Por Mariana Honesko
No alto de seus 74 anos, ela tem disposição de sobra. Os atendimentos começam já às 7 horas e estendem-se até o final da tarde. Ela não tem preguiça, esbanja vitalidade e abnegação. Muitas de suas consultas nem são cobradas. Seu perfil, na verdade, não mudou. Desde o início da carreira como médica, Salime Farah encarou a profissão como um sacerdócio. Tanto é que seu primeiro carro veio apenas um ano de trabalho e o que entrou na garagem, era bastante modesto. “Comprei um Fusca”, sorri a médica. Até então, o percurso de sua casa, no centro de Porto União, até a Associação de Proteção à Maternidade e à Infância (APMI), em União da Vitória, era feito à pé. A unidade hospitalar foi palco de sua estreia.
Andar não era problema. Não era também, a missão de assumir as várias especialidades médicas. Na época de sua formatura, no início dos anos 60, as Cidades Irmãs eram carentes de profissionais. Estima-se que para atender os dois municípios, havia apenas oito “doutores”. Assim, bem antes da ginecologia e obstetrícia, Salime atuou como anestesista e ficou na função por alguns anos. “A gente tinha que fazer o diagnóstico na raça”, conta. Salime, dona de uma memória invejável, lembra ainda das habilidades dos médicos, Bertaso, Domit, Lauro e Alvir Riesemberg. Eles trabalharam com a médica e na prática, tornaram-se seus exemplos. “Eram ótimos”, elogia.
Outros tempos
Salime não escolheu a profissão por acaso. Em sua casa, quatro de seus dez irmãos eram médicos. Aos dez anos, a jovem Salime espelhava-se nos passos de Fauzi, seu “mano” mais velho e egresso na faculdade de Medicina. Logo, chegou sua vez. Salime formou-se na Universidade Estadual do Paraná (UFPR) em 1965. “Na época, tinha apenas sete mulheres na sala de aula”, lembra. Natural de Porto União, a jovem acadêmica quebrou os padrões de sua época. Sair de casa, entrar na faculdade, morar longe dos pais e cursar medicina não eram atitudes tão comuns, especialmente geradas em cidades pequenas.
Entra em seu currículo, ainda, o pioneirismo tecnológico. Em 1982, Sailme trouxe para seu consultório o primeiro ultrassom das Cidades Irmãs. Até então, o sexo dos bebês era conhecido apenas na hora do parto. Mais do que acabar com a curiosidade dos pais, o equipamento possibilitava melhores diagnósticos. “Trouxe, na verdade, para minha segurança. Fui para São Paulo, fiz o curso, e trouxe o aparelho”, conta.
Endossa o portfólio, também, o curso de especialização em Medicina do Trabalho, feito em 1976 e que abriu as portas para o mercado na cidade. “Toda semana eu ia para Curitiba. Saia daqui de tarde e voltava de noite, toda sexta”, recorda.
Hospital Nazaréth Farah
No auge de seu trabalho, nasce o Hospital Nazaréth Farah. O projeto era fruto da vontade de Salime e de toda sua família. Construído em 1967, a unidade, que ficava bem no centro de Porto União, funcionou por cerca de duas décadas e garantiu o nascimento de inúmeras crianças.
A médica não sabe informar com certeza o número de bebês nascidos por sua intervenção, tampouco os partos que tiveram apenas sua participação. “Nos dois primeiros anos de hospital, fazíamos mais parto que todos os outros hospitais da cidade juntos. Em média, nasciam entre cem e 110 crianças”, sorri, com orgulho.
Ao longo de sua existência, o hospital contabilizou o nascimento de mais de dez mil bebês. Conforme a médica, o hospital fechou suas portas a partir da compra do imóvel e da estrutura. “O grupo que assumiu não soube conduzir e o hospital fechou”, conta.
Política
O mesmo amor que tem pelas gestantes e pela vida que nasce é compartilhado com a política. Neste campo, Salime também foi pioneira e conquistou reconhecimento e respeito. Cidadã benemérita de Porto União e Honorária, em União da Vitória, a médica foi vice-prefeita na gestão do então prefeito, Alexandre Puzyna, bem como vereadora, por três mandatos. Hoje, Salime prefere manter-se afastada das ações locais. Nos bastidores, forma sua opinião e acredita que a política local precisa de reformas. Ao olhar para trás, contudo, acredita que a missão foi cumprida. “Fiz minha parte para o município. Por isso, para Deus só tenho que agradecer. Não tenho nada a pedir”, diz.
Uma mulher embaixo do jaleco
Nas horas de folga – quase uma raridade – Salime gosta de diversão. Eventualmente, reúne-se com um grupo de amigos para jogar cartas. Mais jovem, a médica era também boa com os pés. Entre os colegas de profissão, mostrava suas habilidades.
Singular nos dons, Salime foge às raízes. Sua família é libanesa. Os pais, em Porto União, tinha na sapataria sua profissão no final da década de 30. Membro de uma família grande, a médica contrariou a tendência: é solteira, não tem filhos e mora sozinha. “E gosto assim”, sorri, simpática.