A pecuária leiteira do Paraná é a que mais cresceu ao longo das últimas duas décadas, tanto em produção (litros produzidos) quanto em produtividade (litros por cabeça). Esse avanço fez com que o Estado saltasse para terceiro colocado em ambos os rankings nacionais em 21 anos, evidenciando a posição de destaque do setor. Hoje, a atividade está presente nos 399 municípios do Paraná e gera cerca de R$ 5,7 bilhões por ano no Valor Bruto de Produção (VBP).
De 1996 a 2017 (dados mais recentes disponíveis), a produção de leite no Estado decolou, com crescimento de 193%. Em números brutos, o Paraná saiu da casa dos 1,5 bilhão para os 4,4 bilhões de litros por ano. A produção paranaense fechou 2017 atrás apenas de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Enquanto os gaúchos estão à frente por uma pequena margem (menos de 100 milhões de litros a mais), os produtores mineiros atingiram a marca de 8,9 bilhões de litros, mas com um rebanho de vacas ordenhadas três vezes maior que o do Paraná.
O crescimento exponencial da produção no Estado está diretamente relacionado à produtividade do plantel, que mais que dobrou em duas décadas. A média produzida por vaca pulou de 1,4 mil para 3 mil litros por ano: aumento de 111%. Apenas Santa Catarina (3,5 mil litros por ano, por animal) e Rio Grande do Sul (3,2 mil litros) superam o Paraná em produtividade. Todos os dados foram coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), com base no rebanho geral.
Este cenário de expansão teve como propulsor o aspecto econômico. O técnico do Sistema FAEP/SENAR-PR Alexandre Lobo Blanco aponta que a melhor remuneração ao pecuarista pelo produto foi determinante para a ampliação dos investimentos, que resultaram em maior produção e mais produtividade.
“O principal e mais eficiente estímulo à produção foi o aumento dos preços pagos aos pecuaristas neste período. Com cenários de preços mais elevados, o produtor responde bem às tecnologias de curto prazo para o aumento da produção, em especial, melhorias nutricionais e na composição de rebanho”, valia. 4,4 bilhões de litros foram produzidos pelo Paraná em 2017, correspondente a 15% da produção brasileira.
Genética e tecnologia
O presidente da Comissão Técnica da Bovinocultura de Leite da FAEP, Ronei Volpi, destaca que, entre a série de fatores que contribuiu para a escalada da atividade, estão elementos como o melhoramento genético de matrizes, a participação de cooperativas, a presença forte de pesquisas em universidades e particularidades do Estado como clima e solos favoráveis, além de laticínios em todas as regiões.
“O que faz a atividade leiteira crescer no Paraná é uma soma de fatores, com destaque para a cultura de sua gente rural, fundamentada preponderantemente na pequena propriedade, alicerçada em tradicionais valores de cooperação e na intimidade com o ofício de produzir leite, herdada dos imigrantes europeus”, aponta Volpi. “Neste aspecto, as capacitações oferecidas pelo SENAR-PR ao longo dos mais de 25 anos tiveram papel fundamental na consolidação do status da produção leiteira do Paraná”, acrescenta.
Dados publicados pela Associação Paranaense de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa (APCBRH) em parceria com a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) atestam o progresso genético das vacas em rebanhos especializados. Hoje, entre 35% e 40% dos animais que compõem o rebanho paranaense são inseminadas artificialmente. No Brasil, este índice é de apenas 11%.
“Desde 2009, tem havido a expansão da inseminação artificial a partir de touros genômicos, o que fez com que os produtores chegassem a touros provados positivamente para componentes de leite, como gordura e proteína. Antigamente, resultados que demoravam mais de seis anos para aparecer, agora se consegue de uma geração para a outra”, explica o superintendente da APCBRH, Altair Antonio Valloto. “Na era genômica, o pecuarista consegue, praticamente, moldar o rebanho”, resume.
O resultado deste investimento pode ser visto ano a ano. O rebanho que tem o desempenho analisado pela APCBRH passou de 21,7 mil animais em 2008, para 45,7 mil vacas no ano passado. Os dados mostram que a produtividade média dos animais saltou de 27 litros por dia em 2015 para quase 29,5 litros por dia no ano passado. Os indicadores de gordura e proteína no leite também avançaram. “Os resultados são muito bons, muito expressivos”, destaca Valotto.
Outro ponto é que, segundo o superintendente da APCBRH, as técnicas de melhoramento genético e inseminação artificial estão cada vez mais acessíveis. “É um fator que está se popularizando. O SENAR-PR tem um programa de treinamento muito forte nessa área de melhoramento genético, o que tem contribuído muito com a especialização do rebanho do Estado”, diz Valloto.
Ainda, o fato da produção leiteira do Paraná ser estável, praticamente sem variações sazonais na captação entre os períodos de inverno e de verão, o que está diretamente relacionada à força dos grandes produtores, colabora para o desenvolvimento da cadeia. “A superação dessa sazonalidade na produção está associada ao desempenho apresentado pelos maiores produtores. Estes mantêm praticamente constante a oferta do produto durante todo o ano”, observa o técnico Guilherme Dias, do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Capital Nacional do Leite
Se a atividade evoluiu tanto no Paraná ao longo dos últimos 20 anos, a ponto de o Estado ter se tornado referência nacional, nada melhor que uma capital para figurar como símbolo dessa excelência. E é oficial: desde dezembro de 2017, Castro, na região dos Campos Gerais, é a “Capital Nacional do Leite”, reconhecida por lei federal. O município é o maior produtor do país, com um volume de 255 milhões de litros por ano. A produtividade média na cidade é de 7,4 mil litros de leite por cabeça por ano: 146% maior que a média estadual.
Um dos exemplos do patamar de excelência a que a atividade chegou em duas décadas é o criador Roelof Rabbers, com propriedade em Castro. O pecuarista começou a se dedicar a atividade leiteira há 25 anos, com três animais. Hoje, o rebanho é de 297 animais. O avanço é geral, impulsionado por investimentos em manejo, aspectos nutricionais e em genética.
“No início, tirávamos leite no balde, ao pé, e a entrega de leite era feita em latões à cooperativa Castrolanda. Atualmente, temos uma sala de ordenha com seis conjuntos semi-automatizados, com programa de gerenciamento de ordenha e dois tanques de 4 mil litros”, exemplifica Rabbers.
A partir da modernização em etapas da produção, o pecuarista observou o crescimento da produção. Em 2005, Rabbers criou um método de acompanhamento por meio de planilhas, que contêm informações sobre lactações acumuladas. Os dados apontam que, em três lactações (em sua vida produtiva), a produtividade média saltou de 24 mil litros para mais de 31,7 mil litros por animal.
“A evolução genética está muito acelerada, com maior oferta de touros genômicos nos últimos quatro anos. Sem dúvida, teremos avanços significativos nos próximos anos”, observa o pecuarista, uma referência estadual e nacional.
Representatividade
A importância da pecuária leiteira para o Estado vai além. Com participação bastante expressiva, o Paraná responde por cerca de 15% da produção brasileira que, em 2017, fechou em 33 bilhões de litros. Neste sentido, os três Estados da região Sul merecem destaque: juntos, são responsáveis por 37,7% do leite do país, ultrapassando a antiga líder, a região Sudeste, e também Argentina e o Uruguai juntos.
O leite também tem um peso significativo à economia do Paraná, gerando mais de R$ 5,7 bilhões (em dados de 2017, os mais recentes). Com isso, a atividade representa 6,6% do Valor Bruto da Produção (VPB) do Paraná. A produção de leite só fica atrás da de soja (que rendeu R$ 20,3 bilhões), frango de corte (R$ 13 bilhões) e de milho (R$ 6,6 bilhões) – conforme levantamento do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento (Seab) do Paraná.
Novo cenário
Apesar da consolidação do setor ao longo das duas últimas décadas, a pecuária leiteira deve apresentar uma pequena redução, quando forem apresentados os dados consolidados de 2018. Segundo os técnicos do Sistema FAEP/SENAR-PR, a partir de 2016, a atividade sofreu uma desaceleração, o que teve impacto direto na produção.
“O cenário foi de retração de preços médios e aumento de custos de produção, o que de certa forma tem segurado os novos investimentos em larga escala pelo produtor”, avalia Guilherme Dias. “Além disso, tivemos novas instruções normativas [INs 76, 77 e 78] que provocarão efeitos a partir de maio deste ano, com impacto no volume produzido no curto prazo”, acrescentaram.
Conseleite contribui para o avanço da atividade no Paraná
A consolidação da atividade leiteira no Paraná está, também, diretamente relacionada à criação do Conselho Paritário dos Produtores/Indústrias de Leite do Estado do Paraná (Conseleite), instituído em 2002. Idealizado com o objetivo de aproximar os elos da cadeia produtiva e mitigar relações conflitantes relacionadas ao preço do produto, a metodologia adotada ampliou a confiança mútua entre produtores e empresas, a partir da transparência nas políticas de formação de preços dos lácteos.
Para manter a isenção de todo o processo, o Conseleite contratou o Departamento de Economia Rural da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que, semanalmente, levanta os preços junto às indústrias e apresenta uma análise técnica, com a conjuntura do mercado e apontando perspectivas. A partir disso, em reuniões mensais com representantes das industrias e do setor produtivo, o Conseleite aprova, então, um valor de referência – aferido a partir da comercialização dos derivados por parte da indústria.
“Desde a criação, o Conseleite é uma referência e colabora para que os produtores e indústrias consigam projetar as tendências do setor. Inclusive, o trabalho é uma referência nacional e já foi copiado por outros Estados”, destaca Ronei Volpi, presidente da Comissão Técnica da Bovinocultura de Leite da FAEP.
A metodologia foi tão assertiva que Conseleites foram instalados nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul e, mais recentemente, em Minas Gerais, no ano passado.