de 2006, que foi redigido por Paulo Eli assim como o Plano 15 de Luiz Henrique da Silveira, Santa Catarina criou um complexo logístico que venceu a guerra fiscal com estímulo à indústria e à importação. Em 2021, o Estado registrou 205 mil novas empresas e 168 mil novos empregos com carteira assinada. Agora, planeja o secretário, o dinheiro do Estado terá de ser investido para garantir qualidade de vida nas cidades e remediar a concentração de renda, o acesso à propriedade da terra e à casa própria.

Aqui, trechos da entrevista concedida pelo secretário à jornalista Adriana Baldissarelli, editora da coluna Pelo Estado para ADI-SC e APJ/SC. A entrevista completa está disponível em www.scportais.com.br e www.adisc.com.br

Qual o esforço deste momento?
Temos meta e trajetória e estamos olhando lá na frente. Aproveitando o momento que governo federal e demais estados estão em desinvestimento, Santa Catarina está investindo muito. Isso vai trazer migração dos movimentos econômicos pra cá. Mas hoje temos 7,3 milhões de habitantes e uma grande concentração na região de Chapecó e na faixa do litoral, da Serra Geral para o mar, até Rio do Sul e São Bento do Sul. Nessa área já há concentração urbana e vai aumentar. Vamos ter vazio demográfico no resto do Estado, mas não vazio econômico, porque o agronegócio é forte, a indústria de processamento de alimentos, papel e celulose e de madeira é forte. Haverá grande riqueza nessas áreas, pouca gente, qualidade de vida boa. Mas as pessoas que não têm oportunidade ali vão para litoral. Ou vamos planejar esses aglomerados ou vamos ter áreas onde falta tudo.

Com a pandemia, os estados acabaram arrecadando mais. O que provocou a mudança econômica?
Três fatores. As pessoas ficaram em casa e mudaram hábitos de consumo. Investiram em bem-estar nas suas casas. Pessoas de alta renda gastaram muito em moradia, móveis, eletrodomésticos, coisas para ficar e trabalhar em casa. O governo federal fez o auxílio emergencial, dando renda a pessoas que não tinham antes. Essas pessoas foram ao mercado e compraram produtos de consumo que pagam ICMS. O terceiro aspecto é que a economia brasileira ficou fechada para as viagens ao exterior. Então as pessoas gastaram aqui o dinheiro, em torno de R$ 2 bilhões por mês. Esses três fatores fizeram com que a arrecadação dos estados fosse melhor, porque simplesmente o dinheiro circulou internamente. O turismo interno aumentou muito, pousadas, hotéis, muita gente foi fazer turismo rural.

No que o governo Bolsonaro ajudou e no que atrapalhou a economia de SC?
A única queixa, não em relação ao presidente Bolsonaro, mas em relação ao governo federal, é que Santa Catarina não tem voz em Brasília e as obras federais no Estado demoram muito a acontecer. As obras federais no país inteiro estão paralisadas, por isso o governador Moisés decidiu investir nas obras federais no Estado, porque precisamos delas. Se o Estado for no ritmo do governo federal, não conclui a 470, a 280 e todas as outras rodovias federais. A queixa não é em relação a governo, mas à União. A União sempre discriminou Santa Catarina, mas hoje está sem recursos, não tem para nenhum Estado.

O governo Moisés parece estar reprimarizando contratações na Celesc, optando por gestões técnicas na Celesc e na Casan, parece uma valorização do serviço público. Como é pensado esse assunto?
O governo do Estado é privatista. Estamos trabalhando na privatização do porto de Itajaí, nós pedimos ao ministro para colocar na agenda, vai ser privatizado este ano. Nós pedimos para colocar na agenda a privatização de Imbituba e São Francisco do Sul. São processos longos, porque a gestão é do Estado, mas quem tem de fazer a privatização é o governo federal. A Codisc, Cohab, Santur, Codesc estão extintas ou em extinção. Aí temos Badesc, Celesc, Casan e BRDE. São empresas que precisamos deem retorno à sociedade para valer alguma coisa. A gestão mais técnica da Celesc e da Casan fez com que o resultado fosse bom, mas o futuro é outra questão. A Constituição estadual proíbe a privatização dessas duas empresas, então não há como mexer nisso agora.

E a terceirização de serviços públicos? Como tem sido a experiência?
Temos os hospitais filantrópicos que funcionam assim, as organizações sociais (OSs) que trabalham para o Estado e 14 hospitais próprios. Estamos testando um modelo misto. O grande trabalho do Estado é reduzir seu tamanho e não tem que se meter em economia. Tudo que o privado pode fazer melhor, deve passar para o privado, mas isso é um processo de longo prazo. Tem que qualificar esses privados também. Nosso maior projeto hoje, além do complexo hospitalar na Ilha de Santa Catarina que é bilionário e está em projeto de engenharia, é uma rodovia de 90 quilômetros entre Biguaçu e Joinville. É uma rodovia de seis pistas, num novo eixo industrial na linha de gás natural e nas linhas de transmissão de energia. Deve custar R$ 4 bilhões. De Governador Celso Ramos até Joinville, desafogando a 101. Quando os projetos de engenharia ficarem prontos, daqui a três anos, aí vamos procurar parceiros para fazer uma PPI ou o Estado faz e cobra pedágio.

A saída de Eron Giordani da Casa Civil fez muita falta ao Plano 1000?
O Plano 1000 é da Fazenda, sempre foi. Eu que assino os contratos.

E a guerra fiscal é coisa do passado? Como SC saiu dela?
Somos os que ganhamos a guerra. Ganhamos a guerra porque nosso modelo é melhor que o do Espírito Santo, melhor que o do Paraná, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Porque construímos aqui um modal logístico, em função dos cinco portos. Enquanto em Santos o navio espera 15 dias para atracar, aqui espera um. Desembaraçou em Itajaí, Navegantes ou Itapoá, no dia seguinte a mercadoria já está no supermercado em São Paulo.

Foto: Mafalda Press/Divulgação