Opinião: “STF decreta constrangimento à liberdade de expressão”
Basta um rápido olhar para a história dos países latino-americanos para entender a importância da liberdade de expressão. Nesta região, cujos países alternam entre 180 e 200 anos de independência, na maioria deste período, o comando oscilou entre ditaduras e regimes militares, sempre marcados pela intensa repressão à liberdade expressão e, nos períodos menores, mas não menos intensos, de democracia, houve inequívoco respeito à imprensa livre a suas manifestações.
Para haver democracia de fato, algumas condições precisam ser implementadas e, neste contexto, fica fácil entender por que a liberdade de expressão é um valor inegociável.
Neste momento, a nação brasileira assiste inquieta ao ataque do STF, ainda que tangencial, à esta liberdade. Refiro-me a decisão do Supremo que permite, a posteriore, responsabilizar veículos de imprensa ou jornalistas por declarações de seus entrevistados, abrindo uma avenida de possibilidades para restringir o trabalho de qualidade e independência dos veículos de comunicação.
Valendo-me de um exemplo extremo, observe a possibilidade de, em 2021 por hipótese, um jornalista entrevistar alguém que declare que o atual presidente Lula é corrupto, respaldado pela condenação em três instâncias e sua consequente prisão, portanto, naquele lapso de tempo, uma assertiva que tinha suporte legal. Pois bem, a posteriore, como a legislação aprovada permite, o STF pode entender que a entrevista foi leviana e o jornalista agiu de má fé, abrindo a possibilidade de sua punição.
Por dever de justiça, girando 180 graus o ângulo de visão, qualquer veículo de imprensa que transmitia ao vivo os episódios de 8 de janeiro, por força das imagens que toda a nação assistiu estarrecida, poderia ter entrevistado alguém, ou o fez, que apontasse o dedo para militares ou para a direita com acusações graves de tentativa de golpe ou ato terrorista, talvez até com contundência como o clamor dos fatos sugeria. Se interpelados agora, talvez a leitura esteja, para o cidadão comum que participou, muito mais próxima à atentado contra o patrimônio público, embora não elimine a acusação contra uma fração menor dos participantes. À luz da decisão do STF, poderíamos punir aqueles veículos?
O Supremo entende, de acordo com sua determinação, que se houver “indícios de falsidade e o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação dos fatos e na divulgação de indícios e na divulgação de informações comprovadamente injuriosas ou mentirosas”. Muito simples não acham?
Imaginem a situação, factível a partir de agora, em meio a um fato impactante, com entrevista ao vivo, ao se deparar com uma declaração mais forte, deve o repórter declarar “por gentileza, peço desculpas ao público e ao entrevistado, mas preciso recorrer ao nosso estúdio para que proceda uma ampla investigação das declarações para que possamos prosseguir com a apuração dos fatos”.
Se isto não implica em inibir a liberdade de expressão, é necessário que o STF nos remeta à sua apostila que revisa tudo que aprendemos em nossas caminhadas.
Todos nós, veículos tradicionais, com credibilidade, e jornalistas respeitados aprendemos que liberdade de expressão impõe o binômio liberdade e responsabilidade, sempre avaliada à luz das variáveis e fatos conhecidos naquele momento. Toda e qualquer entrevista, verificada com a variável cronológica, será sempre apenas uma foto, se alterarmos a unidade de tempo e a julgarmos à frente, quando novos fatores, interpretações e informações podem se tornar de conhecimento público, teremos um filme completo, cuja edição não estava liberada na data do fato inicial. Seria este veículo passível de penalização, quem sabe até por decisão monocrática?
O dever exige que eu me manifeste, e sei que muitos de vocês me acompanham; a decisão do STF pode e precisa ser interpretada como uma ameaça à liberdade de expressão, restringindo a ação da imprensa e apontando uma possibilidade de criminalização de nossas ações.
Reajo ao ato que toma nossos anéis porque preciso defender os dedos e, quem sabe, à frente, nossas mãos que têm o compromisso de escrever a verdade dos fatos sempre com independência e responsabilidade.
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