Arquitetura afetiva cresce no Brasil com proposta de trazer aconchego ao lar
Janelas com eiras, beiras e arabescos das casas antigas de nossos bisavós; aquela geladeira vermelha com bordas arredondadas da avó; armários de cozinha da cor caramelo e o chão do pátio adornado com mosaicos de piso com todas as cores, lembranças afetivas de nossa infância. Quem poderia imaginar que esses conceitos do passado ressurgiriam com força em meio ao modernismo das simetrias em tons pastéis, estimulados justamente pela proposta de instigar boas lembranças?
A arquitetura afetiva, como o próprio nome sugere, “é a arquitetura na qual a simplicidade e conforto são características primordiais”, explica a arquiteta Simone Carneiro. Segundo a profissional, o conceito advém do estilo de vida dos povos escandinavos, no Norte da Europa. Como nessas regiões o clima é frio, a especialista conta que há uma busca pelo aconchego e por produtos duráveis, que possam ser utilizados por várias gerações. “Uso de tecidos confortáveis, elementos naturais, espaços abertos e arejados que contribuem para a sensação de bem-estar”, comentou.
No Brasil, esse estilo arquitetônico tornou-se popular nas últimas décadas, principalmente, após a pandemia da Covid-19, “com a mudança de comportamento das pessoas que começaram a desenvolver um novo estilo de vida em busca de uma rotina mais equilibrada, sustentável e sem excessos”, complementou Simone
Arquitetura afetiva nos negócios
Vinda de uma família de origem italiana, a empresária Paula Barbano trouxe de sua infância elementos para compor as decorações dos chalés rústicos da pousada Casa do Lago, localizada na zona rural de Campo Alegre. A proprietária revela que transformou num hobby a busca por artefatos nos ferros-velhos para transformá-los em peças de decoração, ao estilo antigo. Um movimento muito presente na arquitetura afetiva, que tem nome: “DIY”, uma abreviação da frase “Do It Yourself” ou em português “faça você mesmo”, como explicou a arquiteta Simone.
“O charme e o aconchego estão nos detalhes e na harmonia entre o antigo e o novo. Esse é o lugar onde me sinto bem e gostaria de compartilhar esse sentimento com meus hóspedes”, afirmou.
De acordo com Paula, os chalés guardam muitas peças de época, trazidas por imigrantes europeus, com valor inestimável, algumas com mais de 150 anos de histórias guardadas. “Assim como obras de arte geram uma forte reação emocional ao primeiro contato, a arquitetura não é diferente, desperta prazer e bem-estar num ambiente acolhedor cheio de personalidade”, otimizou sobre a receptividade positiva que identifica nos clientes, que capricham nas fotos.
“Os hóspedes se emocionam com as histórias de coisas que colecionamos, nossas casas são simples, mas têm a nossa cara, carregam nossas histórias e despertam emoções; muitos sentem a energia desse lugar mágico”, garantiu.
A casa como refúgio acolhedor
Simone comenta que a arquitetura afetiva é projetada com a intenção de amenizar os impactos das grandes cidades e do estilo de vida da sociedade atual através do sentimento de pertencimento, com resgate de memórias afetivas através da personalização dos ambientes.
“Por isso o uso de elementos que tragam memórias e sentimentos de bem-estar e aconchego, que façam sentido para aquela pessoa, com elementos como: móveis ressignificados; objetos de família; fotos e coleções; objetos regionais produzidos artesanalmente; obras de arte; cores e texturas… Tudo que traga sentido e individualidade”, listou.
Wagner Padilha é arquiteto e descreve a arquitetura afetiva como um movimento de estímulos de sensações que são alcançadas não só pelos elementos como objetos que geram lembranças, mas, também, através da incorporação de luz natural, integração com a natureza, funcionalidade e fluxo.
“O objetivo é criar ambientes que não, apenas, atendam às necessidades práticas dos ocupantes, mas, também, os façam sentir emocionalmente conectados e confortáveis dentro de casa”, explicou.
Para o arquiteto, essa abordagem contemporânea enfatiza a criação de espaços que evocam emoções positivas e promovem um senso de conexão e pertencimento, e tende a angariar cada vez mais adeptos. “Assim, sua influência continua a crescer, à medida que mais pessoas reconhecem a importância de espaços que promovam o bem-estar emocional”, sugeriu.
Expressionismo e Movimento Arts and Crafts na arquitetura afetiva
O Expressionismo foi um movimento artístico e cultural que surgiu nas primeiras décadas do século XX, principalmente na Alemanha, enfatizando a expressão emocional e formas orgânicas. Na arquitetura, o movimento refletiu na busca de construções carregadas de sentimentos, explicou o arquiteto.
“O Movimento Arts and Crafts foi uma resposta ao crescimento da industrialização e à produção em massa no final do século XIX. Promovendo o artesanato, a integração com a natureza e a personalização dos espaços, aspectos essenciais também na arquitetura afetiva”, complementou.
Wagner pontua que a arquitetura afetiva não é diretamente associada a um movimento artístico específico, mas compartilha alguns princípios com movimentos que valorizam a expressão emocional e a conexão pessoal com os espaços, como o próprio Expressionismo e o Movimento Arts and Crafts.
“No entanto, é mais um conceito contemporâneo que busca criar espaços que ressoem emocionalmente com os ocupantes e reflitam suas identidades e experiências individuais, transcendendo assim as fronteiras de movimentos artísticos específicos”, destacou. De acordo com o arquiteto, ambos os movimentos contribuem para a compreensão e a prática da arquitetura afetiva, ressaltando a importância da expressão emocional e da conexão com o ambiente, e as experiências individuais dos ocupantes.
“Também é necessário ressaltar que um dos precursores e responsáveis pela popularização desse estilo no país é o arquiteto Maurício Arruda, através do programa Decora. E, também, o Lufe Gomes, que é fotógrafo e tem um canal no YouTube (Life by Lufe), que mostra diversas casas no mundo todo dentro desse estilo”, contou.
Custos alternativos
O desejo de abrir um café fez a empresária catarinense Clarisse Sprung buscar por alternativas econômicas para torná-lo mais aconchegante e convidativo. Sem dinheiro suficiente para decoração, optou por investir na ressignificação de objetos antigos, emprestando algumas peças de amigos. No decorrer dos anos, foi agregando o espaço com a compra de utensílios rústicos, além de ganhar dos próprios clientes. “E quando fechei meu café, minha casa, que já tinha muitas peças, virou quase um museu”, brincou.
Dentre as peças, como as chaleiras antigas; o jogo de pratos em madeira pintados em estilo bauernmalerei, pintura com pinceladas únicas e sutis; há dois ítens que são especiais para Clarisse: duas malas antigas, uma delas fabricada pela empresa curitibana Pugsley e Cia, do empresário Guilherme Pugsley. “A neta dele foi ao meu café, viu a mala e disse pra mim que era do avô dela. Queria comprar de mim, mas não vendi, pois ganhei de presente de um cliente do café, lembrou complementando que seu negócio, devido à decoração, era comumente assemelhado por seus clientes com as casas dos avós, destacando o sentimento de acolhimento que o espaço gerava. “Móveis antigos tem calor, tem aconchego, tem histórias contadas pelo tempo”, disse.
Por outro lado, a empresária lamenta que, em geral, objetos antigos são caros, o que impede o investimento na aquisição das peças. “Não deveria ser assim, as pessoas querem comprar para decorar”, sugeriu.
Para Wagner, a arquitetura afetiva não é necessariamente um movimento de baixo custo, “pois seu foco principal está na criação de espaços que evocam emoções positivas e promovem um senso de conexão pessoal, independentemente do custo envolvido”, opinou. No entanto, segundo ele, algumas das práticas associadas à arquitetura afetiva podem ser implementadas de forma mais econômica, especialmente aquelas relacionadas à personalização e à reutilização de materiais. “Por exemplo, a incorporação de objetos pessoais e familiares na decoração de interiores pode ser feita com itens já existentes, reduzindo os custos de compra de novos itens decorativos”.
Uma imersão nas sensações
Wagner apresenta seis conceitos sugestivos para a imersão dos leitores à experiência arquitetônica no estilo afetivo. Uma viagem interpessoal, por meio da estética decorativa, que pode ser feita em seus lares; são eles:
Reflexão pessoal: considere experiências, memórias e preferências pessoais. Identifique elementos ou objetos com significado emocional.
Personalização: incorpore objetos pessoais, como fotografias de família ou lembranças de viagem. Escolha itens decorativos que reflitam seus interesses e estilo de vida.
Conforto e aconchego: priorize móveis e tecidos confortáveis. Crie áreas de estar acolhedoras para relaxar e desfrutar do ambiente.
Integração com a natureza: adicione plantas ou utilize materiais naturais e sustentáveis. Busque aproveitar as vistas naturais ou criar espaços que se conectem com o exterior.
Iluminação e atmosfera: opte por iluminação suave, indireta e quente para criar uma atmosfera acolhedora. Considere o uso de velas, aromatizadores ou música para criar uma experiência sensorial agradável.
Equilíbrio entre funcionalidade e estética: certifique-se de que o espaço atende às suas necessidades práticas. Busque um equilíbrio entre a funcionalidade e a expressão estética pessoal.
Mãos à obra
A arquiteta Simone Carneiro aconselha que, antes de começar a reforma, o leitor faça uma lista de coisas que hoje te “incomodam” em seu espaço e coisas simples que te fazem feliz e trazem memórias boas. “Traga estas pequenas coisas para seu ambiente. Tire aquela coleção de pratos; aquelas canecas que trouxe de viagem; medalhas, troféus, e faça um lugarzinho especial para elas”, convidou. Em seu escritório, Simone conta que antes de iniciar cada projeto, a equipe faz um questionário com várias perguntas sobre a temática afetiva.
“Algumas vezes, os clientes ficam envergonhados, acham que pode não fazer sentido trazer para nós estes detalhes, mas eles são a alma do projeto, são eles que fazem o ambiente ser seu e ser único; nós respeitamos muito isso e fazemos com que estes objetos sejam valorizados através de uma iluminação de um espaço de destaque, algo especial. Afinal, não há sensação melhor no mundo do que voltar para casa, ou trabalho, e sentir que você é único, importante e que pertence aquele lugar.”
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