Sim, crianças podem ter ao mesmo tempo o sobrenome do pai biológico e do padrasto, ou madrasta, dependendo do contexto. O estabelecimento de vínculo do filho com mais de um pai ou com mais de uma mãe, apresenta-se como solução ao novo impasse trazido pelas contemporâneas relações familiares. Com a aplicação da multiplicidade de vínculos, nenhum dos pais será excluído da relação familiar, o que, em muitos casos, vem em benefício do filho.
A multiparentalidade pode ser simultânea, quando ambos os pais (ou mães) exercem de fato a função que lhes cabe ou, ainda, temporal, quando um dos genitores faleceu e, no entanto, alguém assumiu o papel de pai ou de mãe, tornando-se referência para a criança ou adolescente.
Conforme o dispositivo, reconhecido pelo STF e com jurisprudência, a multiparentalidade gera todos os efeitos da filiação para os envolvidos e, por isso, somente deve ser estabelecida quando, de fato, ela estiver presente para os filhos, pois o principal vetor observado na resolução dos conflitos acerca de causas dessa natureza é o do melhor interesse da criança.
Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva
Entende-se que a parentalidade socioafetiva é caracterizada quando pessoas, que não possuem vínculo biológico, constroem uma relação marcada por laços de afeto mútuo, com o fim de formar uma família. Por exemplo, um homem que considera o filho da sua atual companheira (que foi registrado apenas por ela) como se seu filho fosse reforçando essa consideração na relação de afeto e respeito mútuo, pode ter esse vínculo reconhecido juridicamente. Nesse caso fica a criança com a lacuna do pai biológico preenchida por seu pai afetivo.
Já a multiparentalidade é a duplicidade de pai ou mãe na certidão de nascimento da criança. Nesse caso, a criança que tem um pai registrado, passa a ganhar outro pela relação de afeto construída entre eles. Dessa forma, a certidão de nascimento constará uma dupla paternidade: a biológica que já existia e agora, também a afetiva.
Levando-se em consideração situações como essas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do provimento nº 63/2017, fez incorporar no ordenamento jurídico brasileiro regras para o reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva, sem prejuízo da paternidade biológica (multiparentalidade).
Efeitos do reconhecimento da Multiparentalidade
Por conceito, a multiparentalidade significa a legitimação da paternidade ou maternidade do padrasto ou madrasta que ama, cria e cuida de seu enteado como se seu filho fosse, enquanto que ao mesmo tempo o enteado o ama e o tem como pai/mãe, sem que para isso, se desconsidere o pai ou mãe biológicos.
A proposta é a inclusão no registro de nascimento do pai ou mãe socioafetivo permanecendo o nome de ambos os pais biológicos.
A multiparentalidade é uma forma de reconhecer no campo jurídico o que ocorre no mundo dos fatos.
Afirma a existência do direito a convivência familiar que a criança e o adolescente exercem por meio da paternidade biológica em conjunto com a paternidade socioafetiva.
Parentesco
Embora haja constante menção somente à “paternidade” ou “maternidade” socioafetiva, a criação do vínculo se estende aos demais graus e linhas de parentesco, passando a produzir todos os efeitos patrimoniais e jurídicos pertinentes, englobando toda a cadeia familiar. Assim, o filho teria parentesco em linhas retas e colateral (enfatizando que apenas até o quarto grau) com a família do pai/mãe afetivo e pai/mãe biológicos, fazendo valer todas as disposições expressas em lei quanto ao direito de família – incluindo, por exemplo, impedimentos matrimoniais e sucessórios.
No nome
Conforme entendimento universal na doutrina e na jurisprudência, o direito do uso do nome do pai pelo filho é direito fundamental e não pode ser vedado. Esse direito é decorrente do Princípio da Dignidade Humana, o qual está alçado a Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III.
Na obrigação alimentar
A obrigação alimentar gerada pelo reconhecimento da multiparentalidade é a mesma já aceita e utilizada no caso biparentalidade, ou seja, é aplicada tanto ao pai biológico quanto ao pai afetivo, observando o disposto no artigo 1.696, do Código Civil. Já o artigo 1.696, esclarece que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Guarda de filho menor
Em tese, juridicamente não há dificuldades em resolver o problema da guarda de filhos, ainda que seja reconhecida e aceita a multiparentalidade. O Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, caput, e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Neste caso, é imprescindível analisar caso a caso, observando sempre o princípio do melhor interesse da criança. No caso em que a criança é considerada suficientemente madura, os Tribunais tendem a considerar sua preferência, desde que consoante com o princípio supramencionado.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina proferiu sentença, acerca de caso de disputa de guarda de menor entre pai afetivo e o pai biológico, no qual prevaleceu a guarda para o primeiro.