Família de Everson Moreira ‘Sagui’ clama por justiça
O dia 14 de março de 2024, uma quinta-feira, deveria ser mais uma data comum na vida de Everson Moreira. Logo nas primeiras horas da manhã, por volta das 06h20, o trabalhador saiu de casa e seguiu o trajeto que fazia diariamente para esperar o ônibus da empresa em que trabalhava há 12 anos. O ponto de espera ficava a uma quadra de distância de sua casa, no bairro São Pedro.
Contudo, Everson percebeu algo fora do comum. Segundo relatos de testemunhas, o homem teria visto duas pessoas em uma moto, uma delas segurando uma arma de fogo. Everson saiu da rua João Pessoa, por onde transitava, e tentou fugir para a rua Professor Didio Augusto. Antes, teria alertado a testemunha – uma senhora que pegava o ônibus com ele – sobre os suspeitos, pedindo para que a mulher voltasse, pois os homens estariam armados.
De acordo com a testemunha, os homens se aproximaram de Everson mostrando a arma e, na sequência, realizaram quatro disparos. Dois deles atingiram a cabeça de Everson, que caiu no local. “Conforme uma testemunha, ele pediu ‘por favor não atire’. E esses seres humanos, que a gente não pode nem dizer que são pessoas, chegaram sem dó e piedade e atiraram nele e acabaram com as nossas vidas e acabou com a vida dele, uma pessoa que não merecia nunca estar passando por isso”, relata Michele Coelho, esposa de Everson.
A vítima foi socorrida e encaminhada para o hospital São Braz – São Camilo, onde ficou internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) até a tarde de sexta-feira, 15, quando teve a morte cerebral confirmada pelos médicos, aos 51 anos.
“Nossa vida era um para o outro”
Everson e Michele eram casados há 20 anos. O relacionamento deu fruto ao filho Sérgio Rafael, hoje com 19 anos. Everson também era pai de Franciele Almeida, que atualmente mora nos Estados Unidos.
No dia do crime, Michele saiu de casa por volta das 08h da manhã para levar o filho ao trabalho. Quando passaram pelo local dos disparos, viaturas da polícia já estavam presentes, e a área já estava cercada. Michele conta que chegou a desacelerar o veículo para ver com mais detalhes o que estava acontecendo e percebeu que havia uma pessoa no chão. No mesmo momento, Sérgio pegou o celular para buscar informações. Nas redes sociais já se falava sobre a ocorrência de um homicídio no bairro São Pedro.
Os dois, porém, ainda não sabiam que a vítima era Everson. Michele só descobriu quando chegou na casa da mãe para tomar café. A informação veio por intermédio do cunhado, policial militar de Porto União. Quando chegou ao hospital, Michele ficou sabendo que o estado de saúde do marido era gravíssimo.
Moradores do Vale do Iguaçu desde o nascimento, Michele jamais imaginou que o casal pudesse ser vítima desse tipo de crime morando em uma cidade pacata. “Nunca passou pela nossa cabeça um assassinato, ainda mais dessa maneira”.
Agora, 15 dias após o assassinato, Michele e o filho sentem medo, visto que ainda não se sabe o motivo do crime. A única certeza da mulher é de que tudo irá mudar. A decisão de alugar a casa em que morava com Everson já foi tomada. Michele irá morar mais próxima da mãe e deixar o bairro em que viveu com o esposo durante tanto tempo. “Não aguento passar naquela rua todo dia e lembrar de tudo o que aconteceu. E a casa também. A casa que a gente construiu junto, tentamos deixar o mais confortável possível para a gente viver bem dentro dela. E tem muita lembrança. (…) A nossa vida era um para o outro”.
“Naquele momento o mundo parou pra mim”
Franciele mora há cinco anos nos Estados Unidos. Devido ao fuso horário, ainda estava dormindo quando o crime aconteceu. Ela acordou com o toque do celular. Quando viu que era uma chamada de sua prima, ignorou, achando que fosse uma das crianças ligando por brincadeira.
Como costuma deixar o wi-fi do celular desligado durante a noite, não recebeu notificações de mensagens. Mais tarde, quando acordou e decidiu ver as conversas do WhatsApp, descobriu que havia mais de 35 ligações perdidas e que todas as mensagens recentes eram de membros da família. “Naquele momento eu tive a certeza absoluta de que algo tinha acontecido”, recorda.
Mais uma vez Franciele recebeu uma chamada feita pela prima, que desta vez conseguiu dar a notícia do crime contra Everson. “Naquele momento o mundo parou pra mim, eu desmoronei. Eu chorava, gritava, dava soco na parede. Eu não conseguia entender o que estava acontecendo e o porquê daquilo. Como alguém sai de casa na intenção de acabar com a vida de alguém?”, questiona.
Por morar no exterior, Franciele não conseguiu comparecer ao enterro do pai, mas esteve “presente” por meio de uma videochamada. A vida daqui para frente, segundo ela, será dolorosa. “Vai ser muito difícil chegar no Brasil e saber que não vou mais ver ele, não vou mais abraçar, sentir o cheiro dele, saber que ele não vai estar mais ali fazendo um churrasco pra família toda. (…) Minha família inteira ainda está em choque e sem acreditar. Ainda é muito difícil falar sobre o assunto sem chorar, sem sentir uma dor profunda. Meu irmão e minha madrasta estão sem chão. Está sendo uma barra muito mais difícil para eles, pois eles conviviam com o meu pai todos os dias. Esperavam por ele chegando do trabalho”.
Doação de órgãos
Segundo Michele, a morte não costumava ser um tema das conversas do casal. A ideia de doar os órgãos teria partido da cunhada. Franciele recorda que a avó, mãe de Everson, havia passado por um transplante de rim anos atrás, o que pode ter pesado na escolha. “Acho que nada mais justo que ajudar a salvar outras vidas. Tenho certeza que tanto ele [Everson] quanto ela [a avó], ficaram bem felizes com essa decisão”, comenta Franciele.
Por se tratar de uma morte cerebral, muitos dos órgãos de Everson estavam em situação apta para a doação. Pensar que uma família que estava lutando pela vida de um ente querido ajudou no momento da decisão. Michele não sabe ao certo quais órgãos puderam ser transplantados, por se tratar de um tema de sigilo médico. O que ela sabe é que duas equipes, uma do Rio Grande do Sul e uma de Santa Catarina, vieram para Porto União realizar a captação dos órgãos. “Ele até depois da morte ainda conseguiu ajudar muitas pessoas. Ele sempre queria ajudar todo mundo. Ele tirava dele para dar para os outros, ele nunca foi uma pessoa gananciosa. Sempre uma pessoa do bem. (…) Foi uma forma, também, de acalentar um pouco a nossa dor, porque a gente sabe que ele salvou outras vidas”.
Paixão pelo futebol
A morte de Everson gerou grande comoção no Vale do Iguaçu. Conhecido como Sagui, o apelido foi dado quando ainda era criança, devido a baixa estatura, rapidez e inquietude. Foi com o apelido que Everson ficou conhecido nas cidades, e também com essa alcunha que conquistou o mundo em 1999 no Segundo Campeonato Internacional Industriário de Futsal junto com a equipe do Miguel Forte. A disputa aconteceu na Bulgária. Na final, contra uma equipe da Rússia, o placar foi de 3×2 para os brasileiros. Um dos gols do título foi marcado por Sagui.
Everson também representou a equipe de União da Vitória nas séries ouro, prata e bronze do Campeonato Paranaense de Futsal, além de ter participado de diversos campeonatos amadores na cidade e região. Como reconhecimento à sua dedicação ao esporte, e como forma de manter viva sua lembrança, no dia 20 de março foi anunciado pela Secretaria Municipal de Esportes de União da Vitória que a tradicional competição municipal de futsal agora passará a ser conhecida como Copa União Troféu Everson Moreira Sagui. “O amor, a dedicação dele pelo futebol e pelo esporte sempre foi muito grande. Ele incentivava muito o futebol”, comenta Michele.
A família também lembra de Everson como um homem amoroso, bondoso, dedicado, trabalhador, sempre de bem com a vida e que se dava bem com todos à sua volta. Franciele destaca que o pai mantinha o sorriso no rosto. Que amava fazer churrasco, sendo o churrasqueiro oficial em todo lugar que ia. Também mantinha dedicação com os carros da família, além do gosto por ouvir músicas, que o mantinha sempre cantando. “Espero que ele seja sempre lembrado por seu sorriso, por seu coração bom e justo, seu caráter, sua índole, sua alegria de sempre”, pede.
Justiça por Sagui
Os suspeitos do assassinato de Everson ainda não foram identificados. Testemunhas relataram que os dois homens que estavam na moto vestiam roupas pretas e estavam de capacete, o que impediu que os rostos fossem vistos. A família acredita que os tiros que atingiram Everson eram destinados a outra pessoa. “A gente quer respostas. A gente clama por respostas e quer saber por que isso está acontecendo. Quem fez isso com ele. Essa injustiça, porque não foi um assalto, nenhum princípio tem indícios que foi assalto. Simplesmente foram dois marginais que resolveram sair atirando. E o meu marido, o inocente, pagou por isso, por estar ali, indo trabalhar. (…) Mas a gente tem fé. Fé que vai aparecer o culpado. Mais cedo ou mais tarde vai ter que aparecer. E quer explicações. Por que foi com ele e para quem que era aqueles tiros, porque ele foi, ao que tudo indica, [morto] por engano. Certeza que foi por engano porque ele não devia nada”, afirma Michele.
No sábado, 22, familiares e amigos organizaram uma manifestação clamando por justiça. A caminhada passou pela área central do Vale do Iguaçu, e as faixas de protesto pediam “Justiça Por Sagui”. A campanha também está nas redes sociais. A intenção da família é que novos atos sejam realizados para que o caso não caia no esquecimento. “Eu acho muito importante continuar com esses movimentos para que a comunidade veja que não vamos desistir da justiça e não vamos nos calar. Desejamos que os responsáveis paguem por isso. E quanto mais pessoas se juntarem a nós nesse momento, melhor vai ser”, comenta Franciele.
Segundo o delegado Eduardo de Mendonça, a polícia tem algumas linhas de investigação para seguir, e as informações que chegam para a equipe estão sendo analisadas.
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