Governos começam a proibir celulares nas escolas; moda deveria pegar?
Nada de celulares nas escolas. Essa é a norma imposta pelo governo da cidade do Rio de Janeiro, que proíbe que alunos utilizem os aparelhos mesmo durante o intervalo. A medida foi tomada após aprovação em consulta pública. Em 2023, o município já havia proibido o uso de celulares em sala de aula, e agora estendeu o embargo para todo o ambiente escolar visando incentivar a interação e convivência dos alunos entre si. A exceção é o uso para fins pedagógicos, quando aprovado pelo professor.
Em São Paulo, a Secretaria Estadual de Educação bloqueou da rede de internet wi-fi e cabeada uma série de aplicativos em todas as escolas estaduais. Entre eles estão o Instagram, o Facebook, o Tik Tok e plataformas de streaming como a Netflix.
Cada vez mais comum, essa imposição de limites vem ao encontro de recomendações feitas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que mostrou em relatório divulgado no ano passado que “a simples proximidade de um aparelho celular era capaz de distrair os estudantes e provocar um impacto negativo na aprendizagem em 14 países”.
Mas o aparelho não é um vilão em todos os aspectos. O relatório também abordou a importância do celular para auxiliar na aprendizagem, principalmente em períodos em que o comparecimento à sala de aula é comprometido, como no caso da pandemia de Covid-19.
Parte corriqueira do nosso dia a dia, o uso de celulares tem sido desencorajado no ambiente escolar, mas sem abrir mão dos benefícios da tecnologia. Em Porto União, a secretária de Educação, Aldair Muncinelli, relata que nas escolas do município, segundo o regimento escolar, é vedado ao aluno o uso de objetos que emitam sons que possam perturbar o ambiente, incluso nessa lista os celulares, exceto quando solicitado o uso para interesse coletivo. “Ressaltando que, caso o objeto seja retido, o mesmo só será devolvido aos pais ou responsáveis. Na realidade, para os alunos de quinto ao nono nós compramos tablets que são usados na sala de aula quando o professor solicita em qualquer disciplina. Mas, se a pergunta era sobre o uso do celular indiscriminadamente, realmente isso não pode acontecer, porque o professor está ali, fez seu planejamento, preparou sua aula e o aluno precisa prestar atenção para aprender”.
Em União da Vitória, a indicação é semelhante. Segundo o secretário de Educação, Ricardo Brugnago, o uso de celular para fins não pedagógicos é proibido no ambiente escolar para que os alunos possam manter a concentração. Também destaca que o município fornece tablets para todos os alunos, o que gera isonomia na questão do acesso à tecnologia em ambiente escolar, visto que, independente da condição financeira familiar, todos os estudantes da rede municipal utilizam o mesmo tipo de aparelho. “Esses tablets visam, naquele momento apropriado de aprendizagem, gerar a integração, possibilitando também que todos os alunos, indiferente daquele que possui ou não um meio tecnológico, tenham tablet do primeiro ao quinto ano de maneira gratuita dentro das nossas escolas. E, nesse sentido, os professores também com seus chromebooks conseguem fazer um acompanhamento aliando a tecnologia ao processo de ensino-aprendizagem. Então nós destacamos aqui que os meios tecnológicos podem e devem ser utilizados, mas de maneira pedagógica. Nesse sentido cabe, portanto, estarmos enaltecendo a proatividade, o trabalho, o comprometimento dos nossos professores em ter tablets como seus aliados. Mas, mais uma vez, celulares, esse sim com uma restrição muito maior. De preferência não levem celular para a escola, haja visto a segurança, todas essas questões. A gente prefere e orienta aos nossos alunos e alunas para que não levem seus celulares às nossas instituições escolares. Levem, sim, seus tablets sempre que o professor pedir, e aproveitem o lado humano da escola, a socialização, a conversa, o intervalo e também prestem muita atenção nos ensinos dos seus professores”, aconselha.
Na rede estadual de educação do Paraná, de acordo com o chefe do Núcleo Regional, Mário Francisco Dalgallo, não há legislação que proíba o uso de celulares nas dependências da escola, mas que os regimentos escolares disciplinam o uso durante a aula. Além disso, explica que faz parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a responsabilidade da escola em ensinar o uso de tecnologias. “É um assunto que a gente precisa trabalhar mais. Precisamos fazer esses acordos, essas discussões com professores, com pais, com a sociedade, disciplinando o uso das tecnologias em sala de aula. Mas até o momento não existe uma legislação que proíba. É um assunto que nós precisamos ainda amadurecer e eu entendo que nós, enquanto educadores, enquanto escola, temos que preparar os nossos alunos, nossos jovens para uma educação do uso das tecnologias. Também estabelecendo limites, tempo que eles ficam em frente dessa telinha. A escola sozinha não consegue dar conta de todos esses trabalhos, dessa ação. É preciso que os pais, os responsáveis, acompanhem, disciplinem, mantenham horários para que essa criança também faça outras atividades recreativas que são importantes e não fique presa somente às telas de um computador, de um tablet ou do celular. Nós estamos trabalhando no sentido de educar os nossos jovens, nossos estudantes, ao uso moderado dessas tecnologias. E, principalmente em sala de aula, existe uma orientação, uma determinação, que a escola reúna junto com seu conselho escolar, com os pais e professores, e estabeleça essas regras, esses acordos referentes ao uso dessa tecnologia”.
A neuropsicanalista Carina Wahl de Almeida aponta que os celulares são fontes de distração que podem afetar a capacidade de aprendizagem pelo fato do nosso cérebro não ser capaz de focar em duas tarefas ao mesmo tempo. Uma simples notificação pode trazer ansiedade e fazer com que o aluno se concentre na necessidade de saber sobre o que se trata a mensagem na tela. Porém, Carina também indica que existem formas de utilizar o aparelho de forma produtiva em ambiente escolar. “O que é importante nesse caso é que sejam estabelecidos acordos, que esse celular deve ficar no silencioso, que esse aluno só pode utilizar como uso de ferramenta, que ele pode utilizar o celular de repente no intervalo ou algo do gênero, depende muito de quais são as as regras que existem dentro desse colégio. Mas esses acordos são fundamentais. O celular não é uma arma, não é uma coisa horrível, ele só precisa ser bem utilizado e com criança e com adolescente funciona o combinado. Feito uma negociação e estabelecidas as regras, ela pode ser uma ferramenta muito boa de aprendizado”.
Falta de controle pode trazer riscos
Limitar o tempo de tela para crianças e adolescentes é benéfico para o desenvolvimento. “Nós temos um vício e uma dependência desse uso excessivo, desse uso abusivo desses dispositivos eletrônicos. Isso porque vai gerar o que nós chamamos hoje de dopamina rápida. Ela vai liberar essa fonte de prazer, que é a dopamina, e isso vicia. É uma fonte de prazer, assim como várias questões de alimentação, álcool, drogas, são fontes de prazer, mas que não são benéficas quando usadas em excesso”, explica Carina.
Outra preocupação é a privação de sono, uma vez que os estímulos e liberação de dopamina proporcionados pelo uso de telas pode ser mais atrativo que uma noite de descanso adequada. Isso pode levar a criança e o adolescente a alterarem o ciclo natural de sono, gerando fadiga durante o dia, o que pode acarretar em falta de concentração no período letivo.
A neuropsicanalista destaca, ainda, o isolamento social e problemas de saúde relacionados ao uso desenfreado de telas. “Essa criança e adolescente acaba se isolando, fica muito tempo sozinho, porque ali ele tem tudo que ele precisa. Ele acha que tem tudo que ele precisa dentro daquela tela, então ele acaba se isolando. Ele não brinca mais com os amigos e isso dificulta uma comunicação. Então é uma pessoa mais introvertida, uma pessoa que não sabe conversar quando está no meio social. Outro ponto são os problemas de saúde física. Postura, visão. [O jovem] fica muito deitado, fica torto, fica sentado curvado. Vai atacar a questão da cervical. Problema de visão. Tudo que é excesso faz mal”.
Em contrapartida, desde que com cautela, o uso de celular pode auxiliar no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Entretanto, para isso, Carina indica que é precioso que os pais e responsáveis fiquem atentos ao conteúdo que é consumido pelos jovens. “O que é mais importante é a questão da participação dos pais no que essa criança e adolescente está assistindo. Temos ferramentas de organização para que essa criança, esse adolescente principalmente, já consiga fazer a gestão do seu tempo. Tem conteúdo criativo, edição de fotos, vídeos, coisas que eles gostam bastante, principalmente na adolescência. Então, ela pode ser sim uma ferramenta útil. Mas é importante que os pais estejam envolvidos e supervisionem o uso desse celular”.
Como limitar o uso de telas sem gerar atritos?
Mudanças comportamentais como alterações de humor, irritação, agressividade, dificuldade de concentração, ciclo de sono desregulado e queda no desempenho escolar são alguns indícios de que o uso de tela pode estar prejudicando a vida de uma criança ou adolescente. Carina indica que, uma vez identificado o problema, é essencial que os pais ou responsáveis conversem com os jovens e expliquem os benefícios de se limitar o uso de telas. “Outro ponto importante é esse pai e essa mãe oferecerem atrativos para essa criança, para esse adolescente. (…) Também um combinado, vamos jogar, vamos brincar, vamos conversar, vamos sair, fazer atividades em conjunto que envolva essa criança, esse adolescente. Com toda certeza, ela vai diminuir um pouquinho [o uso de telas] e vai entender que depois disso ela pode usar a tela um pouquinho para ela ter o momento dela de prazer e de lazer”.
E caso o jovem não aceite os limites impostos? A neuropsicanalista aconselha que proibir não é o melhor caminho. “Questões rigorosas, como uma proibição, vão gerar muita resistência e conflito. E qual é o maior problema da questão da proibição? Essa criança e esse adolescente vai começar a fazer as coisas escondidas, e aí é um problema. Aí a gente faz de uma maneira clandestina, e aí vai indo para um caminho errado. Então, principalmente no mundo em que nós estamos, com um monte de informação, informações incorretas, é melhor que essa criança, esse adolescente, esteja ali com você, com o seu acompanhamento, com a sua supervisão, com o seu controle do que ela faz escondido. Proibir não é a melhor solução. Esteja junto, combine, limite, negocie, mas não proíba. Proibir esse uso de telas pode preparar os filhos para situações lá na frente de fazer coisas escondidas e não a dividir, não compartilhar, não pedir ajuda”.
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