Somos capazes de amenizar o impacto das enchentes?

Como acabar com as enchentes? Esse tem sido um questionamento recorrente no último mês, quando o Vale do Iguaçu voltou a sofrer com o transbordamento do rio. Desde a década de 70, diversos estudos têm tentado responder essa pergunta e a conclusão é de que é impossível por fim a essa situação, mas há esperança quando se trata de amenizar os efeitos das cheias. 

Somos capazes de amenizar o impacto das enchentes?

Primeiramente, para entender porque o Vale do Iguaçu é tão afetado pelas enchentes, é preciso entender o fator geológico. O professor e pesquisador Paulo Sérgio Meira Rocha explica que a bacia do Iguaçu é extensa. De Curitiba, onde fica a nascente, até União da Vitória, a declividade do rio é muito baixa, o que faz com que a água corra lentamente.

Já em Porto Vitória, o Iguaçu encontra uma barreira natural, que impede que o rio siga o ritmo do restante de sua extensão. Por essa razão, quando o volume de água é maior do que o trecho entre União da Vitória e Porto Vitória comporta, o Iguaçu se acumula e transborda.

Toda água vinda de Curitiba precisa passar por aqui. Caso União da Vitória esteja com tempo seco e com o Iguaçu dentro da caixa, a 4,89m, as chuvas registradas a montante, ou seja, de União da Vitória à nascente, não causam muitos problemas. Porém, quando o alto volume de água que precisa descer até aqui encontra o rio já extrapolando seu nível normal, os efeitos podem ser desastrosos. 


O que dizem alguns dos estudos

Os estudos de Milder-Kaiser Engenharia, em 1975 propunha a construção de diques de proteção. A intenção era minimizar possíveis impactos da usina de Foz do Areia, mas se mostrou desnecessária devido ao rebaixamento da cota de operação para 742m ante aos 744m previstos originalmente. 

Em 1984, o estudo de Magna Engenharia levantou duas alternativas, sendo elas a construção de quatro diques em torno das cidades, ou a construção de um canal de desvio do rio pelo bairro São Pedro. Ambas se mostraram inviáveis economicamente.

Em 1995, a pedido da Sociedade de Estudos Contemporâneos – Comissão Regional Permanente de Prevenção contra Enchentes do Rio Iguaçu (SEC-Corpreri), a Agência Internacional de Cooperação Japonesa (Jica) também analisou a situação do rio Iguaçu em União da Vitória e apontou sete alternativas para o problema. Contudo, apenas uma foi considerada viável, porém seu custo ficaria seria de cerca de R$ 852,6 milhões em valores atuais. Essa opção envolveria o zoneamento e realocação de moradores de áreas abaixo da cota 746m (enchente de nível 7,14m) aliado a construção de diques.


Retificações na Fazenda Brasil

Quatro propostas falam sobre a possibilidade da retificação (atenuação da curva) da calha principal do Rio Iguaçu na região denominada Fazenda Brasil, com a intenção de fazer com que a vazão escoasse em maior velocidade.

A primeira proposta foi apresentada por Tucci e Villanueva em 1997, e prevê a retificação com um canal de aproximadamente 2,8km. Tal canal poderia rebaixar o nível da enchente de 1983 em 21 cm. Obra com custo estimado em cerca de R$ 44,49 milhões em valores atuais. 

Em 2005, o Centro de Hidráulica e Hidrologia Prof. Parigot de Souza (Cehpar) sugeriu uma escavação de 7,8km de extensão, podendo diminuir em 93cm a cheia de 1983. A construção deste canal implicaria na substituição da ponte da BR-153, por uma ponte de maior vão, a fim de possibilitar a construção de uma nova calha com 240m de largura. O custo da obra seria de cerca de R$ 169,9 milhões em valores atuais.

A proposta apresentada pela comunidade estima um rebaixamento em 1,07m da enchente de 1983. Para isso, a curva da Fazenda Brasil deveria ser retificada através da construção de um canal por entre duas montanhas localizadas na margem direita do rio Iguaçu, aproximadamente 1km a jusante da “ponte do Arco”. Contudo, por prever um grande volume de escavação, pela complexidade geotécnica e necessidade de realocação de estradas e desapropriação de terra ocupadas, o projeto se mostrou menos viável em custo/benefício. Custo de cerca de R$ 155 milhões em valores atuais. 

A proposta mais recente, apresentada pela prefeitura de União da Vitória, prevê um traçado semelhante ao apresentado pelo Cehpar, porém, com retorno à calha principal antes da ponte da BR-153, com intenção de evitar a necessidade de ampliação da ponte. Estima-se que a proposta possa rebaixar em 43cm uma enchente como a de 1983. A estimativa do custo da obra é de R$ 76,45 milhões. 

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Outras duplicações

Outros estudos sugerem duplicações já em Porto Vitória. A primeira prevê uma duplicação na Colônia Amazonas, com a escavação de um canal de cerca de 3,6km, custando cerca de R$ 170 milhões em valores atuais, resultando em uma diminuição de 25cm no nível da enchente de 1983. 

Também foi sugerida a duplicação entre a curva da ressaca e Porto Vitória, com escavação de cerca 3,65km com diminuição de 28cm no nível da enchente de 1983. O custo da obra seria de cerca de R$ 158,1 milhões em valores atuais.  


Alargamento na calha principal do rio

Estudos também já sugeriram escavações para alargar a calha do rio. Duas propostas foram feitas. A primeira seria o alargamento em 50m entre a Fazenda Brasil e a Vila Zulmira, numa extensão de 10,3km. Obra poderia rebaixar o nível da enchente de 1983 em 41cm e custaria cerca de R$ 58,4 milhões em valores atuais. 

A segunda prevê alargamento de 50m no trecho do rio entre a Ressaca e São Nicolau, numa extensão de 7km, resultando em um rebaixamento de 21cm na cheia de 1983. O custo da obra seria de cerca de R$ 108 milhões em valores atualizados. 


E as corredeiras de Porto Vitória?

Os estudos realizados por Magna Engenharia, Jica e Tucci e Villanueva analisaram a possibilidade da retirada das corredeiras de Porto Vitória. A obra, contudo, foi considerada inviável economicamente e de grande impacto à natureza. Tucci e Villanueva inclusive apontaram a chance de esse tipo de obra gerar processos erosivos incontroláveis, afetando as cidades de União da Vitória e Porto Vitória. 

“Alguns estudos e projetos falam que as corredeiras de Porto Vitória seguram a água, e isso é fato. Agora, o que fazer, quem vai dizer é a engenharia. Como fazer, quem vai dizer é a engenharia”, comenta o professor Paulo. “Nós temos que trabalhar, unir forças e não ficar um debatendo com o outro. Temos que unir forças para fazer com que essa água escoe mais rapidamente entre União da Vitória e Porto Vitória”, completa. 


Auxilio técnico do IAT

Na tarde de terça-feira, 07, a prefeitura de União da Vitória informou que  encaminhou no dia 10 de abril deste ano um ofício ao Instituto Água e Terra (IAT) solicitando auxílio para a realização de estudos a fim de apontar possíveis soluções para amenizar as cheias no Vale do Iguaçu. O pedido antevia a possibilidade de uma nova cheia na região. 

Segundo ofício, “diante dessas ocorrências históricas num passado recente e considerando o que vemos e ouvimos nos noticiários locais e nacionais o nosso país está vivendo um momento muito delicado decorrente dos fenômenos climáticos”.


Quanto custa uma enchente? 

Os prejuízos de uma enchente envolvem perdas econômicas e também de bem estar. Os impactos emocionais não podem ser expressados em fatores quantitativos, mas é possível percebê-los. “Hoje você anda na cidade e você vê as pessoas cabisbaixas, preocupadas, irritadas, sem nenhum senso de humor porque está todo mundo querendo saber: quando que eu volto pra casa? Como é que eu vou fazer? Como é que eu vou recompor as minhas finanças?”, relata o secretário de governo de União da Vitória e mestre em Planejamento e Desenvolvimento da Bacia Hidrográfica, Gilberto Luis Gonçalves.

Os impactos financeiros de uma enchente, entretanto, podem ser mensurados. Os estudos realizados pela Jica apontam que uma enchente de cerca de 7,14m pode gerar prejuízos na casa dos R$ 247 milhões em valores atuais. Para uma enchente como a de 1983, o prejuízo estaria próximo aos R$ 750 milhões. 

Somos capazes de amenizar o impacto das enchentes?

Para a enchente deste ano, ainda não há uma contabilização dos prejuízos, mas Gilberto garante que será significativo. “Nesse momento é difícil você mensurar em valores, em quantitativo, o tamanho do estrago que essa enchente causou. Eu só posso dizer que os valores para nós, pobres mortais, é inatingível”.

Pensando nos prejuízos para pessoas físicas, Gilberto aponta que o grande problema é que a parcela da população que consegue repor os bens perdidos sem comprometer o orçamento familiar é pequena. “[A pessoa] vai ter que entrar em um parcelamento, geralmente em 10, 12 vezes, e isso compromete durante um ano mais ou menos a economia da grande maioria das pessoas. São pouquíssimas hoje que tem condições de chegar e comprar uma geladeira, uma máquina de lavar à vista”. 

Já no setor produtivo, Gilberto estima que a volta plena do funcionamento de empresas atingidas pela enchente deve demorar meses. “Consequentemente a economia de União da Vitória vai sofrer muito. Tanto na iniciativa privada quanto na iniciativa pública”. 

Quanto ao comércio, de início pode haver uma grande movimentação impulsionada pelas festas de fim de ano e apoios financeiros, como a liberação do FGTS, contudo, como já citado por Gilberto, grande parte das compras devem ser feitas através de parcelamentos, o que fará com que o dinheiro passe a circular em menor quantidade enquanto a população estiver comprometida com essas dívidas. “Acredito que a gente vá ficar mais desimpedido financeiramente a partir de 2025”.


Quem paga o prejuízo?

As enchentes causam um efeito dominó. Uma empresa atingida deixa de gerar emprego e renda. Por consequência, a vida financeira do trabalhador fica comprometida. Com menos dinheiro circulando, há menos consumo de bens e serviços. Por essa razão, a diminuição dos níveis de enchentes no Vale do Iguaçu é tão importante. 

Para Gilberto, o investimento em obras capazes de fazer com que as enchentes atinjam menos pessoas, mesmo sendo caras, seriam vantajosas quando analisamos os prejuízos que esse tipo de desastre causa. “Se essas ações já fossem executadas desde 1983, pelas enchentes que nós já passamos em 40 anos, os prejuízos financeiros que nós sofremos, com certeza já teria pagado toda essa infraestrutura empregada lá atrás”, analisa.    

Mas quem pagaria essa conta? Seja para realizar uma obra ou para arcar com os prejuízos da enchente, Gilberto lembra que toda a ajuda governamental é oriunda de impostos recolhidos de pessoas físicas e jurídicas. Sendo assim, de qualquer forma iremos empregar nosso dinheiro nas enchentes. Resta saber se para controlá-las ou para reparar seus estragos. 

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