Opinião: “O rol taxativo e a galinha abatida”
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) andou mal, muito mal na semana passada. Na última quarta-feira, dia 8, ao decidir que o rol de procedimentos listados pela ANS para a cobertura dos planos de saúde deveria ser taxativo, e não exemplificativo, gerou revolta nos que esperam do judiciário, em especial das cortes superiores, decisões justas.
Antes de o STJ visitar o tema, se cirurgias ou tratamentos médicos estivessem fora do rol da Agência, era corriqueiro que o judiciário os autorizasse, avaliando a pertinência de cada solicitação. Agora, pós-STJ, estamos diante de uma incógnita. Obviamente, o judiciário ainda pode ser acionado, seja porque a decisão do STJ não tem efeito vinculante, seja porque é obrigação do judiciário revisitar sempre temas espinhosos. No entanto, esse novo contexto fará com que os juízes passem pelo constrangimento de ter de decidir entre a vida de um cidadão e o entendimento da Corte.
Um antigo ensinamento judaico contava que, certa vez, um homem com muita fome e de posse de uma galinha morta foi ao rabino da cidade perguntar se poderia comê-la. O rabino, convencido de que a galinha não havia sido abatida conforme os preceitos religiosos, subiu à biblioteca e foi aos livros confirmar sua tese. Depois de algum tempo, retornou e nem o homem nem a galinha estavam mais lá. Da porta, a esposa do rabino, que acompanhara toda a cena, disse: “você olhou a galinha, foi olhar os livros e diria para que o homem não a comesse. Eu olhei a galinha, o homem com fome e mandei que comesse”.
Não é razoável em uma democracia termos de conviver com decisões inconsequentes a ponto de serem capazes de resultar na morte de pessoas. Se o valor da economia estiver acima do valor da vida, a função social, motor dos Estados democráticos modernos, será o mesmo que nada.
O rol taxativo ainda será apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) que tramita na Corte. Esperemos que o tema seja desta vez analisado com mais humanidade. Que olhem para a galinha e para os livros, mas, sobretudo, que nossas Cortes comecem a olhar um pouco mais para o povo.
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