Aparecido Bernardo da Silva, morador no bairro Bom Jesus em União da Vitória, é dono de um espírito empreendedor que o acompanha desde a infância. É casado com Maria José, com quem teve quatro filhos: Daniele, Ana Paula, Gabriela e Carlos Eduardo.
De seus recém completados 57 anos, em 1º de fevereiro, Aparecido comemora que oito deles foram dedicados ao tão sonhado empreendimento, que leva o nome de Porto Sucatas e, que está localizado próximo de sua casa, no bairro Ouro Verde. “Eu morava em Mirador, que fica no norte do Paraná. Uma cidade pequena de aproximadamente 2.327 habitantes. A cidade de União da Vitória (distante 236 quilômetros de Curitiba) em 1995 foi a escolhida pela nossa família para uma nova mudança de ares”.
Antes de administrar o Ferro-Velho, Aparecido foi proprietário de uma empresa de tintas. “Saímos do ramo e voltei para a minha antiga paixão que é a sucata, cuja minha admiração pelo trabalho aconteceu na infância. Quando você faz aquilo que gosta é como gostar de uma pessoa que passa pela sua vida e você nunca esquece. Assim é o meu trabalho, é uma paixão. Hoje, para você ter uma ideia, eu cheguei aqui (na Porto Sucatas) cinco horas da manhã. Fui para casa almoçar e fiquei meia hora e já voltei”, disse.
A empresa de Aparecido é aberta ao público de segunda a sexta-feira, em horário comercial, e é especializada na reciclagem de resíduos ferrosos, que buscam a preservação das propriedades e características do material para que estes possam ser reaproveitados. “A empresa tem um significado importante na preservação junto ao meio ambiente, na economia local e regional”.
O empresário escolheu viver e investir em União da Vitória. Atualmente a Porto Sucatas é considerada uma empresa de médio porte e os funcionários são os próprios filhos de Aparecido. “Fornecemos mercadorias para diversas cidades brasileiras. E entre essas também acontece a terceirização para o envio de sucatas para o exterior”.
A Porto Sucatas conta com equipamentos modernos, caminhões e carros que contribuem para a separação do material recebido ou recolhido. “Eu tenho aqui dois alqueires de área ao qual hoje praticamente todo o espaço está ocupado com sucatas. Acredito que aqui na região de União da Vitória sou um dos empresários mais antigos no ramo”.
Aparecido também é um fornecedor da Gerdau, que é considerada a maior empresa brasileira produtora de aço e uma das principais fornecedoras de aços longos nas Américas e de aços especiais no mundo. Também é a maior recicladora da América Latina, pois a empresa tem na sucata uma importante matéria-prima, sendo 73% do aço que produz feito a partir desse material. “Aqui na Porto Sucatas eu só não tenho ainda peças para avião (risos), no mais temos de tudo! Nós compramos materiais em desuso sendo a maioria os moradores do interior. A base do nosso negócio são os agricultores, por exemplo, de cada dez clientes que entram na empresa, sete são agricultores e os demais são do ramo industrial”.
Dados divulgados em abril de 2022 pela Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério da Economia, revelam que as exportações de sucata ferrosa, insumo usado na composição de aço pelas usinas siderúrgicas, voltaram a crescer atingindo 71 mil toneladas, alta de 43% comparado a março do mesmo ano, quando chegaram a 50 mil toneladas.
A guerra na Ucrânia e o aumento do ferro e de outros insumos também usados na composição do aço impactaram o mercado mundial. o Instituto Nacional das Empresas de Sucata de Ferro e Aço aponta que existe uma tendência de acomodação dos preços, ou seja, os valores da sucata tendem a se estabilizar este ano.
Estima-se que aproximadamente 30% do aço produzido no Brasil seja proveniente da reciclagem. O aço é um dos poucos materiais que pode ser infinitamente reciclável sem qualquer perda de qualidade, de acordo com especialistas do setor.
Segundo o consultor do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/PR), Francisco Wildes, o ramo da sucata é promissor. “O Brasil tem avançado no setor e acredito que a empresa que se especializar na sucata vai sair na frente. O mercado brasileiro ainda é pouco ocupado por empresas especializadas. Se olharmos as oportunidades no negócio das sucatas, sejam elas metálicas ou não, de ferro, de alumínio, de plástico ou de vidro, serão muitas as oportunidades especialmente por conta do tema sustentabilidade”.
Francisco aposta que a valorização dos recursos naturais resultem em melhores condições de saúde aos seres humanos e que a Economia Circular tem contribuído para que isso aconteça. “O que se tem reparado é que os produtos se tornam sucata muito rápido hoje, prova disso são as variedades de leilões existentes desses equipamentos. A comunidade em si voltou o seu olhar para a economia circular questionando sobre qual o local de descarte correto para cada produto. A Economia Circular é um aperfeiçoamento do sistema econômico atual que visa um novo relacionamento com os recursos naturais e a sua utilização pela sociedade”, explica.
Vale lembrar que a Economia circular é um conceito que associa desenvolvimento econômico a um melhor uso de recursos naturais, por meio de novos modelos de negócios e da otimização nos processos de fabricação com menor dependência de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis. O objetivo é gerar uma gestão mais eficiente dos recursos naturais existentes, ou seja, manter produtos, componentes e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor o tempo todo. “Basta olhar para os números existentes hoje no mercado de recicláveis para entender a sua relevância no futuro. O Brasil possui apenas 4% dos resíduos sólidos que poderiam ser reciclados, ou seja, é muito baixo. Se for olhar para países com a mesma faixa de renda e grau de desenvolvimento, como o Chile, a Argentina e a África do Sul, percebemos que a representação deles está em 16%, sendo quatro vezes mais que o Brasil. Já os países desenvolvidos como a própria Alemanha, percebemos que estão alcançando um índice de reciclagem de 67%. Com base nesses números entendemos que o Brasil está praticamente 20 anos atrasados em relação a esses países”.
Como abrir uma empresa
Francisco explica que o Sebrae está de portas abertas para auxiliar o profissional abrir a sua empresa. O primeiro passo, segundo ele, é a elaboração de um plano de negócio. “No caso da sucata entendemos que a empresa trabalha com processos de transformação de materiais coletados para a sua utilização em outra cadeia produtiva. Abrir o próprio negócio é o sonho de muitos brasileiros não é?”
Para se tornar um empreendedor é importante seguir alguns passos levando em conta todos os procedimentos necessários para a legalização da empresa. O primeiro é a contratação do contador; o segundo passo é a definição da natureza jurídica (sem sócios ou com sócios); o terceiro passo é a escolha do nome; o quarto passo é a escolha da atividade da empresa; o quinto passo é a definição do local; o sexto passo é a elaboração do Contrato Social; o sétimo passo é o registro da empresa na Junta Comercial; seguido da inscrição Municipal e Estadual, passando para a conectividade social e por fim (opcional) o Registro da Marca.
As regras de formalização da microempresa estão regulamentadas na Lei Complementar nº 139/2011, também conhecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas.
“Já fui chamado de acumulador”
Aparecido já foi chamado de acumulador de objetos inúteis. “Nunca liguei para isso, sabia? Eu bato no peito para falar às pessoas que o sustento da nossa família vem da sucata”.
Ele conta que quando chega um caminhão na Porto Sucatas o olhar da equipe para os “novos materiais” precisa ser diferenciado. “Vemos todo o material com os olhos de reaproveitamento da comunidade. Não enxergo como lixo; tudo vira commodity”.
Da tesoura ao ferro-velho
De União da Vitória a reportagem percorreu 42 quilômetros até a paranaense General Carneiro para compartilhar a história de um jovem cabeleireiro que abriu um novo negócio com desmanche de veículos legalizado.
O caminho para o sucesso foi árduo e nada veio da noite para o dia. Gabriel Arcanjo Vargas, de 31 anos, dedica quatro deles aos esforços do seu novo empreendimento: a Sucataki Auto Peças. “Eu era cabeleireiro em União da Vitória e a minha esposa atuava em uma empresa de guincho aqui em General – a qual ainda temos. Eu sempre gostei de peças de carros e os desmanches eram para mim como um parque de diversões. O nosso principal foco quando nós começamos era com o guincho na plataforma auto socorro. Tínhamos seis caminhões e era uma correria danada. Foi então que abrimos a Sucataki e optamos pelo desmanche. Reduzimos a frota de caminhões para dois e focamos na sucata”.
O empreendimento de Gabriel compreende um pátio com aproximadamente dez mil metros quadrados, conta com guinho e um barração, com o intuito de prestar serviços também em rodovias e as seguradoras de veículos. No pátio possui hoje mais de 300 carros a qual oscila conforme a demanda de peças buscadas pela população.
Vale dizer que o empreendimento de Gabriel se parece muito com o do Aparecido. Ambos buscam envolver a família no cotidiano das empresas. “Trabalham comigo a minha esposa Tamara, que é o meu braço direito, sendo a responsável pelas finanças da empresa e o primo dela, o Luís Fernando. Ele era de Pato Branco (PR) e apostou no nosso negócio, sendo hoje o responsável pelas vendas”.
O Departamento Estadual de Trânsito lembra que a Origem do Produto e o Tempo de Uso devem ser informados e obrigatoriamente comprovados pelas empresas de desmontagem, de acordo com Lei Federal sancionada em maio de 2014.
A atividade principal da Sucataki Auto Peças é o comércio a varejo de peças e acessórios usados para veículos automotores. “Não é só a geração de empregos, mas também a preocupação da empresa com o meio ambiente no reaproveitamento das peças. Aquelas peças em final de vida útil nós repassamos à Gerdau e outras empresas de Curitiba para também darem um novo destino à elas e de maneira correta conforme regulamentado por Lei. Os desmanches são credenciados no Departamento de Trânsito do Paraná e a Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná). Além disso contamos com um engenheiro que classifica as peças que podem ser reaproveitadas”.
Desde que o Conselho Nacional de Trânsito regulamentou o reaproveitamento de peças e implementou a Lei do Desmanche tem atraído novos empreendedores no ramo. Gabriel pretende ampliar o negócio em consonância com legislação municipal e estadual.
OUÇA:
Os Reis da Sucata