Brasil fecha temporada com excesso de jogos, adiamentos e desgaste de atletas

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Atualizado há 3 anos

Athletico-PR e Atlético-MG fizeram nesta quarta-feira, dia 15 de dezembro, a última partida oficial de 2021 do futebol brasileiro. Singular pelas suas peculiaridades, o ano fica marcado pelo número excessivo de partidas no País, acossado pela pandemia de covid-19, que espremeu o calendário e fez a temporada 2020 se encerrar apenas em março deste ano, bagunçando ainda mais a já criticada tabela esportiva.

O Palmeiras terminou 2021 com dois títulos da Copa Libertadores (2020 e 2021), um da Copa do Brasil e 91 partidas jogadas. Sem contar os acréscimos, são 8.190 minutos em campo. Foi a equipe que mais vezes entrou em campo, seguida por Athletico-PR e Flamengo, presentes em 87 confrontos. Jogar mais vezes implica em descansar menos e se recuperar rapidamente em curtos períodos de tempo. O desgaste provoca mais contusões. O Flamengo, por exemplo, sofreu com as lesões musculares, com mais de 50 casos em seu elenco durante a temporada.

Na sequência dos clubes que mais atuaram aparecem Atlético-MG e Grêmio, ambos com 86 jogos. Bahia e Santos fizeram 84. Atlético Goianiense (83), Ceará (82) e São Paulo (81) completam a lista das dez equipes que mais compromissos tiveram em 2021, levando em conta também partidas da temporada 2020 que foram empurradas e aconteceram neste ano. Os números são oficiais. A lei diz que uma nova partida de um time deve ser disputada depois de 72 horas, no mínimo, da última apresentação. Especialistas entendem que esse número de horas serve para a recuperação muscular do atleta.

O São Paulo também sofreu com o calendário. Em agosto, o time já tinha contabilizado 29 casos de lesões musculares em 37 partidas disputadas. Registrava 1,3 contusão por jogo. Alguns atletas tinham ficado fora do time mais de uma vez por esse motivo, como o atacante Luciano.

Parte desses clubes pagou pelo seu sucesso ao alcançar as fases finais dos torneios do ano e teve de conviver com uma maratona extenuante de compromissos. Em alguns casos, com competições disputadas simultaneamente, os jogos foram realizados a cada 48 horas. A temporada que terminou nesta quarta não foi tão acidentada quanto à anterior, com menos casos de covid-19 entre os atletas, mas alguns estaduais chegaram a ser paralisados diante do recrudescimento da pandemia, entre março e abril, e isso fez com que houvesse remarcação de confrontos.

As reclamações, especialmente dos técnicos, foram intensas. Abel Ferreira falou que o que se faz no Brasil é “insano”. Renato Gaúcho, quando estava no Flamengo, disse que, sem o tempo suficiente para treinar, não era possível encontrar o melhor entrosamento do time. E Cuca contestou adiamentos de jogos. No Brasil, ao contrário do que ocorre na Europa, as disputas não param nas Datas Fifa, o que fez o técnico Tite, em algumas ocasiões, abrir mão de convocar atletas importantes de clubes brasileiros.

Assim que a pandemia paralisou o futebol mundial em 2020, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, disse que o momento era propício para uma reforma global da modalidade. No Brasil existe há anos uma discussão sobre modificar o calendário e reduzir o número de compromissos das equipes.

No centro dos debates estão sempre os Estaduais, que não têm mais o mesmo prestígio de antes, mas são importantes esportivamente e financeiramente para os times menores. Há quem defenda o retorno do sistema de mata-mata no Brasileirão e a equiparação do calendário brasileiro ao europeu. O Campeonato Brasileiro, vale dizer, dura cerca de seis meses, enquanto as ligas europeias se estendem por nove meses. Essas possibilidades, no entanto, estão descartadas pela CBF no momento. A entidade apresentou o cronograma para 2022 e o caos continua. Há muitas datas de Estaduais, os torneios vão seguir durante as Datas Fifa e os clubes continuarão prejudicados quando tiveram atletas convocados para as seleções. No ano que vem, a Copa do Mundo será realizada em novembro pela primeira vez em sua história.

A sequência desgastante pode ocasionar lesões, impede que o atleta jogue na plenitude de suas condições físicas e impacta negativamente na qualidade das partidas, avaliam preparadores físicos e fisiologistas.

“Inevitavelmente, nossos atletas jogam fatigados. Isso impacta na qualidade do jogo e aumenta a incidência de lesões, traumáticas e não traumáticas, que são relacionadas aos aspectos da imprevisibilidade do jogo”, diz ao Estadão Daniel Gonçalves, coordenador científico do Palmeiras. “Se o atleta não estiver tão recuperado fica mais sujeito a choques”, acrescenta.

“O que acontece ao longo do tempo é que gradativamente o organismo vai perdendo condição. Enfraquece, perde força, velocidade, resistência e aumenta o risco de lesões. O organismo entra num estado de fadiga crônica. No início é pouco, mas depois de 10 ou 11 meses o estado total do organismo está muito debilitado”, explica Paulo Zogaib, fisiologista do Palmeiras de 1991 a 2014 e especialista em medicina esportiva.

A Fifa determina 72 horas como o tempo de intervalo entre as partidas. Em 2020, o período entre um duelo e outro foi reduzido para 48 horas como medida de exceção para acomodar as datas do Brasileirão daquele ano no apertado calendário, impactado pela pandemia. Em 2021, voltou a valer a regra de 66 horas como período mínimo entre os confrontos. Essa norma consta do artigo 25 do Regulamento Geral das Competições da CBF.

“No contexto do desempenho, só existe uma coisa quanto o treinamento: a recuperação”, enfatiza Luis Felipe Polito, doutor em Treinamento Esportivo. “O problema não está única e simplesmente nas lesões. Se há mais jogos, menos tempo sobra para o treino. Talvez por isso que vemos uma diferença de qualidade técnica absurda em uma partida do futebol brasileiro e da Inglaterra”, avalia Polito, que trabalhou em clubes como São Paulo e Oeste. Para se ter uma ideia, o Manchester City, time que mais vezes atuou em 2021 entre as equipes das principais ligas europeias, terminará o ano com 67 partidas.

Segundo os fisiologistas, um atleta que joga os 90 minutos de uma partida leva de 72h a 96h para se recuperar adequadamente. “É claro que isso é extremamente variável. Depende das características e hábitos de cada atleta, de quanto é o desgaste em cada partida”, ressalta Zogaib. Fisiologista do Palmeiras durante 24 anos, ele hoje é professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp.

Os treinamentos regulares melhoram a condição física do jogador porque o organismo, explica Zogaib, alcança a “supercompensação”, ficando melhor do que antes da atividade física. Mas isso não é possível sem um período de descanso adequado.

“Quando o atleta treina e joga demais não é possível fazer essa supercompensação. Não dá tempo de se recuperar completamente se ele tem de treinar e jogar de novo em intervalos próximos. Aí fica um déficit pequeno. A massa muscular e os estoques de combustível, entre outros, vão piorando em vez de melhorar”, diz o médico do esporte. Os profissionais que cuidam da parte física dos jogadores entendem que os clubes não devem jogar mais do que 70 partidas em um ano.

Os problemas provocados pela maratona de jogos têm sido atenuados pelos recursos tecnológicos de que os clubes dispõem que ajudam os profissionais a monitorar periodicamente a saúde dos atletas e, com isso, prevenir lesões. Também foi importante nesse contexto a ampliação de três para cinco substituições no futebol brasileiro e sul-americano.

“Assim, conseguimos identificar os atletas com fadiga e elaborar trabalhos individualizados para recuperá-los”, afirma Daniel Gonçalves. O coordenador científico do Palmeiras e outros profissionais trabalharam para deixar todo o elenco à disposição de Abel Ferreira na final da Libertadores e isso foi fundamental para a conquista continental.

Confira a quantidade de partidas dos clubes da Série A em 2021:

Palmeiras – 91 jogos
Athletico-PR – 87
Flamengo – 87
Atlético-MG – 86
Grêmio – 86
Bahia – 84
Santos – 84
Atlético Goianiense – 83
Ceará – 82
São Paulo – 81
Fluminense – 80
Red Bull Bragantino – 80
Fortaleza – 78
Internacional – 74
Corinthians – 73
Cuiabá – 73
Sport – 70
Chapecoense – 66
América-MG – 64
Juventude – 59