Leilão do Ferroviário é fruto do descaso com o Patrimônio Histórico?
Segundo a definição de patrimônio histórico (que é o composto de bens materiais ou naturais que foram construídos ou preservados ao longo do tempo possuindo forte ligação com a cultura e a identidade local, contribuindo para entender como aquela sociedade se desenvolveu), não resta dúvidas de que o Ferroviário Esporte Clube, suas dependências e história são um patrimônio do Vale do Iguaçu.
Assim também eram o “Casarão da Gisa”, a “Tipografia do Levi”, a “Casa dos Friederich”; e ainda são, como o Hotel Flórida, Castelinho e tantos outros. Suas demolições e posteriores novas construções são retrato do descaso e do desinteresse de nossa sociedade na preservação de sua própria cultura. E isto é apenas uma constatação, pois é natural sob a ótica de quem compra, como investidor e proprietário, que se queira melhorar e potencializar ao máximo a valorização de um imóvel adquirido.
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No mundo real, prédios, livros, tradições, documentos, fotos e outros bens não podem ser considerados simplesmente espaços velhos e objetos empoeirados. Não avançaremos em direção ao futuro se não preservarmos nossa história e cultura; tampouco corrigiremos nossas falhas sem suor, sacrifício e espírito de coletividade.
Nos transformamos em uma sociedade anestesiada, onde o individualismo grassa, ao que parece, replicando um comportamento global, incentivado por um mundo virtual que prospera e cria uma cortina de fumaça sobre as mazelas da vida real, afinal, com os algoritmos das mídias sociais, todos podem ser aquilo que não são e ter aquilo que não tem. Um grande público vive uma fantasia, o que é em última instância uma simples infantilidade.
O repasse de imóveis, históricos ou não, por parte do poder Executivo para o fundo previdenciário deficitário dos funcionários públicos exige muito mais debate da sociedade, com participação de especialistas e apresentações de soluções e hipóteses. Pois sua simples entrega não saneará, quiçá representará um caminho para solucionar o gigantesco problema que foi criado por gastar muito mais do que arrecada. O problema de pagamentos de pensão e aposentadorias é crescente ao redor do mundo e passará inegavelmente por revisão de valores pagos, aumento de alíquotas de contribuição, necessidade de mais capitalização e uma série complexa e variada de desafios que requererá, inclusive, boa dose de criatividade. Aqui não será diferente. Todos terão de contribuir, sem exceções.
A falta de uma legislação corajosa, hábil e útil para incentivar a preservação histórica denota nossa apatia sobre o tema como sociedade; refletida pela inação inclusive oral de nosso legislativo (logo que nem oposição ou situação pontuaram recentemente sobre este momento também histórico). Relembremos o que fez um pequeno povoado na Itália, permitindo a venda de imóveis históricos por míseros 1 euro para que o comprador pudesse investir a diferença em restauração, cumprindo assim o objetivo final de preservação que tangerá, além de tudo, na promoção do turismo.
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A solução encontrada algumas vezes pelos entes públicos, e que poderá ser praticada com ainda mais intensidade nesses novos tempos, é aquela que exige o menor esforço: se desfaz de algo valoroso, histórico, para equacionar os lapsos administrativos das mais variadas gestões ao longo das décadas. Não que um prédio histórico esteja sendo tratado como algo descartável, mas essa prática estará pulverizando em poucos meses toda uma trajetória de mais de oito décadas. Um imóvel desta importância e valor não poderia render dividendos mensais se fosse utilizado de outra maneira, com outra finalidade, ou sob uma nova perspectiva inovadora e criativa? Um debate mais intenso e amplo poderia sugerir alternativas.
E o que dizer das famílias, moradores, ex-ferroviários e tantos outros indivíduos que coletivamente ainda não se mobilizaram com a força necessária para ter sua voz ouvida, mas que possuem legitimidade e uma vasta lista de argumentos para contestar e lutar pela preservação daquilo que seus antecessores tanto se orgulhavam? Quando perceberão que as bolhas online de críticas e mágoas não terão efeito no mundo real? É preciso combater na arena que realmente importa.
Desde 11 de junho de 1931, data de sua fundação, o Jornal O Comércio cumpriu com um de seus mais nobres propósitos: o registro da história do Vale do Iguaçu. Em novembro de 2021, no caderno especial O Comércio EM OBRAS, novamente abordamos um assunto que constantemente foi pauta de nossas reportagens: a destruição do patrimônio cultural e histórico local. Desde então foram registradas em nossas páginas outras demolições ou a destruição de casas e edifícios históricos de União da Vitória e de Porto União.
Até quando trataremos com desdém os assuntos que realmente importam? Triste retrato dos nossos tempos atuais.
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