Opinião: “A jurisimprudência moderna”
Na manhã chuvosa da terça-feira, dia 13, acordei, escovei meus dentes, comi ovos, tomei leite, li as notícias do Brasil e do mundo, saí de minha casa, peguei um Uber e fui à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC).
Lá me esperavam professores muito distintos do departamento de Filosofia do Direito que avaliariam e debateriam a minha dissertação de mestrado sobre ser a prudência em Aristóteles um critério moral de justiça. Isso mesmo, em pleno 2022, com o mundo lá fora pegando fogo, dediquei aquela manhã e parte dos meus últimos dois anos e meio a estudar e escrever sobre a prudência em Aristóteles.
O leitor certamente achará que sou louco, alheio ao mundo real. Não sou, quer dizer, é até possível que eu seja, mas não por isso.
A prudência para os gregos não era um conceito encastelado qualquer, mas uma virtude prática obtida pela experiência e hábito dedicados a julgamentos corretos, baseados nas leis elaboradas pelos mais velhos e, sobretudo, na educação moral comum, voltada para o convívio harmonioso dentro da cidade.
Esta engrenagem propiciava aos cidadãos – lembremos que eram excluídos da cidadania escravos, mulheres, crianças etc – a fruição de uma sensação de igualdade ou, no mínimo, de busca dela. Algo que poderia ser facilmente chamado pelos gregos de justiça e que nenhum de nós, nas sociedades modernas, será capaz de experimentar.
Nos nosso tempos, a igualdade e a justiça merecem livros volumosos, longas palestras, muitas reflexões, mas nada é capaz de ser tão prático e palpável como foi a prudência para os gregos. Na semana passada, terminei de ler um clássico moderno sobre a igualdade: “A virtude soberana”, do constitucionalista Ronald Dworkin. O autor é excelente – já o citei diversas vezes em meus artigos – mas o livro tem 700 páginas e não chega a lugar nenhum. Ou melhor, chega a tantos lugares que é como se não chegasse a nenhum verdadeiramente.
O mundo moderno fincou no conceito de dignidade da pessoa humana seu ideal de igualdade e justiça, o que resolve uma das questões que os gregos deixaram para trás: a inclusão de todos na cidadania. Mas o conceito de dignidade é tão amplo e genérico que serve para tudo, o que não é muito diferente de não servir para nada.
A prudência, após Aristóteles, ganhou contornos diversos, adaptou-se ao tempo e ao mundo romano, transformou-se em uma ciência: a jurisprudência. A expressão hoje guarda pouca semelhança com uma ciência, guarda ainda menos com o conceito antigo de prudência. Tornou-se no Brasil a designação para um amontoado caótico de julgados que possuem pouco em comum e nenhuma hierarquia estrutural, servindo muitas vezes mais para confundir do que para pacificar entendimentos. Quem sabe até não mereça nos dias de hoje ser rebatizada a expressão com um novo nome: jurisImprudência.
Da justiça e da igualdade nos sobram as migalhas. Da prudência, seu antônimo. Quem quiser estudar direito,esqueça o mundo real e seja maluco o suficiente para correr aos gregos.
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