Editorial: “Sobre regra e exceção”

As eleições brasileiras para o executivo são, via de regra, um lamaçal de denúncias, acusações e calúnias constantes; desde a para prefeito chegando a de presidente. A regra é demonizar, encontrar ou espalhar fatos e até mesmo ilações desabonadoras ao adversário. Nossas eleições apresentadas pelos próprios candidatos, partidos e coligações têm sido via de regra levar o eleitor a escolher entre um mal maior ou menor.

Os adversários são sempre “corruptos”, “bandidos”, “mentirosos”. A campanha é feita essencialmente de ataques e sujeiras. Todos os ocupantes do cargo usam a máquina e a cada nova eleição cada vez mais. A regra é desrespeitada para a surpresa de ninguém a não ser pelo choro desamparado do opositor. A contenção do abusador pode ser um trauma no processo eleitoral então resume-se a vista grossa. Sem a imposição de limites só resta esperar novos e maiores abusos.

O ano de 2018 ao que parece foi a exceção da regra, mesmo porque houve um fato excepcional em campanhas, o atentado a vida do então candidato Bolsonaro. A campanha acabou sendo muito mais leve do que a regra. Eis a exceção.

A campanha atual revela-se novamente mais do mesmo, é a regra retomando o controle do cenário. Campanhas essencialmente difamatórias, ríspidas, acusatórias; poucas e vagas propostas. Ao que parece, inclusive, o eleitorado reage melhor à paixão e a emoção do que à razão. E eis aqui o motivo das campanhas brasileiras serem o que são. Exatamente aquilo que nós como povo desejamos. Assim como nossos eleitos e nossos políticos.

Nossa representação tende a ser literalmente um retrato do que somos como sociedade. Quem sabe fôssemos diferentes se a regra sobre coeficiente eleitoral, ou seja, votos de um capazes de eleger outro, fossem revisitadas e novos modelos testados. Assim como adaptar mecanismos para conferência e auditagem manual ou física também das urnas eletrônicas. Tudo que contribua com nosso sistema democrático deve avançar, como tem sido a regra. A mudança segue sendo uma das poucas certezas humanas.

A excepcionalidade desta particular eleição nacional são as ferramentas digitais altamente desreguladas, um ambiente onde praticamente tudo é possível no limite da imaginação e da capacidade técnica de ferramentas ágeis, capilares, multidisciplinares e incomparáveis em alcance e abrangência. Tudo isso à disposição de mentes criativas com objetivo de vencer a qualquer custo seu adversário, recentemente transformado em inimigo; algo inerentemente anti-democrático.

A falta de instrução formal e capacidade de distinguir o que é falso de verdadeiro, opinião de notícia, reportagem de matéria e outras nuances das técnicas jornalísticas e informacionais apenas contribuem para ampliar esse ambiente tóxico por sí só. O recebimento de mentiras por parte de pessoas em quem confiamos é um elemento adicional importante para refletir.

Mentes criminosas no mundo digital transitam livremente sob o manto do anonimato ou da incapacidade de identificação, que em suma é a mesma coisa. Vivemos boa parte deste caos, pela omissão do legislativo que mesmo com avanços importantes; foi incapaz de atualizar as regras eleitorais e de comunicação para o mundo real e o momento atual.

Importante refletirmos, debatermos e discutirmos o pouco conhecido “Paradoxo da Tolerância” do filósofo Karl Popper: “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles.

À justiça não foi dada (quem sabe intencionalmente) ferramentas suficientemente adequadas para responder à altura aos desafios que a tecnologia e a velocidade da desinformação proporcionaram neste pleito. A história julgará os erros e acertos, assim como os excessos e as omissões. Enquanto nossas lideranças que ocupam os maiores lugares de fala existentes na nação não demonstrarem por atos e gestos seu compromisso com um país distencionado, um ambiente mais civilizado é impossível de ser construído. Esperar qualquer harmonia de um país onde dois titãs da política nacional seguem dando e sendo maus exemplos é apenas distopia ou desejo infantil.

Cabe a cada um de nós, cidadãos conscientes, adultos e capazes, permanecer vigilantes independentemente de quem saia vitorioso neste domingo.

Vote e viva a democracia!

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