Há os que me chamam de caipira, por torcer pra um “time de fora”. Afinal, sendo um guri do interior – com arrasto no último erre – radicado em Curitiba, devia ter adotado um clube da capital. Mas não aconteceu assim. Meu pai e eu somos corinthianos, como meu avô foi. Foi e talvez continue sendo, em algum lugar que não cá entre nós. Quem sabe? Sei que de time ele não mudaria.
Toda essa coisa de Corinthians começou com meu avô. Ele era caminhoneiro e, em suas viagens a Santos, aproveitava enquanto a carreta estava sendo carregada no porto para dar um pulo em São Paulo e assistir aos jogos do Timão. Como ele dizia, no começo era só para matar tempo, mas depois passou a ser por gosto.
Quando meu pai nasceu, o hábito já era uma das paixões do meu avô. Sempre que dava, meu pai viajava junto para ver o Corinthians em campo. Se não dava, acompanhava os jogos por rádio ou televisão. Quanto a mim, discrepância seria se nascesse tricolor, alviverde ou qualquer coisa que o valha. Mas como era de se esperar, vim ao mundo corinthiano, literalmente roxo.
O clima era uma mistura de preguiça pós-almoço e ansiedade. Com o ventilador ligado e um sofá para se esparramar, parecia ser só mais um domingo quente. E teria sido, se não fosse dia de semifinal de Paulistão. Eu – com uns sete anos – meu pai e meu avô estávamos reunidos na sala de tevê. O silêncio reinava enquanto na telinha se anunciava a transmissão em definitivo do confronto entre Corinthians e Santos. Independente das escalações, vozes a cantar o hino e observações de praxe, o jogo poderia ser um só: aquele que pega fogo. Vovó ainda servia a sobremesa quando a bola rolou pela primeira vez.
Nem um minuto, nem um sequer, o jogo esteve frio. Depois de um pênalti perdido por cada equipe, o primeiro tempo terminou empatado em um tento a um. Os nervos estavam à flor da pele: o empate classificava o Santos. Minha avó, que nunca fora de futebol, insistia que o que vale é competir. Há. Tentou me empurrar mais um pedaço de pudim de leite que refuguei. O segundo tempo ia começar.
Uma explosão. Lembro do meu pai repetindo “é agora” em sussurro, enquanto o narrador cantava a jogada. E foi. Depois de um segundo tempo inteiro dominado pelo Timão, o empate persistia e a situação se tornava dramática. Faltando menos de um minuto para o fim da partida. Gil puxou a jogada pela esquerda, até a linha de fundo. Passou por André Luiz e passou a pelota para trás, em direção a Marcelinho Carioca. O “Pé de Anjo” fez que ia e deixou passar entre suas pernas. Ricardinho, da entrada da área, sentou a canhota: bola corinthiana na rede. Explosão. Meu pai corria comigo no colo pela sala. Estávamos na final.
Fomos campeões naquele ano, mas a final nem assisti. Não lembro de todos os jogos do Corinthians, mas daquela semifinal eu não esqueço. Nem eu, nem meu pai. Meu avô também não esqueceu, sei que não. Em algum lugar que não cá entre nós, de camisa vestida e escudo no peito, continua corinthiano.