“No aniversário do inquérito das fake news, faço eu os três pedidos”
Odeio festas de aniversário. Vou só para não ficar chato. Comprar presente então, afe, que martírio. Mas acredito que essa minha birra seja porque, no Brasil, em geral, o que faz aniversário é ruim e o que é bom não dura.
Veja, amigo leitor, na política, é comum a piada de que os mais corruptos são longevos. Nas Cortes de Brasília, sempre foi um folclore a idade avançada de magistrados casca grossa. Com a limitação de idade de 75 anos, isso aparentemente havia se resolvido, mas parece terem encontrado uma forma de nos torturar, nomeando magistrados jovens, alguns deles bem indigestos. Dessa forma, mesmo que saiam aos 75, duram… duram… e como é duro que durem…
Uma outra coisa que tem durado demais é o inquérito 4781, alcunhado como “das fake News”, por uns, “do fim do mundo”, por outros, rebatizado depois como “dos atos antidemocráticos”. Muito bem, o inquérito completa exatos quatro anos de existência. Como passou o tempo sem notarmos, como o inquérito cresceu, está um homenzinho, deve estar pensando o leitor. De fato. E eu não posso me furtar a esta festinha de aniversário, afinal, advogo nele desde seu início, mais precisamente, desde que a revista Crusoé, dentro do inquérito, sofreu censura do STF, nos idos de abril de 2019.
Para os que têm memória fraca, ou seletiva, o tal inquérito já começou errado. Com base em uma interpretação insolente do artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que prevê a possibilidade de investigação pela Corte de crimes ocorridos nas dependências do tribunal, entendeu-se que potenciais ofensas digitais ao STF atrairiam sua competência. A interpretação era ainda acompanhada da designação do ministro Alexandre de Moraes, sem nenhum sorteio, e do afastamento do Ministério Público de atos jurídicos e decisões judiciais mais relevantes.
Dali para frente, foi só para trás. Tudo passou a ser sigiloso, ninguém mais sabia do que se tratavam as investigações e até hoje, após quatro anos, assim permanece. Num e noutro momento, prende-se um Zé ninguém, numa e noutra ocasião, vira-se o canhão a um político que nada tem a ver com o inquérito, mas que, por supostamente ter propagado alguma mentira, desinformação, fake news, ódio ou ter deixado de ir à missa, cai nas garras do inquérito.
E assim tem sido. Mas, por qual razão? Imbuído desta dúvida sincera, nesta semana da festinha de aniversário do inquérito, dou uma de chato e, além de tratar aqui das mazelas do aniversariante, na hora de cortar o bolo, passo à frente de todos e faço eu os três pedidos. Depois, deixarei que confraternize com os seus em silêncio, ou melhor, em sigilo.
Meus três pedidos são:
- Mostrem o resultado das investigações: que grande indústria das fake news foi desbaratada? Que grande golpe foi impedido? Que financiador está por trás do que quer que seja? O inquérito custa aos cofres públicos, ao bolso de todos, logo temos o direito de saber como estamos gastando nosso dinheiro.
- Se não querem mostrar a todos o resultado das investigações, mostrem ao menos aos investigados e a seus defensores. Que se cumpra a súmula vinculante 14 do próprio STF, que determina que todo defensor deve ter acesso amplo aos elementos de prova dos autos para o devido exercício de defesa.
- Se não querem mostrar o resultado das investigações a ninguém, após quatro anos, passo a ter razões para acreditar que não há resultados e, neste caso, por sua duração irrazoável e ausência de causa justa a que siga, que se encerre.
Sabemos bem, caro leitor, que os pedidos feitos ao se cortar um bolo nem sempre se realizam. Não tem problema. No aniversário de cinco anos, volto e os refaço. Alguns desejos são pedidos tão óbvios, concretos e razoáveis que demora mesmo um pouco para que as pessoas tenham coragem de os realizar.
André Marsiglia é advogado constitucionalista. Especialista em Liberdades de Expressão e Mídias. Escreve semanalmente sobre Direito e Política para a Revista Crusoé, onde este artigo foi publicado originalmente
Twitter: @marsiglia_andre
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