Pesquisadores da Climate Policy Initiative ligados à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio), em parceria com o WWF-Brasil, fizeram um levantamento sobre o destino dado aos 1.154 autos de infração ambiental lavrados após o dia 8 de outubro de 2019, quando o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles mudou as regras do processo sancionador. A promessa era agilizar negociações com os alvos das multas. O efeito foi contrário: 98% dos casos estão paralisados.
A paralisia dos processos de multas ambientais, uma queixa feita há meses pelos fiscais do Ibama, agora ganha números para revelar a situação dramática das autuações aplicadas por irregularidades contra o meio ambiente.
As informações obtidas junto ao Ibama, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), referem-se a dados sobre as audiências de conciliação ambiental relativas a multas por desmatamento na Amazônia e aplicadas até maio deste ano, quando o pedido foi realizado.
Nem mesmo os casos mais graves de desmatamento registrados nos últimos 13 anos – antes da criação das audiências de conciliação – tiveram qualquer avanço. As 15 maiores autuações em área desmatada, que somam mais de 400 mil hectares de vegetação nativa destruída, e as dez maiores multas, que ultrapassam R$ 386 milhões em valores atualizados de dezembro de 2020, não resultaram em pagamento de qualquer valor.
As audiências de conciliação deveriam ter começado em outubro de 2019. No entanto, a instrução normativa regulamentando o novo procedimento administrativo federal só foi editada em janeiro de 2020 e os membros do Núcleo de Conciliação Ambiental só foram designados em setembro de 2020, ou seja, um ano após a entrada em vigor do decreto 9.760/2019. Na prática, as audiências só começaram a ocorrer no início de 2021.
Segundo os dados fornecidos pelo Ibama, foram lavrados 1.154 autos de infração por desmatamento ilegal na Amazônia entre 8 de outubro de 2019 e 6 de maio de 2021. Pouquíssimos autuados optam pela quitação da multa logo após a lavratura do auto de infração e apenas cinco encerraram antecipadamente o processo com o pagamento à vista da multa com desconto de 30%, como prevê o decreto.
Dos 1.149 autos de infração ainda em tramitação, um autuado renunciou expressamente à audiência de conciliação e apenas 15 se manifestaram a favor. Destes, 12 ainda não tinham data marcada para a sua realização. Apenas três já tinham sido realizadas até 26 de julho deste ano, sendo que nenhum dos autuados optou pelo encerramento do processo, seguindo para a fase contenciosa.
Do restante, aproximadamente 900 autos de infração, cuja soma das multas aplicadas passa de R$ 1 bilhão, tiveram os agendamentos automáticos suspensos, por causa da pandemia da covid-19. O Ibama teve que notificar todos os autuados para se manifestarem sobre o desejo de participar da audiência de conciliação em até 30 dias e, de acordo com o Ibama, esta é a maior dificuldade do órgão.
Para os cerca de 230 autos de infração remanescentes, a planilha fornecida pelo Ibama ou não tinha qualquer informação ou informava que o órgão aguardava a manifestação do autuado, indicando que há falhas graves na gestão da conciliação ambiental.
“O governo Bolsonaro vem, desde o princípio, garantindo impunidade aos infratores ambientais. Por um lado, retirou recursos humanos e financeiros da fiscalização ambiental, o que resultou no menor número de autos de infração lavrados em mais de uma década, mesmo com o desmatamento em alta”, diz Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil.
Joana Chiavari, diretora associada da CPI/PUC-RJ, afirma que a paralisação se deve a uma série de fatores. “A regulamentação é ruim e ainda foi alterada no meio do caminho, o Ibama não consegue convocar os infratores para as audiências de conciliação e há situações em que o órgão poderia já seguir para o julgamento em primeira instância e não o fez”, diz Chiavari.
“Esse conjunto mostra falhas graves na gestão da conciliação ambiental que além de aumentar o risco de prescrição das multas, provoca uma sensação de impunidade, pois as multas não são cobradas.”
Além de coincidir com a pandemia da covid-19, esse atraso se deu no momento de maior esvaziamento do órgão: em agosto de 2020, o Ibama contava com a menor quantidade de pessoal desde sua criação, em 1989.
O relatório informa que, atualmente, o número anual de autos de infração lavrados pelo Ibama que podem ser diretamente associados ao desmatamento na Amazônia representa menos de um terço do nível de 2015. A redução no número de áreas embargadas foi ainda mais drástica, caindo mais de 90% em relação ao seu pico em 2013.
A partir de agosto de 2019, desaparecem do portal de dados abertos do Ibama as informações referentes ao tamanho das áreas autuadas, o que impossibilita o levantamento de uma métrica relevante para acompanhamento das ações de controle ambiental.
O Ibama e o MMA foram questionados sobre o assunto, mas não se posicionaram sobre o tema até a publicação desta reportagem.