Opinião: “Tempos de intolerância”
Convido você a pensar comigo. Tenho observado, com frequência crescente e em muitos países espalhados pela aldeia global, que se está se estabelecendo um padrão diferente para duas situações que deveriam ser complementares. É necessário um discurso radical, de qualquer ordem, para obter aprovação eleitoral, mas, ao chegar ao poder, vindo de qualquer espectro ideológico, será sempre imprescindível guinar para o centro para garantir governabilidade. Virou regra em todo o mundo?
Não posso estabelecer um padrão definitivo, mas é bom ficar atento a esta tendência e, para dar substância ao raciocínio, apresento uma lista eclética de exemplos.
Comecemos pela América do Sul. Lula ganhou com um partido e discurso de esquerda, chegando ao poder, pressionado pelas regras da presidência de coalizão, migrou para a centro esquerda e se fez refém do Centrão no Congresso. Se olhar para o lado, nossos Hermanos argentinos elegeram o autoproclamado anarcocapitalista Javier Milei com um forte discurso de extrema direita. Acomodado no poder, tem iniciado a gestão com postura bem mais moderada, também com postura mais ao centro e muito mais moderada. Em ambos os casos, a ideologia se restringiu muito mais à pauta de costumes do que à ação política.
Os americanos também já assistiram este filme, com a mudança dos atores principais. Trump, da ponta direita, e Biden, da ponta esquerda, também estabeleceram padrão de governabilidade muito mais próxima ao centro do que as posturas eleitorais. As pesquisas e os ajustes congressuais os movem em direção ao centro.
Mesmo na Europa, verificamos exemplos contundentes deste modelo. A Itália foi impactada com a surpreendente vitória da extrema direita em 2022, com Georgia Meloni, cujo slogan de campanha era “Deus, Pátria e Família” pra não deixar dúvidas. A suave premier italiana também migrou para o centro para garantir governabilidade. Mais recente, a extrema direita venceu, praticamente em 2024, as eleições na Holanda, todavia as composições exigem um ajuste ao centro para consolidar a vitória.
Retornando do giro mundial por países tradicionais, se pode dar algum peso ao raciocínio e isto nos leva a novas reflexões. Se ao vencer, com qualquer discurso, é necessário migrar e governar com postura mais centrista, por que, em quase lugar nenhum, o centro consegue se impor como opção preferencial?
Como a eleição é obviamente definida pelos eleitores, qualquer resposta só pode ser obtida na análise de seu comportamento. Olhando de relance parece evidente que o cidadão comum aprova o discurso mais forte, como fato que salta aos olhos e, registrando que pode ser apenas uma visão unilateral, diria que a polarização tomou conta do debate político e contaminou almas e corações pouco versados em cultura ou debate político.
O marketing se tornou peça essencial para o jogo político, ainda mais relevante que nas décadas anteriores, e amparado pelo recente arsenal derivado das possibilidades digitais se tornou mais efetivo, definitivamente convencendo cidadãos de qualquer métrica que eleição é guerra e vencê-la é essencial para o bem-estar pessoal e familiar.
Houve um tempo saudoso onde eleitores espontaneamente vestiam as camisas de seus partidos e candidatos, se dedicavam à prospecção de votos e garantiam fidelidade do grupo familiar, como se fosse um jogo de futebol, ainda que um clássico renhido, mas, ao final da disputa as animosidades se cessavam porque a civilidade era regra essencial.
Tenho dificuldade em enxergar civilidade no eleitor típico de direita ou de esquerda. O rancor explode na pupila dos olhos, exalando uma energia negativa que inibe o diálogo, que impede a convergência porque todo o treinamento é voltado para o confronto. Em uma reedição contemporânea do mito da caverna, a busca da verdade deixa de ser a preocupação central do indivíduo porque ninguém quer se libertar de eventuais enganos e a ignorância é propriedade particular do oponente porque a verdade virou patrimônio ideológico.
Apenas espero que a temática municipal se imponha no pleito local e o hiato de tempo atenue as emoções intensas que atormentam cidadãos lançados sem treinamento nas batalhas eleitorais, onde se escreveu com cores de sua tendência que o inimigo precisa ser exterminado para que as famílias e a Nação sobrevivam.
Tempos difíceis, tempo de intolerância.
Napoleão Bonaparte, no início do século XIX, já dizia que a multidão não segue o líder por suas causas, mas por sua influência que, ouso traduzir, por ideias não nos comovem, mas somos vocacionados para nos apaixonarmos por personalidades.
Talvez este seja o problema; o mundo não quer ideias, mas apenas líderes que possam seguir e obedecer cegamente.
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