APMI requer repasses justos do SUS para seguir atendendo com excelência
Foi no longínquo ano de 1936 que a Associação de Proteção à Maternidade e à Infância (APMI), de União da Vitória, abriu as portas para dar início ao trabalho de uma das mais renomadas instituições de saúde da região do Vale do Iguaçu. São mais de oito décadas de enormes e incontáveis serviços prestados à comunidade. A história da APMI – antigamente conhecida como Maternidade – se confunde com a do Vale do Iguaçu. Trata-se de um hospital filantrópico privado sem fins lucrativos. Mas isso não significa que a APMI não tenha demandas financeiras. Muito pelo contrário, elas são cada vez mais necessárias para manter toda a estrutura do Hospital em pleno funcionamento. E esse quadro financeiro preocupante exige medidas duras por parte da direção do Hospital, que tem lutado com galhardia para superar as dificuldades. Uma atitude que pode ser tomada, e provavelmente a mais impactante, seria o descredenciamento da instituição do Sistema Único de Saúde (SUS).
Os motivos? São vários. O principal deles é o fato de o SUS manter, há 14 anos, os mesmos valores a serem repassados em sua tabela de procedimentos médicos. “Estamos atravessando uma dificuldade muito grande. Não vamos esconder. A remuneração do SUS é extremamente baixa e não está, hoje, cobrindo as nossas despesas. O que nos remuneram é um absurdo”, diz o diretor médico da APMI, o anestesista Carlos Eduardo Moura. “Hoje, o que nos mantêm, são os pacientes de convênios e particulares”, completa. Questionado sobre quanto tempo a APMI ainda aguenta absorver os pacientes do SUS nesse modelo de remuneração, ele prefere não estipular um prazo, mas não esconde a preocupação.
Os impactos de uma possível desvinculação do SUS por parte da APMI seriam sentidos em toda a região. Um grande contingente de pessoas que utilizam exclusivamente o SUS deixaria de ser atendido todos os dias no Hospital. Mas, a APMI precisa respirar, ganhar fôlego para seguir como um dos hospitais com maior credibilidade no Vale do Iguaçu. “O Hospital está em risco de não conseguir cumprir com os seus compromissos financeiros. Nós temos um compromisso social e seguimos atendendo a todos. Eu nasci em União da Vitória, vivo a minha vida aqui dentro, dediquei a minha vida à essa instituição. Nós temos consciência dos nossos compromissos, sei o que a APMI significa para a região. Por outro lado, temos a obrigação de manter uma instituição saudável e de prestar um atendimento digno de saúde. O bom seria que houvesse uma remuneração justa. Mas, se não ocorrerem mudanças [no SUS], vamos ter que nos descredenciar”, afirma doutor Moura, em tom de desabafo.
Para citar um exemplo prático, o custo de um procedimento de parto para a APMI é de R$ 2.400,00. O Sistema Único de Saúde (SUS) paga R$ 1.200,00, exatamente a metade do valor necessário para cobrir as despesas. Para um tratamento clínico de cálculo renal, as conhecidas pedras nos rins, o SUS, de acordo com sua tabela, paga um valor total de R$175,97, sendo R$ 149,20 para o Hospital e R$ 26,77 para o médico. “Como que a APMI vai proporcionar um bloco cirúrgico com equipamentos de última geração, com segurança, monitores cardíacos, má- quinas para ventilação? Tudo isso custa muito caro. Nós não visamos lucro, eu como diretor não recebo nada. A nossa preocupação urgente é fechar essa conta. Ainda não temos problemas com fornecedores, fizemos empréstimos, fomos captar dinheiro para pagar a folha salarial no final do ano passado e estamos trabalhando apertados”, acrescenta o diretor do Hospital.
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A APMI recebe um valor fixo mensal oriundo do SUS, independentemente do número de atendimentos e dos procedimentos. É feita uma média. Outro exemplo prático: O SUS paga à APMI aproximadamente R$ 1.200,00 por internação, não importando se é uma internação de dois dias ou de 60, 80 dias dentro de uma UTI. Ou seja, a complexidade do atendimento não altera o valor repassado pelo SUS. “Digamos que o SUS nos pague 220 internações ao mês no valor total de R$ 300 mil. Se nós atendermos menos que isso, temos parte da verba cortada. Se atendermos mais, o problema é nosso”, exemplifica o diretor da APMI.
A 6ª Regional de Saúde do Estado do Paraná já foi comunicada extraoficialmente dessa intenção da APMI em se descredenciar do SUS caso a tabela não seja atualizada com repasses que cubram o valor dos procedimentos médicos. “Estamos levantando dados para, quando sentarmos à mesa, mostrarmos os motivos da inviabilidade de continuar atendendo pelo SUS. Nós não estamos sendo respeitados”, afirma Carlos Eduardo Moura. O diretor médico do Hospital destaca que, por vezes, a APMI recebe emendas parlamentares que dão um fôlego financeiro. “Nos anos anteriores veio, através do Ministério da Saúde e da Federação das Misericórdias do Brasil, um dinheiro considerável que nós conseguimos amenizar essa questão financeira”.
Há outros gargalos que literalmente “tiram o sono” da direção da APMI. “Fechou o Hospital de Paulo Frontim, por exemplo. A Vigilância Sanitária fechou por falta de condições. Nos comunicaram e perguntaram se nós aceitaríamos atender a parte de obstetrícia. Nós respondemos que não, que não tínhamos condições. Nós sabemos que vem “goela abaixo”, desculpe o termo, só queremos que saibam que não estamos contentes com a forma como as coisas estão acontecendo. Cinco mil reais por mês para atendermos toda a obstetrícia de Paulo Frontim não me cobre os custos de lavar a roupa. Vamos seguir atendendo, nosso compromisso é com a saúde de qualidade, mas que eles [entes públicos] saibam que nós não estamos satisfeitos com isso. Cogitaram que Bituruna e Cruz Machado também podem mandar a parte de obstetrícia para nós. E aí questionamos: qual vai ser o subsídio? As prefeituras [desses municípios] vão ajudar?”, questiona o diretor médico da APMI.
O Hospital não faz distinção entre pacientes do SUS e dos convênios e particulares. O atendimento continua e continuará sendo exatamente o mesmo para todos os públicos, com toda a estrutura diferenciada e tratamento de excelência que a APMI disponibiliza. “O que o paciente do SUS e o de convênio/particular gasta é a mesma coisa, não é nada diferente. O antibiótico que usamos para o paciente do SUS e o particular é o mesmo. O detergente que lava a roupa de um também lava a do outro, a comida é a mesma. Não existe diferenciação de atendimento”, garante Moura. O modelo adotado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) também é alvo de críticas. “Criaram o SAMU e simplesmente deram autonomia para vir aqui e descarregar os pacientes. Chegou num ponto que está muito difícil. Está vindo criança atendida pelo SAMU de São Mateus do Sul na APMI, e temos que atender porque é pelo sistema”, acrescenta o diretor do Hospital.
A APMI mantém, atualmente, quatro profissionais médicos 24 horas presentes na instituição: um pediatra, um obstetra, um médico na UTI e um clínico geral. São 245 funcionários no total. “Plantão para médicos nós gastamos em torno de R$ 280 mil por mês, que nós tiramos dos caixas da APMI”, conta doutor Moura. A pandemia de Covid-19 também aumentou os custos do hospital, especialmente de medicamentos. “Está um absurdo o preço do medicamento em geral, dos antibióticos e anestésicos. Além disso, está em falta. A dipirona sumiu do mercado, custava R$ 1 a ampola, hoje R$ 8 e não tem no mercado. Um frasco de soro que nós pagávamos R$ 13, hoje nos custa R$ 17″, encerra o diretor médico da APMI.
A administradora da APMI, Antônia Isaira Donadel Bilinski, ressalta que os problemas enfrentados pela instituição no que diz respeito aos repasses do SUS, atingem a dezenas de hospitais em todo o Estado do Paraná. “Eu participo de um grupo de gestores hospitalares no Paraná e todos estão alarmados com a situação, com o caixa negativo, não é algo particular da APMI, são todos os hospitais”, afirma. O Grupo Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, tem hospitais credenciados e não-credenciados no SUS. As finanças daqueles não-credenciados, caminham razoavelmente bem. Por outro lado, os credenciados, operam com déficit de caixa.
Os próximos meses, portanto, serão definitivos para uma decisão final. Caso não haja um repasse considerado mais justo por parte do SUS e que possibilite à APMI ao menos equilibrar suas contas, a atitude a ser tomada já é de conhecimento público.
Pioneirismo e projetos futuros
A Associação de Proteção à Maternidade e à Infância (APMI) tem no seu DNA a inovação, o pioneirismo. Em abril deste ano, a instituição realizou a primeira captação de órgãos da história do Hospital e que, apesar da dor da família do doador, salvou vidas em Curitiba e Maringá. Foi um marco para toda a região do Vale do Iguaçu. Uma equipe de Curitiba, com o auxílio de profissionais da APMI, utilizou o centro-cirúrgico da instituição para realizar o procedimento. Além disso, uma profissional do hospital se capacitou para poder fazer laudos de morte cerebral. Ou seja, a partir de agora, a APMI também está credenciada para salvar vidas por meio da doação de órgãos.
A constante atualização e o aperfeiçoamento dos serviços prestados pelo Hospital estão definitivamente na pauta da diretoria, mesmo com as dificuldades financeiras. Recentemente, uma empresa de arquitetura desenvolveu um projeto que trata da ampliação da APMI e a construção de um Centro de Cardiologia. “Não temos na região um centro que realize, por exemplo, cirurgias cardíacas. Outros procedimentos, como o cateterismo, que hoje os pacientes precisam ser encaminhados para centros maiores, serão realizados aqui”, conta o diretor médico Carlos Eduardo Moura. Os recursos ainda estão sendo prospectados, mas a ideia é que a APMI ceda a estrutura física e um corpo médico assuma a parte de aparelhagem necessária para o funcionamento da nova Cardiologia.
São várias passagens marcantes da APMI na área da saúde. “Eu participei da primeira cirurgia por videolaparoscopia na região. Então você imagine a tensão de todos nós. Eu nunca tinha feito uma anestesia para uma cirurgia videolaparoscópica. E hoje é corriqueiro. Nós também fomos a primeira UTI Neonatal da região. Foi um grande marco também para a APMI. Nós temos os menores índices de mortalidade materno infantil do Estado do Paraná, somos referência, recebemos pacientes de todo o Estado”, lembra o diretor do Hospital.
“Nós temos a parte de ortopedia com cirurgias por vídeo de ombro, quadril, joelho, coluna… Então nós estamos na vanguarda na parte de cirurgia ortopédica. Temos a Oncologia com o doutor Charles (Charles Ronald Van Santen, oncologista) e nossa demanda de cirurgias oncológicas aumentou bastante. Não posso deixar de citar as cirurgias gerais, temos três cirurgiões atuando. A parte de urologia também com cirurgias renais por vídeo, estamos investindo muito em cirurgias laparoscópicas. Hoje nós estamos, podemos afirmar, num padrão de primeiro mundo. Também podemos citar as cirurgias plásticas, nós temos quatro cirurgiões trabalhando na APMI e prestando um serviço de alta qualidade. O nosso corpo médico é muito preparado”, comenta. Na parte de Neurologia, a APMI incrementou seus atendimentos a doenças graves e crônicas, como a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), que antes apresentava poucos pacientes, mas que teve aumento de demanda nos últimos anos. Além disso, recebe pacientes de escleroses múltiplas e de doenças neurológicas degenerativas.
A APMI recentemente passou a disponibilizar uma ala com novos apartamentos. Há um projeto pronto também para a central de esterilização, restando apenas alguns detalhes com a Vigilância Sanitária para entrar em funcionamento. “Naturalmente precisamos ir atrás de recursos para podermos comportar todo esse aporte que estamos tendo”, diz o doutor Moura, que continua: “A APMI você olha a cara e não vê o coração. Você olha aquele prédio acanhado, mas não visualiza o que foi construído posteriormente”, finaliza.
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