Opinião: “Instrumentos para aprimorar nosso presidencialismo”
Em especial nas últimas décadas, construímos um senso comum que nosso regime de presidência de coalizão está muito longe de um modelo que conduza ao aprimoramento de nossas instituições e mereça a aprovação do cidadão comum. Acredito que, sem alterar o regime, precisamos buscar nas ferramentas do parlamentarismo, instrumentos que nos ajudem a superar os gargalos do atual sistema.
A nossa cultura política, comum a boa parte dos países latino-americanos, está sempre à procura de ícones, caudilhos ou apenas líderes carismáticos, em comum, para todas as nomenclaturas; políticos personalistas que, com discurso ou marketing, conquistam votos e o coração de milhões. O problema é que sempre ocorre uma dissociação entre lideranças e espectro ideológico ou partidário, via de regra, estes campeões de voto estão acima da limitada esfera partidária e muito acima das métricas ideológicas. Todavia, quando eleitos, precisam viabilizar a governabilidade construindo alianças que quase nunca se enquadram no modelo republicano.
A construção da maioria para governar não aponta para convergência de ideias ou planos, até porque estes normalmente nem existem. É apenas o famoso balcão de negócios, cujas moedas são cargos e emendas nas versões mais recentes.
Observe que Lula 3 se aprimorou e admitiu até a inversão de ordem; escolheu-se nomes, em acordos partidários, e, por algumas semanas, se buscou um ministério que pudesse ser entregue a estes nomes, bastando que tivesse verbas e status e sem considerar qualquer compatibilidade de currículo ou experiência dos escolhidos com o cargo definido. Surreal! Em sem dúvida, subproduto da pior qualidade da presidência de coalizão.
Bem, vamos agora linkar esta leitura com os instrumentos do parlamentarismo, proposta do texto.
Uma indicação de ministro, nos modelos mais tradicionais de parlamentarismo, não constrange a escolha pessoal do presidente ou dos partidos, mas impõe exigências extremamente sensatas para a aprovação do nome. Projetos!
Não basta um conjunto de ideias vazias, mas se exige planos detalhados, com fartura de números, ponto de largada e de chegada, com prazos bem definidos, além de parâmetros que possam ser verificados pontualmente em períodos estabelecidos. Ganha-se o cargo e a missão de coordenar o plano aprovado, que não precisa e nem deve se limitar ao tempo do mandato.
Tudo muito simples; a cada semestre ou ano, o ministro vai ao parlamento prestar contas, demonstrar cada parâmetro atingido e justificar eventuais desajustes. Tudo em ordem, segue em frente, sem êxito nas missões, fim de linha, independente de apoio político, cabendo ao presidente ou ao partido a indicação do substituto. Tal procedimento atende pelo nome de voto de desconfiança e permite fundir conceitos de meritocracia com indicações políticas, no limite da responsabilidade técnica.
Por brevidade, enumero apenas mais um instrumento; o voto distrital, que na minha opinião precisa ser misto, e os mecanismos de recall. O índice de quase metade de eleitores que nem mesmo se lembra em quem votou talvez seja a motivação mais lúcida para dividir estados e municípios em distritos, espaços geográficos, correspondentes ao número de vagas disponíveis ou sua metade, reservando a outra metade para ser disputada no universo geográfico completo.
Dessa forma, a eleição se torna financeiramente mais acessível para o cidadão comum, o sistema foge do controle rígido, um tremendo limitador da nossa democracia, que permite que as legendas fortes definam seus preferidos e usem recursos e legenda para garantirem suas vitórias. O mais importante é que a distância entre eleitor e eleito será muito menor. Os escolhidos estarão próximos, frequentando a mesma igreja, mercado, espaços de lazer e muito mais acessível ao eleitor, gerando identidade com suas demandas, diálogo refinado e reduzindo a força da pressão do executivo pela limitação e área que impede que o eleito busque novas fronteiras eleitorais.
No limite da tua paciência, paro por aqui, não sem antes registrar que alguns outros instrumentos podem também ser incorporados e nos credenciar para um avanço qualitativo da nossa democracia.
Voltar para matérias