Opinião: “A reconstrução do Brasil”
Acho que há, na nação brasileira, um sentimento generalizado de desorganização como se o Brasil tivesse passado por um processo de contestação que tirou tudo do seu lugar. E talvez, esta seja uma ótima figura de linguagem.
Tudo começa na grave diferença de perfil entre os três poderes.
O judiciário, tomando o STF como referência, é uma instituição liberal, no aspecto social e político, como consequência do processo de indicação, apresenta uma composição mais à esquerda e tem agido assim em suas decisões. Sempre importante frisar que, a despeito de nossa ignorância jurídica, o STF, que nos enche de indignação com suas respostas débeis à corrupção, foi fundamental na manutenção da democracia. Sem meias palavras, e sem preocupação com o patrulhamento da maioria da população, sem Alexandre de Moraes e companhia, a aventura golpista teria tido êxito.
O governo eleito à esquerda decorre, em maior proporção ao sentimento de rejeição dos excessos do Capitão do que de uma tendência do eleitorado, decide procurando construir maioria e isto significa caminhar para o centro, onde o respaldo da elite econômico-financeira, flui para o mesmo rio dos interesses do centrão congressual. Assistiremos por todo o mandato, esta busca incessante do equilíbrio, muitas vezes sustentada apenas pela liderança de Lula que, mesmo quando se rende ao congresso, inibe reação de sua base.
Já o Congresso, eleito com votos de direita majoritários no segundo turno, tem, em números arredondados, duas centenas de deputados à direita e apenas uma à esquerda, todos submetidos à competente ação articulada do centrão, capaz de construir maioria plena sempre que necessário, que ajoelha Lula no mesmo canto que Bolsonaro, ambos com os joelhos pregado no milho da contradição.
Cidadãos, com baixo nível de cultura política, se digladiam nas ruas, rompem relações familiares e afetivas apenas pelo prazer de ter definido quem vai rezar, ou pagar em emendas, o terço do Centrão.
Talvez seja um retrato cruel, mas, estejam certos, o governo eleito define a letra, mas a música toca no ritmo que o Centrão define, escancarando um país onde a diferença de perfil entre os poderes é o menor dos problemas, com agravante de ser tutelado pelo judiciário, a quem não cabe a omissão, marca constante do congresso em questões polêmicas.
Como agravante, a falta de solução de continuidade em áreas fundamentais, porque a polarização burra definiu que qualquer coisa diferente do governo anterior será sempre melhor, independente dos resultados. Por conta da ingenuidade do eleitor, que se apaixona e escolhe, mas não se dá ao trabalho de exigir compromissos, somos seguidamente penalizados por custo político desnecessário. Pode ser o custo sindical, imposto pela república petista ou o custo militar, representado por sete mil deles agregados ao serviço público ou ao vergonhoso pacote de concessões oferecidos às forças armadas na reforma da previdência, porque deles se esperava solidariedade para além das urnas, no governo passado.
Paixões exacerbadas evocam cegueira seletiva, ou seria apenas hipocrisia, que permite que se enxergue erros apenas na torcida de bandeira diferente e vende a falsa noção que tudo se conserta com o voto no “nosso” candidato.
É preciso ir além e isto passa pela conscientização da sociedade que as correções de rumo precisam se sobrepor ao governo de plantão. Algumas questões são consensuais e outras podem ser lançadas para que convirjam para um receituário democrático e eficiente. Pretensiosamente, lanço, abaixo, algumas diretrizes para seguir em frente com redução de danos.
Um executivo sem direito à reeleição reduz as negociatas e as bondades seletivas, com finalidade eleitoral. Presidente eleito precisa focar apenas em entrar para a história com uma administração decente e sem escândalos. Buscar reeleição às custas dos cofres públicos, seja para beneficiar amigos poderosos ou para produzir motociatas serão sempre infames, sem ordem de grandeza, porque afetam a dignidade nacional.
Ações complementares que exijam indicações consequentes de ministros são atos de decência que não são mais exigidos. No limite, temos até ministros escolhidos para os quais se constrói um aparato ministerial que lhe abrigue e de onde possa continuar fornecendo migalhas que para alimentar os abutres especialistas em esvaziar cofre públicos. Basta que se exija projeto, planos detalhados, com metas e datas, submetidas e monitoradas pelo Congresso, com direito a exigir substituição em caso, tão comum, de notória inaptidão com a pasta. Desta forma, um mínimo de meritocracia e controle de planos e metas podem, ao longo do tempo, resultar em eficácia. Se somados à drástica redução de cargos disponíveis, entre o segundo e centésimo escalão, em alguns casos pirâmides instáveis porque comprometidas por “rachadinhas”, pode nos colocar no patamar dos países civilizados, reduzindo a ordem de grandeza das indicações políticas.
No STF, com alterações pontuais que garantam um filtro mínimo de exigências profissional, antes do crivo congressual, ao qual se pode somar a liberação conceitual da própria instituição, além da necessária adoção de mandato, talvez por dez anos, que afaste ministros da quase santidade e os remeta ao universo dos mortais, sempre preocupados com o dia seguinte. O presidente continua escolhendo, mas dentre os selecionados para evitar abusos e erros históricos. Sem demagogia, qual o grau de instrução de Lula oi Bolsonaro para julgar a aptidão de alguém ao cargo de ministro da suprema corte? Claro, com o devido respeito ao processo eleitoral que lhe delegou esta tarefa, mas precisa definir limites.
Quanto ao Congresso, é uma questão que cada brasileiro precisa resolver, com responsabilidade e critério nas urnas, porque voto deve ser igual mulher ou mãe, que não se vende e nem se empresta. Se os eleitos forem dignos, o Congresso será sempre melhor e dele se espera apenas que termine a tarefa dignamente.
Que tarefa? A essencial; promover reforma administrativa a política que nos coloque de fato no século XXI.
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