O roteiro já está definido e será seguido à risca como há dois anos, quando o Flamengo foi campeão da Copa Libertadores. Para não ser surpreendido pelo sono da madrugada do dia 27, o relógio já está programado. Canal da TV previamente selecionado e ainda o isolamento como aliado completam o esquema armado por Zico para ver o jogo. “Como em 2019, estou aqui no Japão para ver o Flamengo numa final de Libertadores. A partida vai ser às 5h da manhã e tenho tudo ajustado. Durmo mais cedo, coloco o relógio para despertar e assisto à decisão. Da mesma maneira como foi contra o River Plate”.
Em entrevista à reportagem do Estadão, o Galinho de Quintino disse que mais uma vez vai estar longe da família num momento tão importante para o Flamengo. “Olha, na minha casa, os meus filhos devem reunir os amigos para ver a partida contra o Palmeiras. Vai ser um jogão. Mas você sabe que, em jogos assim, importantes, eu prefiro ver sozinho mesmo.”
Mesmo atuando como diretor esportivo do Kashima Antlers, no Japão, o ex-jogador está sempre atento ao time do coração. Longe de fazer o estilo fanático, ele gosta de ver a partida com olhos de estrategista. Em sua análise são observados o desempenho das equipes e o papel tático dos jogadores.
Na entrevista, nenhum time foi apontado como favorito. E numa decisão que reúne os dois últimos campeões da América do Sul, o ex-flamenguista colocou Flamengo e Palmeiras na mesma prateleira. “São duas equipes experientes e têm elencos acostumados a decidir títulos. Vai ser um jogo de muita tensão, muita concentração e vai ser um duelo onde ninguém pode vacilar”, afirmou Zico.
Protagonista da primeira Libertadores do Flamengo em 1981, Zico analisou o momento do clube da Gávea. E a fase de Michael chama a atenção. “Ele fez um excelente campeonato pelo Goiás. Como o Flamengo tinha um time pronto e de alto nível, o Michael esperou as oportunidades e aproveitou. Mas o que eu destaco é a confiança em campo. Além do treinador, os jogadores acreditam no seu potencial. E o Renato (Gaúcho) está aproveitando essa boa fase. Você não ganha um campeonato com onze jogadores, mas com um bom plantel. E o Michael é uma baita opção.”
Do time para o banco de reservas, Zico comentou também do técnico flamenguista e do bom relacionamento que os dois fizeram no mundo do futebol. “O Renato foi um dos grandes profissionais com quem trabalhei. Fomos campeões juntos. Ele, como atleta, disputou várias decisões. Seu currículo de treinador também é muito bom. É o técnico que tem mais vitórias (50) em jogos de Libertadores, né?”.
Apesar da amizade e proximidade, Zico não conseguiu ter contato com o técnico desde a chegada dele ao Ninho do Urubu. “Como estou trabalhando no Japão, não conseguimos conversar. Os horários complicam. Gostaria muito de visitá-lo. Mandei mensagem quando acertou com o clube. Mas ele sabe que estou torcendo muito para o seu sucesso”, comentou.
O maior artilheiro da história do Flamengo disse ainda que em partidas assim, onde os holofotes estão direcionados normalmente para os medalhões, surpresas costumam acontecer. “Veja o caso, por exemplo, do título do Palmeiras no ano passado. Apareceu o Breno Lopes, que ninguém conhecia, e decidiu o jogo. Garantiu o título. Às vezes os medalhões ou os jogadores mais conhecidos são muito marcados, ou encontram mais dificuldades. Quando você tem dois grandes elencos, a atenção precisa ser redobrada.”
A conquista do time carioca diante do River Plate em 2019, ainda sob o comando de Jorge Jesus, também foi citada pelo ex-camisa 10. Ele lembrou que o rubro-negro só virou o jogo no finalzinho da partida, com Gabriel. “O time deles bobeou e o Flamengo fez dois gols em quatro minutos. Decisão é assim.”
TÍTULO BRASILEIRO DISTANTE – Da decisão da Libertadores para a reta final do Campeonato Brasileiro, Zico também comentou sobre a queda de produção do Flamengo no Nacional e da iminente conquista do título pelo Atlético-MG. Embora tenha apontado alguns tropeços como fundamentais, o ex-jogador flamenguista preferiu enaltecer o time mineiro. “Lógico que o Flamengo perdeu pontos importantes e empatou jogos que não estavam previstos. Mas essa distância é mais pela eficiência do Atlético-MG do que pelos problemas no Flamengo. O time de Cuca não permite uma aproximação.”
No entanto, a calculadora deve continuar sendo um acessório a ser usado enquanto a situação não for definida. “No futebol tudo pode acontecer e você tem de acreditar sempre. Enquanto houver uma chance, o Flamengo tem de seguir na briga pelo título. É isso o que se espera do time.” As últimas rodadas do Campeonato Brasileiro recolocaram a torcida como parte do espetáculo já que o número de mortes por covid-19 vem caindo no Brasil. Na vitória de 1 a 0 do Flamengo sobre o Corinthians, cerca de 48 mil pessoas estiveram presentes no Maracanã.
No Japão, o dirigente do Kashima Antlers apontou que o panorama contra a covid-19 também tem se mostrado favorável. Zico, no entanto, adotou uma postura cautelosa. “Claro que a gente fica feliz com a volta deles, pois o torcedor é a essência do futebol, mas não pode liberar tudo de uma vez, não. O pessoal tem de ter consciência de que é um problema muito sério e que, se bobear, largar de vez, a coisa pode voltar. Aqui no Japão os cuidados existem: uso da máscara, álcool em gel, medição de temperatura.”
SELEÇÃO E A COPA DE 2022: BRASIL NÃO É FAVORITO – A classificação da seleção brasileira de forma antecipada para a Copa do Mundo de 2022, no Catar, também foi abordada por Zico em sua entrevista com o Estadão. Apesar do aproveitamento de quase 90% na campanha das Eliminatórias, em 13 jogos foram onze vitórias e dois empates, o ex-jogador do Flamengo não coloca o Brasil entre os favoritos para o Mundial do ano que vem. “O Tite já tem uma base, mas precisa melhorar porque os europeus estão muito acima. As seleções da Europa jogam um futebol competitivo, vistoso e com muita qualidade. E o Brasil, mesmo tendo bons valores individuais, ainda está num ritmo bem abaixo. Eles entram como favoritos na competição, os europeus. O Brasil, não.”
Segundo Zico, o sistema de disputa das Eliminatórias e o fraco nível das seleções sul-americanas não podem servir de parâmetro se o Brasil quiser mesmo voltar do Catar com título da Copa do Mundo. “Nesse sistema de todos contra todos, dificilmente a seleção vai ficar fora de uma Copa do Mundo. A diferença de Brasil e Argentina para os demais adversários é enorme. Nos jogos grandes, a equipe ainda depende do Neymar. Tomara que aquela máxima de que ‘toda vez que o Brasil sai sem favoritismo acaba trazendo o caneco’ se repita mais uma vez.”