Artigo: Fala que eu não te escuto

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Atualizado há 11 anos

Hugo Rodrigues, CCO e COO da Publicis
Hugo Rodrigues, CCO e COO da Publicis

Por Hugo Rodrigues

O analfabetismo funcional atinge 70% da população do nosso país. Analfabetismo funcional é quando a pessoa lê, mas não entende o significado da leitura.

Um exemplo prático do reflexo disso no nosso dia a dia é constatado quando analisamos dois dados de fontes independentes, mas que quando cruzados falam muito entre si.

Dado 1: mais de 80% dos donos de carro não fazem recall no Brasil.

Dado 2: 83% dos consumidores brasileiros não sabem o que é recall.

Você pode gritar: “Por favor, venha fazer recall”, pode comprar todas as mídias on/off do país, criar a campanha mais brilhante, fazer o melhor viral do mundo, elaborar uma estratégia de CRM impecável, engajar, mas se você não explicar antes – e de um jeito simples, básico e didático – o que é um recall, 83% do Brasil vão continuar inertes.

Ao contrário do que muita gente pensa – e mesmo fazendo parte dos verbetes de alguns dicionários brasileiros –, essa falta de entendimento não acontece porque a palavra “recall” vem do inglês. Não, não, não… Em português, o entendimento é tão difícil quanto.

Apenas 28,9% dos alunos do ensino médio têm conhecimento adequado para a sua série em língua portuguesa. E apenas 10,3%, em matemática. Como entender o que nem se sabe?

Segundo pesquisa do Núcleo Brasileiro de Estágios (NUBE), 40% dos candidatos são reprovados justamente por não saber falar ou escrever o português corretamente.

Não foi a minha querida avó quem criou o ditado, mas foi ela quem sempre me ensinou que não devemos colocar a carroça na frente dos burros.

Por favor, antes de qualquer conclusão, lembre-se do significado do analfabetismo funcional e deixe eu explicar em detalhes. Eu não estou chamando ninguém de burro. E também não estou fazendo nenhum trocadilho com carroça.

Estou apenas usando um dito popular como metáfora para dizer que não podemos conquistar o coração e a mente do consumidor pulando etapas.

Antes de qualquer passo para criar uma estratégia de comunicação criativa e eficiente, antes de pensarmos na última tendência em digital ou mobile que fale com o nosso público-alvo sem dispersão de investimento, precisamos de algo mais simples: conhecer profundamente e respeitar verdadeiramente o consumidor.

Em 2011, para aumentar a audiência, as emissoras de TV por assinatura não desenvolveram nenhuma estratégia de marketing, ação de vendas ou alguma ideia criativa. Simplesmente investiram em dublar suas séries e filmes. Além da preferência absoluta de uma classe emergente (76% optam pelos dublados), a facilidade de entendimento do conteúdo ou compreensão da mensagem atrai mais espectadores.

Assistir aos grandes sucessos do cinema internacional em português também deixou de ser um diferencial restrito aos espectadores de filmes infantis. Em dois anos, o número de longas dublados lançados no mercado brasileiro dobrou – segundo a Rentrak, passou de 44 filmes em 2010 para 81 em 2012.

Não é sempre que só uma estatística basta para dar um panorama geral da realidade. O correto é que seja preciso detalhar diversos números e informações para realmente compreender o que está em jogo. Mas, quem se debruça sobre a capacidade de compreensão da imensa maioria dos 200 milhões de brasileiros, depara-se com uma única estatística que parece sintetizar a nossa situação: o analfabetismo funcional é uma realidade.

Se você quer ser ouvido, e principalmente entendido, na sua próxima estratégia de comunicação, respeite os limites do consumidor.

Hugo é COO & Chief Creative Officer da Publicis Brasil

Este artigo foi publicado na edição impressa de Nº 2489 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 17 de março de 2014.