A vida de Elizabeth II nas páginas de O Comércio
A monarca mais longeva da história do Reino Unido passou sua coroa para o sucessor após 70 anos de reinado. A Rainha Elizabeth II faleceu na quinta-feira, 08, aos 96 anos, no Castelo de Balmoral, a residência de veraneio da Família Real britânica. Com a morte da mãe, o até então Príncipe de Gales assumiu o trono, passando a se chamar Rei Charles III. Com um reinado que iniciou na metade do século passado e seguiu até as primeiras décadas do século 21, Elizabeth II marcou a história contemporânea, e teve parte de sua vida (e de sua família) registrada nas páginas de O Comércio que, nesta edição, relembra a trajetória da monarca a partir de nosso acervo.
Elizabeth Alexandra Mary Windsor nasceu em 21 de abril de 1926. Neste momento, a futura rainha era a terceira na linha de sucessão ao trono, mas as chances de que viesse a ser a comandante do Reino Unido eram baixas, visto que o rei, na época, era seu avô, o Rei George V e, no momento da morte do monarca, o trono passaria para as mãos do tio de Elizabeth, fato que se concretizou em janeiro de 1936.
A expectativa era de que o novo rei, Edward VIII tivesse filhos e passasse a linha sucessória aos seus herdeiros. Mas o inesperado aconteceu: apaixonado por uma mulher considerada indigna da realeza, Edward VIII decidiu abdicar ao trono no final do mesmo ano, passando a coroa para seu irmão, que virou o rei George VI. Neste momento, Elizabeth passou a ser a primeira na linha sucessória.
Grande parte do reinado de George VI coincidiu com o período da Segunda Guerra Mundial. Em 08 de setembro de 1940, O Comércio trazia na primeira página da edição 217 um relato sobre a fome que acometia países da Europa durante o conflito. Quatro edições depois, em novembro do mesmo ano, o jornal abordava a estratégia britânica de produzir notícias favoráveis a seu desempenho na Guerra para mostrar ao mundo que não estava sendo tão afetada pelos ataques alemães quando de fato estava. Em julho de 1941, O Comércio continuava a noticiar o embate, na primeira página da edição 238, alegando que, até aquele momento, o exército alemão não havia sofrido nenhuma grande derrota.
Mesmo sem citar diretamente a então Princesa Elizabeth, esses destaques contavam, de certa forma, a história da monarca, que viveu a Segunda Guerra Mundial não apenas como espectadora na segurança dos aposentos reais, mas como combatente. Elizabeth foi a única mulher da família real a entrar para as forças armadas, servindo como mecânica e motorista pelo Serviço Territorial Auxiliar das Mulheres. Em 1945 chegou ao fim o conflito, com a vitória dos Aliados, representados pelo Reino Unido, Estados Unidos e União Soviética.
Ascensão de Elizabeth II ao trono
Com o fim da Guerra, George VI seguiu no comando do Reino Unido, porém, sua saúde vinha se deteriorando. Em 1952, Elizabeth viajava com Philip, com quem havia se casado em 1947, quando recebeu a notícia da morte do pai. George VI morreu devido a um câncer de pulmão, em 06 de fevereiro de 1952. Na edição 270, de 07 de fevereiro daquele ano, O Comércio noticiou, em sua primeira página, o falecimento do monarca com a manchete “Faleceu o soberano do Reino Unido da Grã-Bretanha”. O texto seguia com o relato, na grafia original: “Faleceu ôntem S. M. Jeorge VI, rei da Inglaterra, Irlanda e demais possessões inglesas do ultra-mar. Por êsse infausto acontecimento, que repercutiu dolorosamente em todo o mundo, foi decretado luto oficial, por três dias”.
Ao regressar ao Reino Unido de sua viagem, Elizabeth Alexandra Mary Windsor desembarcou em seu solo natal já como Rainha Elizabeth II. Em 18 de outubro de 1952, Elizabeth II apareceu rapidamente nas páginas de O Comércio, em uma matéria da edição 313, sobre a viagem do presidente do Partido Social Progressista, Ademar de Barros, à Europa, oportunidade em que foi recepcionado pela monarca.
A coroação de Elizabeth II só aconteceu em 02 de junho de 1953. O fato foi celebrado em União da Vitória, conforme relato da edição 343 de O Comércio. Em 21 de junho daquele ano, o jornal relatou que a Câmara Municipal aprovou a solicitação do vereador Napoleão Feijó para que a casa de leis realizasse um “voto de congratulações pelo motivo da coroação da Rainha Elizabeth II, oficiando-se ao ao Exmo. Embaixador Inglês”. Ainda naquele ano, na edição 351 de 22 de agosto, o jornal trazia uma história curiosa sobre o contrabando de três mil caixas de Whisky trazidos da Europa pelo navio de guerra brasileiro Almirante Barroso, que esteve na Inglaterra representando o Brasil na parada naval da coroação de Elizabeth II. O cruzador também trouxe, na mesma viagem, os restos mortais da Princesa Izabel e do conde D’Eu para o país.
Em 16 de abril de 1955, O Comércio relatou a renúncia daquele que foi o primeiro Primeiro Ministro do reinado de Elizabeth II. Winston Churchill foi um dos mais marcantes comandantes durante a Segunda Guerra Mundial. Com 81 anos, Churchill decidiu abrir mão de seu posto. Parte do relato de O Comércio dizia o seguinte: “(…) O octogenário líder do Partido Conservador apresentou sua renúncia numa audiência de 42 minutos com a Rainha Izabel II”. O interessante dessa matéria é que, assim como na notícia da morte de George VI, optou-se por utilizar o nome aportuguesado dos monarcas.
Um escândalo amoroso na realeza
Ainda nos anos 50 um romance proibido abalou o Palácio de Buckingham. Naquele período começou a ser noticiado que a irmã de Elizabeth II, a princesa Margaret, estaria mantendo um relacionamento com o oficial da Força Aérea Britânica, Peter Townsend. A paixão de Margaret era 16 anos mais velho e divorciado, sendo assim, o romance não era visto com bons olhos pela corte. Os enamorados se conheceram quando Margaret era ainda adolescente. Peter havia conseguido um emprego como cavaleiro no palácio. Em 1952, após a separação do oficial, Margaret e Peter começaram a se aproximar.
Por ser divorciado, Peter não poderia se casar novamente, pois o ato era proibido pela Igreja Anglicana, cuja chefe era ninguém mais que a própria Elizabeth II. O romance seguiu em segredo até pouco depois da coroação da rainha, quando o casal foi assumido publicamente e relatou a intenção de se casar.
O casamento, contudo, só poderia acontecer quando Margaret completasse 25 anos, sendo assim, o casal esperou até 1955. Neste ano, a princesa recebeu autorização para casar-se em outro país, com a condição de que abdicasse de seus títulos reais, privilégios e lugar na linha de sucessão ao trono. Por conta das exigências, o casal rompeu em 31 de outubro.
O casal manteve contato, conforme noticiado por O Comércio em 21 de setembro de 1957. Na terceira página da edição 537, uma manchete no canto inferior direito dizia “Margaret fez juramento de jamais casar”. Segundo a matéria, tanto Margaret quanto Peter haviam feito a promessa de não desposar ninguém, e continuavam a trocar mensagens, mesmo com a distância que os separava, visto que o comandante havia sido enviado para trabalhar com a Força Aérea na baixada britânica em Bruxelas.
O relacionamento platônico, contudo, não foi muito longe. Um ano depois, O Comércio trazia em sua edição 582, de 06 de setembro de 1958, a seguinte chamada: “Rompeu com Townsend a princesa Margaret”. A informação contida na matéria era de que a princesa havia decidido cortar o contato com seu amado por conta da publicação de um livro, escrito por um amigo de Townsend, que traria revelações sobre o romance. Margaret chegou a ler trechos do livro, enviados a ela pelo próprio Townsend. Chocada com o conteúdo da obra, a princesa exigiu que o livro não fosse publicado. Por não ter sido atendida, decidiu romper todas suas relações com aquele que um dia desejou desposar.
A jura de ambos de não casarem com mais ninguém não foi cumprida por ambas as partes. Townsend se casou com uma mulher belga chamada Marie-Luce Jamagne. Já Margaret subiu ao altar em 1960, com o fotógrafo Anthony Armstrong- Jones, com quem ficou casada por 18 anos.
A única vinda de Elizabeth II ao Brasil
Em 1968 Elizabeth II desembarcou em solo brasileiro acompanhada de seu marido, Príncipe Philip, para uma viagem de 11 dias. Na oportunidade, a monarca visitou Recife (PE), Salvador (BA), Brasília (DF), São Paulo (SP) e Campinas (SP). Após sua passagem por Brasília, O Comércio trouxe, em sua edição 996 de 21 de dezembro a matéria intitulada “Tradições inglêsas inspiram muitas instituições brasileiras: G. Marinho” que reproduzimos a seguir, coma grafia original, na íntegra:
Brasília – (SIR) – Durante dois dias, a Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, visitou a Capital da República, a todos encantados com seu <charme>, elegância, e naturalidade sem afetação, o mesmo podendo dizer-se de seu marido, o príncipe-consorte Philip.
A estada da Rainha da Inglaterra pode resumir-se nos seguintes flashes de reportagem:
Opinião geral de todos: é muito mais bonita e elegante do que nas fotos.
O príncipe Philip se destacou pela discreção e dignidade, além da reconhecida elegância e personalidade.
Os horários foram rigorosamente e britânicamente cumpridos, com exceção de um: antes de sair do Hotel Nacional, onde se hospedava, a Rainha fez questão de cumprimentar, um a um, os que a serviam no período, atrasando 25 minutos a visita à Escola-Classe 308, onde aguardava uma pequena multidão.
Na opinião dos mais exigentes, a Rainha veste-se magistralmente, rigorosamente na última moda.
Nunca tantos acompanharam com tanto interêsse todos os itens de um programa de visitas oficiais, para flagrar um deslize no horário, sem conseguir apanhar diferenças nem mesmo de meio minuto.
Foi a primeira vez que a Rainha se hospedou, no Exterior, num hotel, o Hotel Nacional de Brasília que, por isso, inaugurou uma placa alusiva à sua estada ali.
Cerca de 6.000 pessoas compareceram à recepção que o presidente Costa e Silva ofereceu à Rainha no Itamarati. Outro Tanto foi ver os convidados e – dizem – número idêntico contentou-se em ver os que foram ver.
A Deputada Lygia Doutel de Andrade foi muito aplaudida ao saudar a Rainha na Sessão Solene do Congresso, quando se referiu ao fato de que a Rainha da Inglaterra, ao passar defronte ao Parlamento Inglês fez sempre respeitosa reverência.
Em nome do Senado, o Senador Manoel Vilhaça disse da honra que a visita ao Congresso Nacional significava para a instituição.
Do Senador Gilberto Marinho, Presidente do Senado, a propósito da visita ao Congresso: <Na pessoa da Soberana da Inglaterra, cabe-nos prestar também a nossa reverência ao nobre e bravo povo inglês, em cujas tradições se inspiram muitas das nossas instituições asseguradoras do respeito e dignidade da pessoa humana, da vocação de liberdade e de democracia>.
Do Senador Petrônio Portela, vice-líder do Govêrno: < O povo de Brasília se arregimentou para aplaudir aquela que, em verdade, representa, não apenas a realeza, mas todos os grandes e nobres sentimentos democráticos do mundo>.
Do Senador Eurico Rezende, líder do Govêrno em exercício: < Com a visita da Rainha Elizabeth II à nossa Capital, a cintilhante tradição britânica entra em contacto com a arquitetura fascinante de Brasília. Quer me parecer que, diante desta orquestração de tantas alegrias, diantes dêsse realejo de tantas e justas homenagens, que estão caracterizando e enaltecendo a presença entre nós de Sua Majestade britânica, podemos sintetizar o preito do nosso respeito e da nossa simpatia à Rainha Elizabeth, dizendo que todos nós, brasileiros, e, particularmente nós, que moramos em Brasília, nesses dias, em têrmos espirituais, fomos súditos de Sua Majestade, a Rainha Elizabeth II>.
Do Senador Mário Martins, do MDB carioca> < Sempre faz bem à saúde de qualquer Congresso receber a visita da Rainha da Inglaterra, pátria da liberdade e do parlamento. De modo que nós, hoje, nos sentimos altamente honrados e se quisermos honrar esta visita, devemos corresponder, para que o Congresso sobreviva, sempre livre, digno e soberano>.
Na mesma edição, O Comércio trazia, ainda, uma saudação da deputada catarinense Lígia Doutel de Andrade, a responsável por receber Elizabeth II no Congresso.
A princesa que abalou a popularidade da Família Real
Em 81, teve início mais um romance que abalaria a monarquia britânica. O primogênito de Elizabeth II e primeiro na linha sucessória, Charles Philip Arthur George Windsor, até então Príncipe de Gales, anunciou em fevereiro daquele ano seu noivado com Diana Spencer. A união aconteceria após Charles ter sido proibido de se unir àquela que dizia ser seu verdadeiro amor: Camilla Parker Bowles.
O casamento foi considerado por muitos como o evento do século. Mas aquilo que parecia um conto de fadas, logo tornou-se um pesadelo, que foi previsto por O Comércio, na coluna Tópicos Gerais, de Raquel Canfiéld, publicada na edição 1789 de 18 de julho de 1981. A colunista escreveu o seguinte: “Como num conto de fadas, a futura Rainha da Inglaterra, Lady Diana, utilizará no dia de seu casamento com o Príncipe Charles uma carruagem toda de cristal, como a da pobre Cinderela. Quem viver verá”.
E o que foi visto foi um casamento que chegou ao fim de forma dramática. Charles e Camilla mantiveram um relacionamento extraconjugal. O casamento real chegou ao fim em 1992, mas o divórcio só foi oficializado em 1996. Diana morreria um ano depois, em um acidente de carro. Por conta de sua alta popularidade, a morte da chamada “Princesa do Povo” mexeu com a popularidade da família real, principalmente com a de Charles. Chegou a se cogitar excluir o príncipe da linha de sucessão e colocar o seu primogênito, William, na primeira posição da fila, fato que não ocorreu.
Em 2000, na edição 2727 de 05 de maio, O Comércio relatou que Camilla não estava entre os 500 convidados de uma festa que seria dada pela Rainha. O fato, segundo o jornal, teria contrariado o príncipe, que cinco anos depois se casaria com a amante. Hoje, Charles e Camilla são Rei e rainha-consorte do Reino Unido.
Um século de comemorações e despedidas
O século 21 começou com duas dolorosas perdas para Elizabeth II. Em 09 de fevereiro de 2002, a princesa Margaret faleceu aos 72 anos. Poucos dias depois, em 30 de março, Elizabeth, a Rainha Mãe, veio a óbito aos 102 anos. O falecimento e funeral da mãe da monarca foi lembrado em O Comércio na edição 2824 de 12 de abril com o artigo “Devagar com o Canhonaço, que a Côroa é de Barro”, e na edição 2827, de 03 de maio com o artigo “Despertadores de Grande Calibre num Reino descalibrado”, ambos de autoria de Ivahy Detlev Will. No último, o autor escreve a passagem “Quando na Inglaterra morre alguma figura de realeza ou mesmo um W. C. (Winston Churchill), o enterro, perdão, as exéquias, elas demoram tanto para serem feitas, que a missa de 7º dia é oficializada antes da missa de corpo presente de grego. É sublime. Velório em ritmo de freezer. Ou então à moda da carne-de-sol, leia-se charque. Por isso não é preciso ter pressa em publicar quando se escreve algo a respeito de tais chás-de-meia-noite britânicos”.
Com o texto, Ivahy quis mostrar como os rituais de despedida de uma figura importante na Inglaterra, principalmente os monarcas, são demorados. No caso de Elizabeth II não é diferente. O corpo da rainha será sepultado apenas na segunda-feira, 19, dez dias após sua morte.
Mas 2002 não foi apenas de tristezas. Naquele ano, Elizabeth II comemorou seus 50 anos de reinado. Em 2012, participou da abertura dos Jogos Olímpicos de Londres. Em 2021, mais uma despedida, desta vez de seu marido, Philip, que faleceu em 09 de abril, dois meses antes de completar 100 anos.
Em junho de 2022, poucos meses antes de sua morte, Elizabeth II celebrou seu Jubileu de Platina, marcando 70 anos como monarca do Reino Unido. Após as celebrações, foi para o Castelo de Balmoral para descansar. Suas aparições ficaram cada vez menos frequentes. Em 06 de setembro, recebeu nos aposentos do castelo a nova primeira ministra britânica, Liz Truss, como parte dos protocolos de posse. Essa foi a única vez que Elizabeth II recebeu um premiê fora do palácio de Buckingham. Foi também a última aparição pública da rainha, que veio a óbito dois dias depois.
O Comércio foi homenageado pela BBC
Durante a pesquisa, encontramos em nosso arquivo uma mensagem enviada a O Comércio pela Corporação Britânica de Radiodifusão (BBC na sigla em inglês). A mensagem foi publicada na edição 181, de 07 de agosto de 1938, e dizia o seguinte:
“Notando no mesmo jornal que no dia 11 do corrente celebrou o mesmo o seu sétimo aniversário, apressamo-nos a aproveitar esta oportunidade para endereçar a V. Sia. as nossas sinceras felicitações, fazendo ao mesmo tempo os melhores votos pela repetição de tal data e pelos progressos sempre crescentes de O Comércio”.
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