Opinião: Fakes, o descaminho da democracia
Os mais velhos ainda se recordam dos comícios, mais à frente os showmícios, recursos que se somavam aos panfletos e aos simpáticos santinhos. Mutirão nos bairros e carreatas foram as alternativas seguintes, mas tudo isto ficou no tempo. A luta pelo voto nunca foi fácil, atingir os eleitores sempre exigiu muito esforço e recursos. Tempos modernos, os instrumentos são outros e sua utilização gera controvérsias.
O aperto de mão e as pequenas reuniões, em que o eleitor pode conversar diretamente com o candidato, segue sendo a mais eficaz arma de convencimento, todavia cada vez mais é improvável que se cubra todo o eleitorado, com tempo de campanha cada vez menor. Para candidatos a vereador, persiste, se a densidade eleitoral permitir, sendo o melhor caminho para a Câmara, mas para candidatos às prefeituras já é inviável em municípios com mais de trinta mil eleitores.
Eleições mais recentes descobriram que a única maneira de atingir todo o universo de eleitores são as redes sociais, secundadas pelo palanque eletrônico, nas rádios e tvs, onde os spots, muito mais que os programas, são os instrumentos disponíveis para o convencimento e obtenção dos votos. Como toda campanha mais elaborada, são dois trabalhos em paralelo, o lado A e o B da campanha, ou mais precisamente a campanha propositiva, centrada no candidato, e a contra campanha focada em denegrir o adversário e desconstruir sua imagem. Importante notar que, quanto mais densa a campanha, mais evidente se torna a supremacia do lado B.
Quase todas as últimas eleições presidenciais, por exemplo, foram decididas pelas rejeições, não pela aprovação dos candidatos e isto gerou uma tendência universalizada de tiroteio permanente contra adversários, mesmo fora de campanha, porque se tornou totalmente decisivo. Gerou-se, com a soma destes fatores, um monstrengo abominável; as fakes news como principal estratégia dos partidos.
A utilização das fakes deixou de ser um fator adicional para se tornar o principal instrumento eleitoral e as facções políticas se organizaram para viabilizar esta estratégia, de forma extremamente profissional, diria mais, criminosa.
Retiro com veemência, leituras parciais, ainda que um dos lados utilize com maior volume e eficiência, que aponte para apenas um dos lados, mas é necessário que as pessoas de bem, principalmente aquelas que tem formação e informação que limitem a ação criminosa destas quadrilhas políticas.
Importante registrar que a essência desta atuação conjuga duas teses consolidadas. A primeira derivada da teoria da comunicação, em seu segundo princípio básico que informa que as pessoas aceitam sempre informações que combinem com suas crenças e rejeitam outras de sinal contrário, sem juízo de valor, mas apenas porque querem consolidar suas preferências. A segunda teoria remonta ao ministério da propaganda do Nazismo cujo titular, Goebbels, ensinava que uma mentira repetida à exaustão será entendida pelos aficionados como verdade inquestionável.
Mais que mixar as duas teorias, foi necessário criar um sistema de organização destas ações. Desta forma, no topo da pirâmide, os líderes definem pautas, revistas periodicamente e ajustadas aos fatos. Definida a pauta, a equipe de criação é ativada e são produzidos textos, áudios, vídeos, memes e postagens humoradas que sustentam as pautas propostas. No nível seguinte, políticos e influenciadores são convocados para divulgar os materiais criados ou seguir, com material autoral na mesma linha e, por fim, como uma rede os fakes são distribuídos com velocidade e eficiência notáveis. No escalão mais baixo, entram os pobres mortais vítimas da armação.
Submetidos à repetição e sedentos por argumentos que sustentem suas crenças, como previsto na teoria, milhões se prestam ao papel de reproduzir as fakes e defendê-las como verdades universais, e, muitos casos revestindo suas missões de um messianismo temerário.
A pauta permanente, em ambos os sentidos, é apostar na polarização até a última consequência, garantindo o aspecto plebiscitário da disputa. Quanto às pautas periódicas, basta dois minutos passeando em qualquer rede social para identificá-las com precisão.
Sempre existirão agentes de boa fé apostando a vida, e até a expondo, para criar novos vínculos para a pauta da hora e, cada vez mais, milhões de brasileiros se tornam presas fáceis do mecanismo macabro de transformar cidadãos em marionetes.
É quase um caminho sem volta, com uma única, e talvez remota possibilidade; que cidadãos com cultura e informação percebam a espiral da desinformação e atuem para combatê-la.
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