A empresária Leila Pereira mal tinha conseguido dormir quando atendeu a reportagem do Estadão na manhã da última quarta-feira. Poucas horas antes, o Palmeiras havia conseguido a classificação para a final da Copa Libertadores e a adrenalina ainda estava alta. Conselheira e presidente da Crefisa, principal patrocinadora do clube, ela misturava a euforia com a ansiedade do que está por vir neste ano.
Em fevereiro, ela se candidata novamente ao cargo de membro do Conselho Deliberativo. Se conseguir a reeleição, poderá se candidatar à presidência do clube no final do ano. A possibilidade de concorrer existe, embora Leila evite comentar. “Hoje eu não posso ser candidata”, disse. Pouco antes disso, no fim de janeiro, o clube disputa a final da Libertadores, um título considerado obsessão pela diretoria e torcida.
Durante quase uma hora de conversa com a reportagem, Leila comentou sobre o ciclo vitorioso do Palmeiras e comparou o período atual à era da cogestão com a Parmalat (de 1992 a 2000). A empresária que investe por ano mais de R$ 80 milhões no clube em patrocínio master explicou também a situação da dívida na qual o clube tem de devolver à Crefisa o aporte feito nas contratações de reforços. Segundo o último balanço do Palmeiras, publicado em abril de 2020, o valor era de R$ 170 milhões. Confira alguns trechos da entrevista:
A Crefisa se tornou patrocinadora do Palmeiras em 2015. Como gostaria que essa parceria seja lembrada no futuro?
Luto para daqui a 50 anos as pessoas se lembrem da Crefisa como se lembram da era fabulosa da Parmalat. Acho lindo essa comparação. A era Parmalat foi vitoriosa. Gostaria que a Crefisa fosse lembrada pelos títulos e por ter à frente uma mulher que lutou com unhas e dentes pelas vitórias do clube. Quero que esse período fique imortalizado e que minha pessoa também fique marcada. A Libertadores é uma obsessão e é o que falta para o clube consolidar uma nova era. Se Deus quiser, dia 30 vamos fazer a história do clube cada vez mais brilhante. Nós já ajudamos o Palmeiras a ganhar a Copa do Brasil, o Campeonato Paulista e dois Campeonatos Brasileiros.
O título seria o ápice dessa parceria?
Seria o ápice. Libertadores é a nossa obsessão, mas não pararia por aí. Estou sempre com novos objetivos. Hoje, o objetivo é ganhar a Libertadores. Com o investimento feito e o trabalho desempenhado, tudo isso está perto.
Um dia a parceria vai chegar ao fim. Certamente alguns clubes vão se interessar pelo apoio de vocês, não?
Nós já fomos procurados por todos os clubes, grandes e médios. Se um dia eu sair do Palmeiras, também vou sair do futebol e não patrocinar mais clube algum. Eu sou palmeirense e não teria coragem de estampar minhas marcas em outra camisa. Se não estiver no Palmeiras, não estarei em clube algum. Sempre fui procurada respeitosamente e recusei.
Como está a campanha para ser reeleita conselheira?
Neste mês estou dedicada à reeleição no dia 6 de fevereiro. Isso é importante para dar continuidade ao trabalho que estamos desempenhando. Como conselheira, posso ajudar politicamente. Além de ser patrocinadora, parceira do Palmeiras, eu participo muito no clube social e pelo torcedor. Com as nossas empresas, fazemos diversos eventos dentro do clube social. Nunca houve um conselheiro e patrocinador que fizesse 5% do que faço.
O quanto a presença do time na final da Libertadores te ajuda na eleição?
Futebol é investimento. Só se tem os melhores jogadores se contar com recursos. O Palmeiras como protagonista, disputando título, ajuda não só a minha candidatura, mas ajuda em tudo. O torcedor fica mais animado, aumenta nossa visibilidade de marca, as pessoas ficam mais animadas em votar na Leila. Desde 2015 começamos esse protagonismo. Não existe mágica, nada é por acaso.
Vai ser candidata à presidência no fim deste ano?
Eu tenho foco e objetivos. O meu objetivo hoje é ser reeleita conselheira em 6 de fevereiro. Hoje eu não posso ser candidata à presidência. Para ser candidata, eu preciso ser reeleita conselheira. Depois do dia 6 eu volto a conversar com você. Não gosto de cantar vitória antes da hora. O jogo com o River é exemplo disso.
A Crefisa não reduziu o patrocínio mesmo durante a pandemia. Como isso foi possível?
A Crefisa é uma empresa com 57 anos de mercado. Atuamos 100% com capital próprio. Quando começou a pandemia, pela nossa empresa ser sólida, consegui honrar todos os meus compromissos. Vendo que o Palmeiras perdia bilheteria, diminuiu sócio-torcedor e perdia cotas de televisão, eu avisei que o clube podia ficar tranquilo. Prometemos honrar rigorosamente nossos pagamentos. O valor que repasso ao Palmeiras não é um valor frio. Tem sentimento.
O Palmeiras tem pago a dívida para a Crefisa sobre o aporte em contratações?
Desde o início, sempre houve o compromisso com o clube que, quando o jogador fosse vendido, isso seria restituído. Isso não tem a ver com o patrocínio. É uma coisa separada. Houve uma autuação da Receita Federal por causa do contrato feito pelos advogados do Palmeiras. Fomos autuados e foi preciso alterar algumas nomenclaturas do contrato. Mas o compromisso de devolver esse dinheiro para a Crefisa sempre houve. Os jogadores estão sendo negociados e, conforme eles saem, o clube tem nos restituído. Sempre que um jogador sai, o clube tem um prazo de dois anos para devolver. Eu estou tranquila sobre isso. O ex-presidente (Paulo Nobre) emprestou para o Palmeiras e foi pago corretamente. Tenho certeza absoluta que o clube vai honrar com a Crefisa. Sem estresse, sem pressa.
(Nota da redação: o Estadão revelou em 2018 que a Crefisa foi multada pela Receita Federal e mudou o formato do contrato que regiam as aquisições de jogadores com recursos da empresa. Antes tipificadas como compra de propriedades de marketing, todas as operações tiveram de ser atualizadas para empréstimos, inclusive com a definição de taxas de juros para regular a devolução do valor)
Algumas contratações com seu aporte não deram certo, como Borja e o Guerra. Fica uma frustração?
Claro que sim. Eu sou patrocinadora e conselheira, mas também torcedora. Eu queria que dessem certo. O Borja é um grande atleta, espero que onde ele esteja possa ter sucesso. É um ativo do clube. É frustrante. O Guerra saiu no fim do ano. Essa dívida não é boa para o Palmeiras nem para a Crefisa. Dizer que foi uma boa para a Crefisa financeiramente é errado. Seria muito melhor para mim ter aplicado essa verba no meu negócio. A taxa que temos no empréstimo para o Palmeiras é muito baixa. Não é bom para ninguém. Mas estou tranquila com isso. O clube tem ativos, os jogadores estão lá. Assim que forem negociados, o valor será devolvido. Se não forem negociados, tem dois anos para pagar o valor.
O time de hoje tem bem menos jogadores trazidos com seu dinheiro. Isso te incomoda?
Não. Desde que o elenco seja protagonista e disputando títulos, é o que importa. Não interessa se o jogador teve ajuda minha ou não. Tudo o que acontece no Palmeiras tem um pouco de responsabilidade dos investimentos da Crefisa. Não fosse por isso, não estaríamos tão fortes como estamos hoje. Não é bom para o Palmeiras que a Crefisa fique fazendo empréstimos. O Palmeiras tem de caminhar com as próprias pernas e recursos, não com empréstimos.
Você é uma das poucas mulheres que atuam no futebol. Considera que seu trabalho pode servir de inspiração?
Eu acho que posso ser um exemplo, sim. Mas nunca me envolvi nesses posicionamentos de empoderamento da mulher. Eu não gosto disso. Eu acho que a pessoa tem de se sobressair pela sua capacidade, independentemente de gênero. Eu nunca me senti privilegiada ou desprivilegiada por ser mulher. Eu luto como um ser humano. Eu detesto esse termo: “Empoderamento da mulher”. Eu acho que a gente tem de lutar pelos nossos objetivos. Nunca me senti diminuída porque o futebol é um ambiente masculino. Só tem homem porque as mulheres não tiveram a energia suficiente para chegar onde queriam. Eu fui lutando pelo meu espaço. Acho engraçado que as mulheres querem ser independentes, mas se casam e colocam o nome do marido. Isso diminui um pouco a mulher.
Mas para conquistar espaço no Palmeiras você bateu frente com figuras importantes…(A empresária teve desavenças públicas com os ex-presidentes Mustafá Contursi e Paulo Nobre)
Eu nunca tiro o pé. É meu temperamento. As pessoas sentem um pouco de inveja de mim. Nós estamos lutando pelo objetivo de ajudar o Palmeiras. Então, todos deveriam estar na mesma linha. Você tem um patrocinador que está investindo e vão arrumar problema? Algumas pessoas querem ser mais protagonistas do que o clube, ao contrário de mim. Tem de acabar com essa prática de tirar proveito do clube. O Palmeiras é cheio de guetos, de pessoas que não querem perder espaço, tem resistência à profissionalização para não perder a boquinha. Mas isso é minoria. Algumas pessoas com quem tive um embate grande no clube, viram que não é possível brigar com quem só quer o melhor para o clube.
Você é sempre alvo de memes após os principais jogos do Palmeiras. Chegou a ficar ofendida alguma vez?
Os memes não me incomodam. Eu não ligo. Futebol é entretenimento.