O Próximo passo de Beto Preto
Durante os últimos anos, o nome Beto Preto (PSD) foi muito citado no Paraná, e não poderia ser diferente, visto que o médico foi Secretário de Estado da Saúde durante uma das maiores crises sanitárias do século: a pandemia de Covid-19. Ex-prefeito de Apucarana, e considerado o prefeito mais bem votado do país em cidades de médio porte, Beto assumiu sua posição como Secretário em janeiro de 2018. Em abril deste ano, deixou a pasta para enfrentar novos desafios. Seu plano, agora, é conquistar uma vaga na Câmara Federal.
Em entrevista à CBN Vale do Iguaçu, reproduzida nas páginas de O Comércio, Beto Preto relembrou sua gestão na saúde do Paraná, e também comentou seus próximos passos.
Confira a entrevista
Jornal O Comércio (JOC): O senhor esteve à frente da Secretaria Estadual de Saúde durante a pandemia de Covid-19 e vivenciou de perto o trabalho que foi realizado com os municípios. Com sua experiência tanto na vida pública, quanto na medicina, como o senhor avalia esse período?
Beto Preto: Foi o momento mais crítico que eu já vivi, sem dúvida. Durante o tempo da faculdade de medicina, já há 28 anos formado médico, eu nunca tinha passado por nada parecido. Nós nos preparamos para as catástrofes, mas essa onda, esse terremoto que foi o Coronavírus, pegou a todos sem manual de instruções, sem medicamentos e sem vacinas. As vacinas vieram depois, e medicamentos efetivamente até agora não vieram. Diferentemente do surto da epidemia de H1N1 em 2009, que já tinha o Tamiflu, logo depois veio a vacina, a pandemia do Coronavírus, dez meses depois que nós tivemos no Brasil a possibilidade de vacinar, iniciar a vacinação dos brasileiros, em janeiro de 2021.
Me recordo de um fato. Nós fizemos uma reunião com secretários municipais de Educação em Curitiba, eu fui participar, mais de 300 secretários de Educação do Paraná, fui falar sobre a dengue, que nos assolava naquele momento, e no final ainda falei “olha, um vírus foi descoberto na China, é possível que venha para o Paraná, se vier, se chegar no Brasil, no Paraná, talvez tenhamos que interromper as aulas por duas ou três semanas”. E alguns secretários de Educação que estavam naquele evento, que me abordam durante as minhas peregrinações agora da saúde ou já fora da saúde me falam “poxa Beto Preto, eu estava naquela reunião. Nós voltamos para a nossa região falando que esse secretário está completamente louco, como que vai interromper as aulas?”. E não foram duas ou três semanas, foram 18 meses de aulas interrompidas, um ano e meio, para depois voltar dia sim, dia não, de maneira híbrida ainda. Então nós passamos por situações dramáticas, situações das mais difíceis possíveis. Ao mesmo tempo, o Sistema Único de Saúde respondeu. Nós tínhamos 1.200 leitos de UTI adulto no Paraná, conseguimos abrir mais dois mil leitos. Esse esforço todo é do Governo, mas é [também] do hospital que franqueou para que isso pudesse acontecer, é da equipe que conseguiu trabalhar, é da compra de equipamentos, compra de materiais, compra de equipamentos de proteção individual, compra de medicamentos que também em um dos momentos foi difícil mas nós conseguimos comprar.
[Foram] Momentos muito dramáticos onde nós perdemos muitas pessoas e que vamos carregar esse luto por algum tempo, nós vamos ter gargalos para vencer. Nós, porque eu também sou profissional da saúde, não sou mais Secretário de Estado da Saúde mas sou profissional da saúde, então, quando a gente pensa em gestão de saúde a gente pensa em gargalo de cirurgias eletivas, retomada efetiva do acompanhamento dos pacientes com doenças crônicas na atenção primária em saúde na Unidade Básica de Saúde; cuidar da pressão alta, do diabetes, da asma brônquica, fazer a coleta de preventivo de câncer de colo de útero nas mulheres, a vacinação não Covid, isso tudo tem que ser retomado de maneira eficaz.
Um terceiro gargalo que é identificado tem ligação direta com a reabilitação daquelas pessoas que ficaram sequeladas pelo Covid, em maior ou menor grau. É um número muito grande que nós temos no Paraná, até porque perdemos mais de 40 mil paranaenses.
E o quarto gargalo é um gargalo que não é palpável. A gente sabe que ele existe, mas ele não é palpável. Ele pode estar do nosso lado e a gente não conseguiu entender, que é o gargalo da saúde mental. Depois de tantos meses falando para as pessoas ficarem em casa, tantos meses [em que as pessoas diziam] “ah não é nada disso, isso não é assim” e de repente alguém fica doente na família, ou outra pessoa conhecida perde a vida, a amiga do banco da igreja está doente também e está entubada. Depois de tanta angústia, ansiedade e medo, nós temos hoje um componente que é a saúde mental que é muito importante, ele está muito forte na vida de todos. Então é um momento completamente diferente, nós vamos ter que entender para poder passar, e no papel de profissional da saúde nós temos que dizer que ainda temos muito pela frente. E a vacinação continua. Nós vamos ter a vacina, nesse esquema vacinal de hoje contra o Covid, mais dois ou três anos até que tenhamos uma vacina mais duradoura, e enquanto isso, o único modo de continuarmos frente a frente sem máscaras em reuniões, na igreja, na escola, é a vacinação continuar avançando, então esse é um gargalo, é necessário dizer isso, mas com vacina nós podemos voltar a conviver e tentar fazer a retomada das atividades normais, do cotidiano normal acontecer.
(JOC) Neste período de muitas mortes, com os hospitais ficando superlotados, hoje, pela sua experiência profissional, o que a saúde e o estado do Paraná aprenderam com essa pandemia?
Beto Preto: Eu acho que nós vamos ter que alçar um patamar diferente, todos os estados e municípios. Veja, nós tínhamos 1.200 leitos adulto de UTI contratados pelo SUS no Paraná. Nós já passamos agora a contar, efetivamente, com 1.650. E mesmo assim o estado ainda mantém mais 200 de sobreaviso. Então, de 1.200, hoje são mais de 1.800 à disposição, não vai voltar para 1.200. Então isso já demonstra que o legado acontece. O legado mostra que o sistema é flexível, consegue abrir as portas para mais atendimentos mas, ao mesmo tempo, mostra que a saúde mais do que nunca é pauta, é agenda.
Eu tenho falado, há 14 anos a tabela do SUS não sofre um reajuste efetivo. E a cada ano que passa o orçamento federal diminui um pouco, e quem tem que cotizar para poder continuar fazendo mais do mesmo, ou o mesmo do mesmo, é o estado e os municípios. Então veja, aqui no Paraná existem diversas linhas de recursos para os hospitais não fecharem as portas, que são do estado, e os municípios pagando procedimentos de exames complementares, exames de imagem, senão o cidadão fica sem cobertura, e é muito grave isso. Então o processo de regionalização colocado nesses últimos quatro anos é forte, é importante, mas ele não se resolve em um mandato, ele é um projeto de 12, 16, 20 anos. E o objetivo é fortalecer as regiões de saúde do Paraná. Talvez isso já vinha sendo realizado de uma maneira diferente, agora decidiu-se ao longo dos últimos anos dar mais face para isso.
O fato é que a pandemia acelerou que isso tivesse que acontecer, então nós tivemos hospitais de pequeno porte se virando nos 30 para poder ofertar leitos para a enfermaria ou até para UTI de pacientes com síndromes respiratórias. Passamos por momentos duros, vamos tirar todas as experiências, aquelas boas e aquelas que não são tão boas para o futuro. Agora, tem que ter recursos, tem que ter dinheiro. Uma cirurgia de hérnia hoje, eletiva, sem urgência, ela paga para o médico que vai fazer, o primeiro cirurgião, menos de R$ 100,00. É R$ 95,00, R$ 96,00. O segundo [cirurgião recebe] metade disso. A pergunta que eu quero deixar aqui: qual é o profissional de saúde que vai continuar querendo esse risco? Uma cirurgia tem riscos para as pessoas. O próprio profissional [tem riscos], porque ele quer um procedimento bem sucedido. Quem que vai querer se arriscar por um valor que é menor do que uma consulta em qualquer Unimed do Paraná? Isso para um procedimento cirúrgico. Então é necessário rearranjar isso. Se paga mal o profissional de saúde, o médico, paga mal também o serviço hospitalar, ato contínuo não consegue remunerar bem o enfermeiro, o técnico de enfermagem, a equipe de raio x, a equipe do circulante da sala e por aí vai. É necessário discutir isso, discutir olho no olho.
Deputados não têm força de caneta para resolver isso, mas têm a voz e têm a possibilidade de pautar esses assuntos na agenda do dia a dia. Em 2016 foi aprovada a PEC que virou uma Emenda Constitucional do teto dos gastos. Mas o teto dos gastos no âmbito social, nesse momento em que a inflação volta, é muito difícil de tratar o futuro do país, do tripé social da educação, da saúde e também da assistência social. Queira ou não queira, existem pessoas hoje passando fome, é necessário pensar nisso, a saúde precisa de mais recursos, e a educação não pode ser colocada em um segundo plano.
Fui prefeito de Apucarana e eu me recordo que investimentos foram feitos, nós tínhamos dificuldades com os livros didáticos que vinham do Ministério da Educação, mas eles chegavam, até pelo mês de março eles chegavam. Hoje eu recebo relatos de prefeitos, de secretários da Educação, que os livros didáticos que vêm do Ministério chegam no segundo semestre. Como você vai apresentar a possibilidade de um ensino efetivo no âmbito público sem que os livros didáticos estejam à disposição? Então a luta é de todos nós, a discussão é de todos nós, e o momento de discutir isso também é próximo da renovação, ou não, de mandatos. A eleição serve também para isso.
É nesse sentido que a gente tem visitado, agradecendo as equipes de saúde, agradecendo os hospitais. Nós fizemos aqui no Paraná a opção de não ter hospital de lona, não ter esses hospitais de campanha em que no final de qualquer atividade eles são desmontados e desaparecem. Nós optamos por investir nos hospitais que já existem fisicamente nas regiões de saúde enquanto eu estava na Secretaria de Estado de Saúde, e tenho comigo que foi uma decisão moderadamente acertada, que conseguiu inclusive fazer com que esses hospitais pudessem ampliar a sua capacidade. E é isso que ao longo do tempo vem acontecendo e sou feliz por ter contado com tanto equilíbrio, com tantas pessoas se colocando à disposição, aqui na CBN Vale do Iguaçu nós falamos tantas vezes, e vocês que têm uma credibilidade fantástica, são formadores de opinião, nos ajudaram a combater fake news. Nós tivemos que perder tempo discutindo se era bom vacinar ou não vacinar, se tinha pele de jacaré ou não tinha pele de jacaré.
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Eu tenho 54 anos, quando eu tinha 07 anos houve um surto de Meningite Meningocócica em Londrina. Eu morava em Apucarana e a nossa região toda foi vacinada. Não existia o SUS, não existia o âmbito municipal da saúde, existia o âmbito estadual e o federal. Eu me recordo que equipes de saúde da época, 1975, entravam no colégio e enfileiravam seus alunos sem perguntar para o pai, sem perguntar para a mãe, e vacinavam com pistola. Nem a agulha trocavam porque naquela época não se exigia isso. Eu tenho a marca até hoje. A vacina nos trouxe até aqui. A vacina contra a tuberculose, a vacina contra o sarampo, contra o tétano, contra a coqueluche, contra as doenças evitáveis, preveníveis, então eu não entendi porque essa discussão tão polarizada, tão ideológica nesse assunto. Nós temos que ter a ideologia da saúde nesse momento. Tem disputa eleitoral, eu quero que a disputa exista, faça, aconteça, parabéns para quem vai participar, mas naquele momento a vacina era fundamental. Ela demorou dez meses para chegar e, quando chegou, rapidamente a gente começou a colocar à disposição e se estivesse vindo em quantitativo bem maior nós conseguiríamos ter vacinado muito mais gente. Dentro do que foi possível acontecer, aconteceu, e com a infelicidade, com o luto de perder muitas vidas.
(JOC): O senhor teve contato próximo com todos os municípios do estado, e agora está novamente percorrendo o Paraná, conversando com os profissionais da saúde, visitando os hospitais. Como está sendo essa recepção?
Beto Preto: Eu sinto que todos nós agora somos testemunhas dessa história, em algum momento vamos contar isso, mas é doloroso, momentos tristes que passamos. Esses profissionais [da saúde] foram fundamentais. Eu tenho dito inclusive, que durante dez meses do ano de 2020 passamos por duas ondas, e as pessoas que ficavam doentes e que iam para o hospital, que iam para a UTI, que procuravam um pronto socorro, uma UPA, foram atendidos por pessoas, trabalhadores de saúde, e que não tinham sido vacinadas também porque não tinham vacinas ainda. Eles todos paramentados com os seus EPI, muitas vezes, no momento do lanche em que tinham que se trocar, ou trocar a máscara, se contaminavam e muitos adoeceram e até perderam a vida. É uma relação que atingiu a todos. Eu tenho dito isso há algum tempo, às vezes na mesma UTI estava o dono da empresa, internado, entubado, ao lado do faxineiro da própria empresa. É uma doença que pegou a todos sem guardar classe social, nada disso, e fez com que nós tivéssemos um momento de reflexão. Essa reflexão tem que ser pensada pra frente. No início se falou muito que quem pegou foi o avô, a avó, pessoas de idade, alguns perderam a vida [e se dizia] “ah mas já estavam idosos”. Não, depois que os idosos foram vacinados quem começou a perder a vida foi a população economicamente ativa. Começaram a perder a vida pessoas de 50 anos, de 40 anos, 30 anos, 20 anos, e a comoção tomou conta. Eu percebo que foi um grande choque, nós vamos passar por isso com bastante equilíbrio para o futuro, mas ainda não fechou, ainda vai fechar, e por isso sempre o apelo de continuar a vacinação.
(JOC): Mais uma campanha de vacinação acontecendo no Brasil, desta vez a campanha da Poliomielite. Que recado você deixa para a população a respeito dessa vacina?
Beto Preto: A Pólio é uma vacina mais simples, é uma vacina com a gota para as crianças. Quero dizer que nós estamos com a vacinação com cobertura baixa porque a Covid fez com que mães se afastassem das unidades de saúde, das unidades de vacinação com receio, mas essa é a hora de perder o medo e fazer a vacinação voltar a acontecer. Precisamos vacinar 90% do nosso alvo, não sou mais Secretário de Estado da Saúde mas sou profissional da saúde e torço para que a vacinação aconteça da melhor maneira possível. Não se deve deixar de pensar que não vacinando se dá a oportunidade para o vírus voltar a circular, e nós vivemos em um mundo globalizado, pessoas que vêm de países onde não há a erradicação da Poliomielite podem vir pro Brasil e ser vetores, trazer consigo o vírus e ele voltar a circular. O que a gente não quer é criança sequelada do ponto de vista do seu sistema imunológico. É importante tomar a vacina, eu faço esse apelo aos pais e às mães. Sempre importante, não só [a vacina] da Pólio, não só da Covid, mas toda a carteirinha de vacinação das crianças ser colocada em dia. É um apelo que deixo aqui.
(JOC): Quais são os planos de Beto Preto, ex-Secretário de Estado de Saúde do Paraná, com toda essa experiência adquirida nos últimos anos?
Beto Preto: Eu fiquei [como Secretário Estadual de Saúde] até o momento em que a pandemia baixou, tiramos as máscaras. Cumpri um pedaço da missão, a missão em saúde nunca está cumprida, ela está em cumprimento, e o médico não pode abandonar o seu paciente. Quando eu vi que a possibilidade de diminuição de casos nos dava um pouco mais de fôlego, o governador [Ratinho Junior] me pediu que ficasse à disposição para cumprir uma agenda eleitoral, eu me coloquei nesse projeto dele e estamos na pré-candidatura à Câmara Federal, mas respeitando muito a legislação. Com muito cuidado, tomando cuidado em cada passo que a gente dá, mas, neste momento, mais do que tudo, agradecendo aos profissionais de saúde, agradecendo à toda a população que nos ouviu, que nos viu na TV, que nos ouviu no rádio, e agradecendo a imprensa do Paraná que foi valiosíssima ao longo do tempo. Acostumou-se a falar o nome da gente, da saúde, todos os dias, e por esse carinho a gente quer agradecer a vocês, com muito carinho. O trabalho do profissional de imprensa foi fundamental para manter as pessoas com mais tranquilidade, com menos possibilidade de pânico, e que Deus nos abençoe a todos no seguir da caminhada.
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