Escreve o leitor: Anatomia da paixão

Foi menos que um encontrão, quase um resvalar. Desses que acontecem quando se anda numa calçada muito movimentada, despreocupadamente. Os ombros mal e mal se tocaram, mas ela desequilibrou-se por um instante. Seus olhos só se encontraram para um rápido pedido de desculpas, feito de parte a parte. O olhar de um deles alongou-se por um segundo, parecendo fazer uma leitura profunda, perscrutando algo que, perguntado mais tarde, não saberia dizer o quê nem porquê. O outro diria que foi essa demora que desencadeou os acontecimentos seguintes.

Ao fim do dia, estavam enfeitiçados.

Os olhos são o espelho da alma…a janela do coração… Mesmo que isso seja verdade, como é possível perceber os sinais e conseguir alguma informação num átimo? Ainda, num curtíssimo espaço de tempo avaliar as possibilidades, analisar rapidamente inúmeros dados e tomar a decisão do passo seguinte, tudo isso em tempo real? O que há no cérebro – ou no coração – que é capaz de tal proeza e mais, de guardar tudo em seus mínimos detalhes por um longo tempo, incluindo aí cores e cheiros, músicas e muitas e muitas primeiras vezes? Que mágica é essa, capaz de transformar gente comum e ordinária em prodígio e mesmo assim, engrandecer e avassalar com igual facilidade?
Magia, feitiço, infecção… Quantas palavras já foram usadas? Paixão: nenhuma consegue descrever sentimentos humanos tão antagônicos, diametralmente opostos, embora intimamente ligados. Aquele que se apaixona invariavelmente sofre, mas nem se apercebe disso. Sofre de uma dor que lhe é cara por escolha e fica feliz com isso. Sofre pela ausência, mendiga palavra dita e escrita, observa fotos com fascinação, relembra e cantarola acordes como consolo. Submete-se, humilha-se. Ainda assim, fica engrandecido. Sente-se poderoso, quer ser mais alto, mais belo, mais isso e menos aquilo. Quer ser melhor e por assim querer, melhora.

E não sem razão, pois a emoção fluente coloca em movimento área inusual do cérebro, no limite entre o consciente e o dificilmente provável, tornando tudo uma possibilidade concreta. Põe sentido em Vida, altera o significado de Tempo e Espaço. Nesse estado quase eufórico mas real, imagina-se conhecedor da tal Felicidade, sabedor do Grande Segredo, seja qual for. O sono não lhe faz falta, beber e comer não são prioridades. Tem agora o mais alto nível de consciência de que o ser humano é capaz, ainda que provindo da inquietude, de meras possibilidades e suposições que sabe não resistiriam ao seu próprio escrutínio. Tampouco importa: deixa-se levar pela sensação de bem estar em que ora se encontra, resultante de perfeita comunhão com o Universo.

Parece ser o estado de espírito perfeito, para tudo. Como induzi-lo? Se começa com a emoção envolvida, fazer somente o que realmente se quer fazer poderia ser a solução. Para que se queira fazer o que se precisa fazer, no entanto, é preciso amor. Amor é melhor que paixão e é maior. Paixão é pessoal, amor é abrangente. Paixão quer possuir, amor quer entregar. Paixão é possibilidade, amor é confiabilidade. Paixão enleva, amor eleva. Paixão é prescindir, amor é nutrir. O melhor da paixão se revela no amor. O amor se completa na paixão.

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