Com uma pequena coleta de sangue é possível se tornar doador de medula óssea

O transplante de medula óssea é usado no tratamento de 80 doenças. Brasil possui terceiro maior banco de doadores do mundo

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Atualizado há 4 anos

Foi durante uma doação de sangue que a Advogada Bruna Libardi, de União da Vitória, foi convidada a ser também uma doadora de medula óssea. Para isso, era necessário passar por um processo simples: preencher uma ficha com informações pessoais e ter 10ml de seu sangue coletado para análise. Em 09 de abril de 2012 Bruna completou esse processo e passou a fazer parte do banco de doadores do Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome).

Criado em 1993 e coordenado desde 1998 pelo Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), o Redome é um órgão pertencente ao Ministério da Saúde. Com 5,3 milhões de possíveis doadores registrados, é o maior banco do mundo mantido por financiamento público, e o terceiro maior sem que se faça a distinção da forma de financiamento, ficando atrás do banco da Alemanha, que possui cerca de 6,2 milhões de inscritos, e o dos Estados Unidos, com cerca de 7,9 milhões. Esses dois são mantidos, primordialmente, com recursos privados.

Uma pessoa que necessite do transplante de medula óssea pode conseguir a doação de duas formas: a primeira é aquela vinda do chamado doador ideal, ou seja, um parente direto do paciente (pai, mãe ou irmão). Porém, as chances de parentes serem compatíveis é de 25%. Não havendo essa possibilidade, é necessário buscar um doador não-aparentado. E é nesses casos que o Redome atua, cruzando informações disponíveis em seu banco de dados com as informações daqueles que estão na fila para um transplante, buscando encontrar doadores que possam ser compatíveis. Segundo o Redome, a chance de se identificar um doador compatível, no Brasil, na fase preliminar da busca é de até 88%, e ao final do processo, 64% dos pacientes têm um doador compatível confirmado. Por isso é importante que haja um grande número de doadores cadastrados. Atualmente, no mundo existem cerca de 33 milhões de doadores.


Uma em um milhão

Bruna realiza coleta de sangue para saber se é compatível com paciente dos EUA (Arquivo Pessoal)

Em uma tarde de sexta-feira, exatamente nove anos após ter feito sua inscrição no Redome, Bruna recebeu o recado de que a instituição havia telefonado para informar que sua medula era compatível com um paciente que esperava pela doação. Como as chances de compatibilidade são baixas, a advogada chegou a duvidar da veracidade do telefone.

“A secretária me deu o recado, e eu vi aquele número do Rio de Janeiro e achei que poderia ser trote”, comenta.

Intrigada, entrou em contato com o Hemocrentro de União da Vitória. E, então, veio a confirmação.

Logo após descobrir que a ligação era verdadeira, Bruna entrou em contato com o Redome. A atendente confirmou se Bruna era doadora voluntária e perguntou se a advogada gostaria de continuar o processo.

“Eu, prontamente, sem saber de nenhuma informação, disse que sim.  Eu pensei ‘meu Deus, como eu falaria que não?  pode ser a chance de alguém viver, e eu não tenho o direito de tirar essa chance’. Meu pensamento é que um dia, talvez, um familiar meu, meu filho, meus irmãos, meus pais, poderiam precisar, e se o doador falasse não?”, explica.

Bruna Libardi (Arquivo Pessoal)

Depois do aceite, o cadastro de Bruna foi atualizado. No dia 19 de abril deste ano foi feita a coleta de seu sangue para a realização de exames que irão determinar se realmente existe a compatibilidade. Ainda no dia da coleta, mais uma surpresa: o paciente com probabilidade de compatibilidade reside na Califórnia, nos Estados Unidos. Segundo Bruna, as chances de um brasileiro doar medula óssea para um paciente internacional são raras.

“Uma coisa curiosa que a assistente social me falou é que a possibilidade de compatibilidade de paciente nacional para nacional é de uma em 100 mil, já a de compatibilidade internacional é de uma em um milhão”.

Agora, é necessário aguardar o resultado dos exames de histocompatibilidade (HLA) para saber se Bruna poderá realizar a doação. Segundo o Redome, a compatibilidade é determinada por um conjunto de genes localizados no cromossomo 6. Para haver o transplante, a combinação de genes do doador e do paciente deve ser idêntica (100%), ou muito próxima do ideal (90%). Essa alta taxa de compatibilidade é exigida para que o corpo do paciente não rejeite a medula.

Caso haja a compatibilidade, o processo de doação poderá ocorrer de duas formas. A primeira é feita por meio de procedimento cirúrgico, sob anestesia. Neste caso, são realizadas de quatro a oito punções com agulhas nos ossos da bacia para que parte da medula seja aspirada. O processo dura cerca de 90 minutos, e o doador recebe alta no dia seguinte. O segundo método é chamado de coleta por aférese. Nele, o doador faz o uso de um medicamento, durante cinco dias, para aumentar o número de células-tronco circulares em seu sangue. Após, é feita a doação com a utilização de uma máquina de aférese, que colhe o sangue da veia do doador, separando as células-tronco e devolvendo ao doador os elementos que não são necessários para o paciente que receberá a medula. Neste caso não há a necessidade de internação ou de anestesia. A decisão sobre o tipo de doação é exclusiva dos médicos. Em caso de confirmação de compatibilidade, todo o processo de doação é custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Bruna relata que o Redome mantém contato regularmente, via e-mail, para deixá-la informada sobre o processo. Também reforçam a possibilidade de a advogada estar disponível nos próximos seis meses caso precise viajar às pressas.

“A assistente social inclusive já perguntou se eu tenho experiência com o inglês, ou se algum acompanhante tem”, relata.


Uma nova chance

A doação de medula óssea é um procedimento relativamente simples, mas que pode ser crucial no tratamento de portadores de cerca de 80 doenças, sendo as principais delas leucemias originárias das células de medula óssea, linfomas, doenças do sistema imune, dos gânglios e do baço e também de anemias graves.

A fisioterapeuta Anna Carolina Rhinow, descobriu que era portadora de câncer há cerca de 13 anos. Entre os tratamentos, chegou a ser indicada para o transplante de medula óssea, mas, por responder bem à quimioterapia, não precisou passar pelo procedimento.

“Minha médica considera essa uma carta na manga’, comenta.

Ana Carolina Rhinow (Arquivo Pessoal)

Porém, mesmo sem ter passado pelo transplante, enquanto tratava seu câncer, Anna pôde sentir como é a busca por um doador. Durante esse processo, conheceu mais quatro pessoas que, assim como ela, estavam lutando contra um câncer. Desse encontro surgiu uma parceria e a criação do Instituto A União Traz a Cura, que tem como objetivo conscientizar e desmistificar o processo de doação.

Lançamento do Instituto A União traz a Cura (Arquivo Pessoal)

“O Instituto surgiu da união de cinco campanhas pessoais que buscavam doadores de sangue e medula óssea. Eu conheci quatro amigos que estavam lutando contra o segundo câncer como eu. Alguns já estavam na luta contra o terceiro. Nós percebemos que podíamos ajudar outros pacientes mesmo depois da gente conseguir nossa cura. Então, nos unimos e fundamos o instituto A União Traz a Cura, que acredita que se todo mundo se unir, conseguimos trazer a cura para muitos guerreiros que precisam de um doador compatível. No instituto ajudamos pacientes que precisem de apoio em campanhas e até tratamentos específicos. Damos palestras e realizarmos eventos em prol de doação”, explica.

Para Anna, o transplante é “uma nova chance de cura e vida nova”.

Ana Carolina Rhinow (Arquivo Pessoal

Panorama

 No Vale do Iguaçu, segundo dados do Redome, existem 5.272 doares de medula óssea, sendo 3.494 em União da Vitória e 1.778 em Porto União. Em números absolutos, o município paranaense é o 26º com maior número de doadores no estado. O catarinense é o 20º.

Os municípios que formam a Associação dos Municípios Sul Paranaense (Amsulpar) possuem, juntos, 6.086 doadores, o que representa 1,10% do total de inscritos no Redome no Estado do Paraná, que é de pouco mais de 550 mil. União da Vitória é o município da região com maior número de doadores (3.494), seguido por São Mateus do Sul (1.110), Bituruna (414), Cruz Machado (345), General Carneiro (211), Paula Freitas (150), Porto Vitória (140), Paulo Frontin (113) e Antônio Olínto (109).

A região da Associação dos Municípios do Planalto Norte Catarinense (Amplanorte) é formada por dez cidades que, em conjunto, possuem 6.483 inscritos do Redome, o que significa 3,10% do total de doadores disponíveis no Estado de Santa Catarina, que é de algo em torno de 208 mil. Canoinhas é o município do grupo com maior número de doadores (2.086), seguida por Porto União (1.778), Mafra (1.345), Itaiópolis (387), Três Barras (249), Irineópolis (217), Papanduva (200), Bela Vista do Toldo (138), Major Vieira (43) e Monte Castelo (40).

Segundo o Redome, uma vez que o doador registra seus dados e tem seu sangue coletado para análise, passa a integrar o banco até completar a idade de 60 anos, sem necessidade de novas coletas para manter seu cadastro. É preciso, apenas, manter as informações cadastrais atualizadas para que, caso seja identificada a compatibilidade com um paciente, o doador possa ser contatado. A atualização pode ser feita no hemocentro de cadastro ou pelo site redome.inca.gov.br. A idade mínima para se inscrever no Redome é de 18 anos e a máxima é de 55.


Oportunidade de salvar vidas

 Tanto Bruna quanto Anna veem no gesto de doar medula óssea uma oportunidade de salvar vidas. Bruna acredita que o medo faz parte do ser humano, mas que saber que fez a diferença na recuperação de outra pessoa pode ser algo incrível.

“Existe dor no processo? Sim, mas nada comparado a alegria de ser o anjo salvador de alguém. Eu li uma mensagem na publicação que fiz no Facebook sobre a doação e eu achei muito legal. Dizia ‘a palavra convence, mas o gesto arrasta”. Espero que meu relato possa incentivar outras pessoas a fazer o cadastro para a doação de medula óssea”.

Anna pede para que as pessoas busquem informação sobre o tema, e que, se desejarem ser doares, não esperem para procurar um hemocentro.

“Às vezes deixamos para depois algo tão importante como salvar uma vida. Muitos guerreiros não tem esse tempo para esperar. Pesquise, leia relatos, conte para os outros sobre o processo e ajude a tantos que precisam e dependem da tua escolha para viver”.