Opinião: “O inquérito dos memes antidemocráticos”

A crítica aos memes sobre o ministro Fernando Haddad aparentemente expôs o que de mais ridículo há na sociedade brasileira, afinal, não demorou para que políticos e jornalistas de esquerda buscassem desqualificar a crítica bem-humorada dos memes, chegando ao absurdo de cogitar que fosse uma investida merecedora de regulação e censura.

Mas não há nada de ridículo nisso. O que se cogitou sob a desculpa dos memes foi o que se conseguiu a sério no país sob a justificativa de se combater as fake news, o ódio e a desinformação. Hoje seria, de fato, ridículo que o STF nos ultrajasse com um inquérito para investigar memes e seus financiadores, mas foi exatamente o que fez em 2019 com os inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e das milícias digitais.

Se não houvéssemos passado pelo que passamos nesses últimos cinco anos com investigações que, com o passar do tempo, em razão das fraturas expostas de suas múltiplas irregularidades, foram caindo em descrédito, e estivéssemos à beira de eleições presidenciais em que algum candidato de direita tivesse chances efetivas de vencer, valendo-se das redes sociais e memes para tanto, tenho convicção de que neste exato momento estaríamos assistindo à mais alta Corte do país nos açoitar com um inquérito dos memes antidemocráticos.

O engajamento da direita nas redes assustou e segue assustando governos, velhos caciques da política e autoridades entronadas em cadeiras poderosas como as do Supremo. Acontece que a roda da fortuna gira e as pessoas começam a perceber que em nome de valores nobres como a democracia também é possível manipular a política, desvirtuar a justiça e arrebanhar a opinião pública para que tudo continue nas mãos de sempre, já acostumadas ao poder.

Pode parecer estranho pensar que governos de esquerda, tidos como progressistas, aliem-se a caciques políticos, alinhem-se a autoridades públicas para sustentar o establishment, por meio do bastão do autoritarismo e da censura, enquanto a direita conservadora representa uma onda renovadora e revolucionária. Acontece que no Brasil – e talvez no mundo – o progressismo perdeu a conexão com o povo, nas redes e fora delas. Defende mudanças apenas de comportamento exterior. Dentro, no miolo, representa a manutenção do que há de mais autoritário, censório e retrógrado.

André Marsiglia é advogado e professor. Especialista em liberdade de expressão e direito digital. Pesquisa casos de censura no Brasil. É doutorando em direito pela PUC-SP e conselheiro no Conar. Escreve semanalmente para o Poder360, onde este artigo foi originalmente publicado.

Possui alguma sugestão?

Clique aqui para conversar com a equipe de O Comércio no WhatsApp e siga nosso perfil no Instagram para não perder nenhuma notícia!

Voltar para matérias