Especial: “Adeus ou a Deus o poeta Odilon Muncinelli”
No Sagrado Domingo de Páscoa, viajou para outras esferas o nosso estimado amigo Odilon Muncinelli. Com pesar recebi a notícia de sua partida, antevendo a falta que vai fazer a todos aqueles que foram presenteados pela sua agradável, alegre e inolvidável presença, familiares e colegas que o amavam e que foram por ele muito amados. Curiosamente, sua passagem acontece em um momento muito simbólico, no dia santo que para os cristãos sinaliza um tempo de glória e luz. A palavra Páscoa, vale lembrar, se origina do latim Pascha, que deriva do hebraico Pessach, Pesach, que significa passagem. Um homem especial como Odilon (re)nasce para a outra vida justamente no dia da ressurreição de Jesus.
Competente advogado e ilustre colaborador do jornal O Comércio – no qual durante anos manteve a belíssima coluna “Milho no Monjolo” -, Odilon foi acima de tudo um grande homem, bem como o honrado e amoroso pai de uma bela família. Tive o prazer de conhecê-lo para além dos textos que primorosamente escreveu. Na infância e adolescência fui vizinho da família Muncinelli. Enquanto o tempo passava, eu crescia e via crescer o pinheiro que, mais do que uma frondosa árvore no jardim de sua casa, era um emblema de seu interesse pelas nossas raízes. De índole telúrica, Odilon se interessou como poucos pelos meandros da cultura de Porto União e União da Vitória, apurando seu olhar não apenas para os episódios monumentais de nossas origens, mas também para pequenos detalhes que bem sabia fazerem parte de uma cadeia que nos constituía. Quem pôde ouvi-lo ou lê-lo, atestará o fato. A origem do nome de uma pequena rua de nossa cidade, ou a existência de um poeta desconhecido de nosso passado, eram tão importantes para ele quanto um conflito regional ou o movimento dos tropeiros. Nada do que era aparentemente pequeno para a história passava despercebido ao olhar curioso, jovial e inteligente de Odilon Muncinelli.
Certa vez, entre uma conversa e outra, o amigo me falou sobre um tal Sofonias Thabor que publicara, nos anos 50, no Vale do Iguaçu, um livro de poemas. Odilon passou um bom tempo procurando saber quem era o poeta que usou o estranho pseudônimo. Iniciamos uma longa investigação até conseguirmos, depois de alguns anos, descobrir sua identidade. À medida que encontrávamos alguma pista, o pesquisador ia noticiando a descoberta na sua coluna jornalística. Ler os textos de “Milho no Monjolo” era mais do que uma necessidade, uma delícia. Não se tratava de um espaço dedicado apenas à memória, mas sim ao que de bom estava acontecendo no âmbito da cultura. Ali, ficávamos sabendo de um livro novo que alguém acabara de lançar, de alguma apresentação artística, de algum programa musical, de algum filme, que inspirava nos leitores algum tipo de curiosidade.
Odilon sempre foi muito gentil, recebendo a todos com muito carinho em seu escritório que ficava numa espécie de edícula – literalmente seu templo -, próxima à sua casa, situada nas imediações do Clube 25 de Julho, pelos lados da Rua Santos Dumont e Voluntários da Pátria. Era ali, no seu refúgio, que ficava sua biblioteca particular, onde ele lia e escrevia, gestando suas ideias, que tinham sempre algo de valoroso e interessante. O amigo era grandioso em sua simplicidade e honesto em seus comentários, inclusive sobre aquilo que eu pensava, escrevia e mostrava para ele. Eu gostava dessa sinceridade. Quando eu publicava algum livro, ele sempre fazia questão de divulgá-lo nas notas de sua coluna. Odilon apreciava muito a vida cultural e, embora tímido e por vezes recluso, fazia questão de acompanhar as novidades. Era “bairrista” e ao mesmo tempo um sujeito do mundo. Em algumas oportunidades, revelou-me detalhes de quando era ainda aluno do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, falando-me da época estudantil como tempos agitados e importantes para a sua formação. Mas seu bem mais valioso era mesmo a família. Aldair sua amada, companheira de uma vida e testemunha de sua grandeza! E sem ao menos conhecer pessoalmente seus filhos Giorgio e Gianfranco fui ficando íntimo da família por meio de suas histórias.
Em 2010, publicamos na Unespar um livro que reunia textos literários de poetas regionais. Tratava-se de um projeto que dava continuidade a uma obra lançada nos anos 70, a famosa Antologia do Vale do Iguaçu, organizada pelos saudosos professores Francisco Filipak e Nelson Sicuro. Muncinelli está presente nas duas edições. Na primeira, ele é lido como um poeta nato: “despretensioso na forma, que é sempre livre e desprovida de técnicas acadêmicas”, que “agrada pela pureza da inspiração e pela simplicidade no dizer”. Na segunda Antologia, pudemos observar a flexibilidade rítmica de seus versos, bem como a proliferação de imagens que conjugam o mundo natural com o universo poético. Ali, pode ser encontrado o poema “Modinha”, de sua lavra, que hoje, mais do que nunca, pode ser lido como uma despedida: “às vezes / eu me sinto como quem partiu ou morreu / mas, se você está juntinho de mim… / na alegria, / na dor… / só bondade / só amor. / Por Deus, / eu me sinto como quem voltou e para sempre viveu”.
Em 2013, lançamos também na Unespar a Coleção Therezinha Cartonera, que consistia em uma série de livros artesanais distribuídos gratuitamente no Vale do Iguaçu. Odilon participou gentilmente do primeiro volume, presenteando-nos com um poema inédito, que tematizava uma de suas qualidades, a humildade. No texto, o poeta se desprovia do Ego, para se misturar às coisas do mundo, sendo ao mesmo tempo uma Canção, um Barco, a Fé, a Esperança, o Amor, a Saudade, o Passado, o Presente e o Futuro. Há alguns meses, quando o visitei pela última vez, me presenteou com um livro do Fernando Tokarski sobre o Contestado. Não sei o motivo de ter me dado a obra, mas guardo a lembrança com carinho. Com letra tremida, escreveu na folha de rosto: “Ao amigo Caio Bona”. A frase escrita com dificuldade se dava à perda gradativa da visão, problema que ele me revelou com um bom humor que mostrava o quanto Odilon era (e continuará sendo) espirituoso diante dos fenômenos inevitáveis da vida. Naquele momento, me contou com alegria que seu neto havia lançado um livro de poemas. A vida é essa roda que segue sem parar.
A partir de agora, Odilon mais do que um filho do Iguaçu voltará a ser um filho das estrelas, ou seja, um cidadão do Universo. Dali, certamente, mirará a beira do Rio que tanto amou, e versará na língua dos astros a beleza de outros rios e mundos sem esquecer a saudade do seu amado rincão. Em uma outra dimensão, pilará o milho e as palavras, suas sabedorias siderais no monjolo de uma nova forma de existir. Ele também já foi, como aqueles lembrados em seu livro “Eles já foram”. No entanto, permanecerá vivo em espírito e memória. E essa, mais do que uma expressão, é uma magia. O poeta Waly Salomão, aliás, certa vez escreveu: “O que amas de verdade permanece, o resto é escória”. Sobre o poeta, que pervive nos seus filhos e livros e gestos e netos, talvez seja melhor conjugar os verbos no tempo presente. Sua vida permanece em tudo o que fez e amou!
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