Opinião: “Prevenção não dá voto!”
Estamos diante da maior tragédia que o Brasil já enfrentou, talvez a mais grave crise humanitária da América, superando inclusive o furacão Katrina em Nova Orleans. Embora haja muita desinformação ainda, é certo que o pior ainda não chegou.
Quando as águas baixarem, o caos será terrível pela incapacidade técnica e financeira de se suprir todas as carências no curto prazo. Energia, água, drenagem, esgoto e logística não dependem apenas de boa vontade e, além de recursos vultuosos, soluções técnicas emergenciais exigiram estudos e projetos que exigirão excelentes profissionais e algum tempo para produzir soluções duradouras.
Todavia, o custo humano será sempre o mais doloroso, certamente a unidade das baixas, infelizmente, serão contabilizadas em centenas e cada um de nós, por experiência pessoais, sabe o quanto uma única dói na alma, algumas vezes por toda a vida. Constrange pensar em famílias desfeitas, pais sem filhos ou crianças órfãos é um preço impagável que a solidariedade apenas reduz, mas a ferida segue sem cicatrizar em corações entristecidos por longo período.
Chegará o momento, não agora em plena emergência, onde se precisará discutir responsabilidades e rumos que atenuam estas situações que a natureza e a ciência nos avisam que terão tempo de recorrência cada vez menor. Jamais seremos capazes de nos acostumar com tragédias, logo o bom senso exige que se implemente ações que reduzam danos nas hipóteses seguintes.
Com frieza, é importante entender que nossa cultura política impõe ações que sem sempre são as mais importantes. O personalismo característico de nossas lideranças políticas coloca as ações de visibilidade maior como imprescindíveis e desloca as ações de prevenção para o futuro, talvez para a gestão seguinte, porque os recursos são muito limitados e obra “enterrada” não tem placa de inauguração, nem festa com discurso para os eleitores, portanto não rende votos. Fazer praça ou asfalto gera ótimo apelo de marketing, mas conter encostas ou combater erosão apenas consome os limitados recursos municipais.
O intenso jogo político que admite reeleição e cobra ações eleitoreiras dos titulares do executivo, seja a favor de si mesmo, na hipótese de reeleição, ou de seu grupo nas transições periódicas e, todos nós sabemos, planos no Brasil se limitam a quatro anos, como se apenas conseguissem percorrer os vales, incapazes de subir a montanha do processo eleitoral seguinte. A necessidade de impor o carimbo pessoal em cada centavo investido gera obras paralisadas, abandonadas ou reformatadas apenas para que o crédito jamais seja dividido, pelo anterior ou pelo seguinte, e isto gera um custo absurdo, talvez uma das parcelas mais nefastas do famoso custo Brasil.
Assim como a também gaúcha Boite Kiss, gerou uma série de ações reparadoras, a tragédia deste ano precisa produzir mudança de postura, talvez repensando rotinas que precisam ser revisitadas. Não se pode achar razoável que planos em áreas críticas, como educação e infraestrutura, por exemplo, sejam limitadas pelos mandatos e sofram alterações substanciais, até mesmo em suas essências, a cada quatro anos.
Talvez esteja passando da hora de visitar práticas tradicionais de países desenvolvidos, quase todos parlamentaristas, que projetam soluções duradouras, muito além dos mandatos, cujos titulares são responsáveis pela sua execução e verificação com métricas apropriadas e cuja prioridade é sempre trocar o gestor e não se alterar as metas. Planos de médio prazo precisam ser mais relevantes que titulares dos cargos, sedentos pelo aplauso fácil e sempre prontos para optar pelas ações de visibilidade que turbinam seus planos eleitorais.
Pode até ser excesso de otimismo, imaginar que esta tragédia nos permita corrigir o óbvio; prefeitos ou governadores não são patrões, donos do cofre e responsável por todas as decisões, e precisam ser substituídos por líderes responsáveis, gestores, como gerentes que precisam administrar projetos da sociedade e não planos pessoais. Admito que é um pouco confuso, mas não seria isso que a sociedade almeja e até batizou de nova política?
Sinceramente, talvez a sociedade também precise entender e coibir abusos das redes sociais. Hordas de imbecis cultuando fake news ou apenas destilando ódio no grupo político adversário, como se Lula ou Bolsonaro estivessem em conluio com a natureza para auferir ganhos, em total desrespeito às vítimas e substituindo a solidariedade pelo rancor, a humanidade pelo ódio, produzindo mensagens asquerosas de oportunismo imperdoável.
Lógico que é preciso discutir a inércia dos governos e a situação macro que impele governantes a optarem sempre por ações mais visíveis. Todavia, a imparcialidade que mostra que o governo federal não investe praticamente nada em prevenção a sete anos, isto implica em afirmar que Bolsonaro antes e Lula agora, cometeram os mesmos pecados, ainda que se possa discutir a magnitude das falhas.
Governos estaduais e municipais também negligenciaram ações de prevenção, possivelmente pelos mesmos motivos, logo a decência exige que se universalize os culpados e se reaja contra os míopes, ignorantes da política, que seduzidos pelas fakes, se tornam soldados da barbárie, destilando ódio e esquecendo que a solidariedade é a única moeda a ser gasta neste momento.
Força aos gaúchos! Solidariedade e apoio incondicional a cada cidadão que precisa de forças e esperança para recomeçar. Sem jogar nada pra debaixo do tapete, mas cientes que a hora é de reconstrução e isto exige união e respeito.
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