Opinião: “Eleitores votam para prefeito, mas esperam por heróis”
Talvez esteja incrustado no imaginário popular, mas a verdade é que, ao chegar eleições, ninguém quer saber de debates, ideias ou prioridades, para quase todo mundo a questão é identificar um herói que, investido na função, resolverá, talvez por passe de mágica todos os problemas do município. Por isso, a taxa de decepção com políticos é sempre crescente.
O nosso modelo federativo sempre foi uma tortura para o município, quase tudo que se arrecada vai à Brasília e volta em migalhas insuficientes para enfrentar os desafios locais. A reforma tributária minimizou esta situação, mas os municípios continuam sendo o primo pobre da nossa federação.
Cada vez mais, os municípios dependem de complementações, verbas do governo estadual e de seus deputados para sanar suas demandas emergenciais e isto talvez explique que não há solução a curto prazo. Observe que é sempre agradável para os escalões mais elevados da política se beneficiar desta dependência dos executivos municipais. Sem medo de errar, eu afirmo que não dá para ser bom prefeito sem ajuda externa porque os recursos locais cobrem apenas o básico e qualquer ação importante ou obra relevante dependerá da parceria com governo estadual e/ou federal.
A quase insolvência dos municípios exige que cada prefeito faça plantão na capital do estado e no gabinete de seus deputados suplicando verbas e audiências nas secretarias e, principalmente, nos ministérios, caminho único para angariar recursos que viabilizem obras e melhorias. Sem verbas, sem obras e, provavelmente, déficit de avaliação eleitoral. Esta dependência é extremamente importante para o jogo político, verticaliza a relação de dependência, valoriza a ação de quem tem mandato, gera uma grandiosa barreira de entrada na política, afinal como um nome novo pode combater alguém que tem mandato e acesso as verbas?
Em rápida análise, verificamos muitas consequências desta situação na nossa representatividade, além de reduzir as chances de renovação do quadro político, a dependência de prefeitos com governador e deputados, estes também, para mostrar serviço e crescer eleitoralmente, precisam do governo, fonte das verbas, e, por isso se tornam reféns do executivo que formam imensas maioria silenciosas que trocam verbas por apoio incondicional. Como se observa, reter impostos no topo, ajuda sustentar todo “status quo” da política.
Voltando ao município, na hora do voto seguimos a tradicional regra brasileira; a escolha é sempre personalista e, quase sempre, desconsidera projetos e equipe do candidato. Registro que, principalmente após a intensificação da polaridade, é possível que a parceria com o governador seja ainda mais relevante e a métrica ideológica possa, nesta eleição, ter alguma influência na definição de voto.
Lula ou Bolsonaro, sozinhos, não tem capacidade de eleger ninguém, mas é justo afirmar que a proximidade com um ou outro vai gerar rejeição e aprovação de cada candidato, ajudando na escolha do eleitor.
Acredito que a dificuldade de se efetuar escolha mais qualificada tem muito a ver com a omissão da sociedade civil organizada que não percebe a importância de participar e mediar o debate eleitoral, renunciando ao direito e da obrigação de apresentar demandas e prioridades da cidade, libertas das amarrações partidárias.
Sem cobrança, sem participação ou debate, planos de governo são peças de ficção feitas por algum assessor qualificado, muito mais focado no marketing que na realidade local. Importa estabelecer bandeira convincentes para angariar votos porque, vencendo as eleições, caberá ao eleito definir tudo de maneira soberana, sem compromisso de ouvir, inclusive porque não é cobrado no processo eleitoral.
Infelizmente, tudo indica que, de novo em 2024, o processo seguirá tortuoso porque nossas lideranças preferem a omissão que os protege do que a participação que pode comprometê-los. Presidentes das associações comerciais, clubes de serviço, entidades de classe, sindicatos de toda ordem, enfim toda forma de organização social precisa exercer a sua função de zelar pelo futuro do município e nada mais propício que um debate franco sobre nossas prioridades.
Sem isso, a eleição segue deficiente. Candidatos vendem ilusões e eleitores votam para prefeito desejando que heróis cuidem de suas cidades e, pior, sem filtro na escolha dos vereadores, a Câmara continuará sendo apenas apêndice do Poder Executivo.
O processo está apenas no início, basta boa vontade, um pouco de desprendimento e um mínimo de coragem para tornar o pleito uma grande oportunidade de garantir um mandato mais eficiente.
O que acha de exercer a sua cidadania em 2024?
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