Companhia de pets torna-se opção promissora para tratamentos emocionais

Há cerca de três anos, o funcionário público Valmir Cristofolini, de 55 anos, teve ao lado da esposa o primeiro contato com o que a psicologia chama de Síndrome do Ninho Vazio, após seus filhos caçulas casarem e deixarem a chácara onde moram, na zona rural de Garuva, litoral de SC. As conversações mais calorosas dentro de casa, assim como as constantes visitas de jovens, amigos dos filhos, cessaram. Gerando neles, ainda que orgulhosos e felizes pela prosperidade da prole, uma sensação de perda e solidão.

Nesse período, o funcionário público também recebeu uma notícia que abalou não só a ele, mas toda a família: a descoberta de um tumor no cérebro. Dentre idas e vindas exaustivas aos hospitais de Joinville, a delicada cirurgia de retirada do tumor, e o tratamento com quimioterapia, a professora Eliane Nagel Cristofolini, de 54 anos, esposa de Valmir, identificou um comportamento curioso na labradora da família: uma aproximação ainda mais afetuosa dela com o seu dono. “Onde o Valmir estava, a Triz chegava perto e sentava no colo dele, e assim ele passou por todo o tratamento do câncer”, afirmou.

Companhia de pets torna-se opção promissora para tratamentos emocionais

Segundo Valmir, animais de estimação foram fundamnetais no seu processo de cura contra o câncer. Foto: Acervo

Durante os passeios em torno da chácara, a labradora acompanhava seu dono, tornando-se, inclusive, agressiva quando um outro animal estranho à família chegasse perto, como se nota a fragilidade dele e a necessidade de protegê-lo, como complementa a professora.

Eliane afirma que o marido sempre foi muito reservado, e não tinha muita intimidade com os animais; porém, durante o tratamento, se permitiu ter a companhia mais afetuosa dos pets da família, algo que ambos concordam que foi fundamental para a cura completa.

Uma nova moradora da chácara

Em uma manhã de trabalho na escola, a professora Eliane recebeu a visita inesperada de um senhor que carregava uma caixa de conteúdo misterioso. Ao revelá-la o que guardava nela, uma surpresa: seis pequenos gatinhos que precisavam de um lar. Mesmo receosa por saber que o esposo, até então, não gostava dos pets felinos, se encantou pela que logo foi batizada de Missi. Ao chegar em casa com a nova integrante da família, outra surpresa: “Foi amor à primeira vista. Os dois se apaixonaram um pelo outro e aí começou uma questão inseparável. Espiritualmente falando, ela foi um anjo que caiu na vida dele”, disse humorada, destacando que, hoje, a gatinha, já adulta, adora tomar banho com o dono, e o aguarda todos os dias no sofá da sala, próximo do horário que Valmir chega do trabalho, para assistir TV com ele.

Outro fato curioso que o casal identificou, é que a Missi percebe quando Valmir está com algum problema, e se aproxima dele para acariciá-lo, como uma forma de apoio.

Valmir ao lado da pequena Missi. Foto: Acervo.

 

Lição de fraternidade

Valmir revela que na juventude costumava “judiar” dos animais, admitindo que não gostava da presença deles em sua propriedade, e foi justamente no tratamento do câncer, somado com o sentimento de solidão, que viu neles a chance para se transformar em um ser humano mais sábio e gentil.

“Me faz refletir um pouco. É algo diferente. Eu nunca pensei que ia ter um sentimento dessa forma com os bichinhos, pode até ser daquilo que eu tinha cometido no passado, hoje, os animaizinhos estão aí, dizendo que estão aí para me ajudar, para cuidar de mim. Eu passei por todo esse problema do câncer e esses animaizinhos me ajudaram muito”, admitiu.

Espírita, o casal suspeita que os pets da casa são reencarnações de animais do passado, que voltaram para ensinar a lição de amar e trazer boas energias.

“Sendo o Valmir uma pessoa reservada, na dele, no mundo dele, como é impressionante o amor que ele adquiriu pelos bichos, é um homem que nunca viu os animais com tanta importância. Depois do câncer, do ninho vazio, do amadurecimento espiritual, tem sido uma fonte de energia imensa, porque é isso que os animais são: fontes de energia, pois eles nos aproximam cada vez mais do Criador. Cada vez mais que amamos, cuidamos de um animalzinho, nós estamos dizendo a Deus: ‘Deus, nós respeitamos a vida’. Sempre que nos aproximarmos do nosso criador, devemos nos aproximar de suas criaturas. Não adianta, apenas, ter os animais, nós temos que nos aproximar, amá-los incondicionalmente, como amamos todas as coisas, afinal de contas, tanto eles como nós somos centelhas divinas, viemos de um único Deus, esse Deus que nos ama infinitamente”, aconselhou Eliane.

Terapia com animais torna-se tendência em clínicas de psicologia

Amanda Braz Ramirez é psicóloga e trabalha com a Terapia Assistida por Animais há 8 anos. A profissional se especializou pela Kuné Brazil, uma associação internacional de serviços assistidos por animais, e pelo Inataa (Instituto Nacional de Ações e Terapias Assistidas por Animais). Em 2015, fundou a ONG Dr Patinhas, em Foz do Iguaçu, um espaço que atende de forma voluntária várias instituições na cidade com a TAA (Terapia Assistida por Animais). Atualmente, ela realiza psicoterapia atrelada a esta técnica, para alguns casos específicos.

Para entender como a técnica de tratamento emocional com pets funciona, a psicóloga explica que a TAA é um serviço de saúde onde é desenvolvido um plano terapêutico para o paciente, com objetivos específicos, realizado por um profissional junto de um animal de terapia. Em algumas intervenções, o adestrador também está junto dos atendimentos.

“Em suma, a TAA é uma terapia complementar, os objetivos são definidos de forma a complementar outras terapias, como a psicologia, a fisioterapia, a fonoaudiologia, a nutrição, a terapia ocupacional, entre outros”, comentou.

Companhia de pets torna-se opção promissora para tratamentos emocionais

Amanda Braz Ramirez é psicóloga e trabalha com a Terapia Assistida por Animais há 08 anos. Foto: Acervo

Séculos de parceria terapêutica

Amanda afirma que não se sabe, exatamente, quando a técnica de se utilizar animais em tratamento terapêutico, de fato, surgiu, mas destaca alguns pioneiros, profissionais que começaram a atender junto de um pet e viram resultados promissores.

“O primeiro registro verídico da Terapia Assistida por Animais é de 1792, na Inglaterra, no centro The York Retreat, onde animais eram co-terapeutas no tratamento de pacientes com transtornos mentais. Freud, mesmo, atendia com seu cachorro em algumas sessões”, acrescentou.

Mas, de forma embasada, a psicóloga esclarece que esse serviço começou a ser mais difundido nos últimos 10 anos, onde alguns profissionais passaram a realizar pesquisas sobre os benefícios dessa interação humano-animal e desenvolver protocolos para esta terapia.

No Brasil

Em nosso país, Amanda conta que a pioneira da técnica foi a psiquiatra Nise da Silveira, na década de 1950. “Na época, onde ainda haviam manicômios, a Nise inovou trazendo cães para participarem de algumas terapias com os pacientes internados, após observar que eles mantinham uma relação de afeto e cuidado com esses animais”, reiterou.

Processo de interação homem e pet

“Acho que a melhor coisa da TAA é que essa interação ocorre de forma espontânea”, destacou Amanda sobre a temática da interação. Para a profissional, os animais têm uma linguagem universal.

“Todos conhecem cães ou gatos, e a maioria já tem uma relação de carinho com eles. Por isso, ao saber que terá um pet na sessão o paciente já se sente mais confiante e tranquilo. Podemos fazer atividades específicas, mas a mera presença do animal já estimula comportamentos empáticos e afetivos, ajudando no vínculo terapêutico”, disse.

Animais treinados

Para chamar de Terapia Assistida por Animais, eles, obrigatoriamente, precisam ser avaliados e treinados. Não é todo pet que tem perfil terapeuta, esclarece Amanda. “É essencial que o animal busque carinho de forma espontânea, mantenha o contato visual com o paciente, seja sociável com outros animais e não reaja em hipótese alguma. Esses animais são treinados para se sentirem confortáveis diante de qualquer estímulo, barulho, comida, carícias, etc”, alertou.

A psicóloga complementa que esses animais aprendem comandos mais específicos, que são utilizados em determinadas atividades na clínica. “Além da avaliação e do adestramento, eles precisam seguir um protocolo de saúde rígido, para evitar estresse do pet e o contágio de zoonoses”, enfatizou. A TAA é indicada, de acordo com a psicóloga, para o tratamento de diversas doenças, desde que o paciente seja liberado pelo médico e não tenha alergia ou fobia do animal.

Uso de pets em terapias auxilia no desenvolvimento dos pacientes. Foto: Acervo

“Na psicoterapia, ela traz diversos benefícios para tratar transtornos do desenvolvimento, transtornos de comportamento, sintomas como ansiedade e depressão”, explicou.
Animais e idosos

A TAA pode auxiliar os idosos, fazendo com que sintam-se amparados. O contato com um cão ou gato, por exemplo, produz ocitocina, um hormônio diretamente ligado ao vínculo afetivo. “Isso traz um sentimento de amparo”, destacou a terapeuta.

Um comportamento importante na interação entre pets e a terceira idade é que a necessidade de se cuidar de um animal de estimação pode dar ao idoso a sensação de utilidade, de que ele ainda tem uma função, um ser que depende dele, assim, o motiva para desempenhar as tarefas do dia a dia.

“Sem contar que alguns pets estimulam, muito, a interação social. Quem nunca viu alguém passeando com seu cãozinho e não quis dar oi e perguntar do pet? Isso acaba fazendo com que o idoso interaja com outras pessoas”, sugeriu Amanda.

A psicóloga revela que há muitas histórias de idosos que estão em tratamento paliativo e que pedem pela presença do seu animal de estimação. “A presença de um pet durante um tratamento medicamentoso, ou, mesmo dentro do ambiente hospitalar, traz uma humanização ao local e ao trabalho que é desenvolvido ali”, pontuou.

Já os animais de terapia, segundo a psicóloga, são especificamente treinados para buscar carinho dessas pessoas, fazendo com que projetem neles os sentimentos tão conflituosos que podem surgir numa situação de luto, como exemplo.

“O mais indicado é que o idoso adote um pet também idoso. Ou ao menos adulto. Que já saiba o comportamento daquele animal. E que seja um animal saudável, que não demande atenção constante como um filhote. Assim, o cuidado com o pet trará ao idoso esse senso de utilidade, motivação para desenvolver as atividades diárias”, aconselhou.

Harvard confirma

Em um estudo publicado no JAMA Network Open em 1º de agosto, pesquisadores da Universidade Harvard (EUA) descobriram que o vínculo próximo com um animal de estimação, especialmente cães, foi capaz de reduzir o risco de depressão e ansiedade, principalmente entre mulheres que sofreram abuso na infância. O estudo envolveu 214 mulheres com idade média de 60 anos.

“Usamos várias medidas diferentes para depressão e ansiedade e descobrimos, no geral, que há uma associação entre apego ao animal de estimação e resultados negativos de saúde mental. Isso significa que quanto mais apegado você for ao seu animal de estimação, menor será o risco de depressão e ansiedade”, disse Eva Schernhammer, professora adjunta de epidemiologia em Harvard e uma das autoras do estudo, em entrevista à Harvard.

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