Opinião: Mulher e petista, e ainda dando margem para críticas…
Ainda que posições, como a de Deltan Dallagnol, pedindo a prisão de Janja da Silva, seja apenas retórica e exagerada, não se pode negar que a primeira-dama é a principal top trending do governo no atual momento, muito em função do xingamento ao Elon Musk, em evento oficial.
Há bastante tempo, a postura de Janja incomoda, dentro e fora do governo, principalmente por se sentir muito à vontade para opinar, participar ativamente do debate público e não se limitar ao papel tradicional das primeiras-damas, figura decorativa, sem função formal, mas sempre convocada para “enfeitar” as cerimônias oficiais.
Percebo, em torno do assunto um debate muito mais passional, naturalmente turbinado pela figura do Lula e sua rejeição, mas também pela postura machista da sociedade que também condenava Dilma para muito além de eventuais limitações de sua atuação administrativa. Resumindo: Janja apanha, além da conta, por alguns pecados de origem, ser petista, mulher e esposa de Lula.
Não é o caso de reduzir a questão central do debate, a leitura de muitos que Janja se comporta, muitas vezes, como o segundo nome do governo, tendo muito mais visibilidade que qualquer ministro ou mesmo do vice Alckimin, algo inédito entre as suas antecessoras, mesmo de Ruth Cardoso, a mais culta dentre todas elas.
Janja não é primeira-ministra, porta-voz ou exerce qualquer cargo relevante, mas ainda assim está sempre muito mais presente no debate de inúmeras questões do que o titular das áreas em questão. Não há dúvidas que isto foge do padrão e motiva reações internas e externas, ainda que na esfera do governo, haja muito mais constrangimento porque será sempre complicado criticar a mulher do chefe.
Registrando que o G20 social, na minha opinião, é realmente um avanço ao dar holofotes para questões desta ordem, um recado contundente aos poderosos que se recusam a olhar para os mais fracos, é consenso que os excessos de Janja são inaceitáveis, ao usar linguagem de botequim em uma cerimônia oficial, onde, de alguma forma, sua manifestação se confunde com a posição oficial do governo e ainda sinaliza uma estranha parceria com o “companheiro Moraes”. Inaceitável e exigindo realmente uma reprimenda do Lula, como deveria fazer contra qualquer um membro do governo que cometesse tais excessos verbais, mas é importante avaliar outras questões.
A rejeição de Janja soma dois componentes, sendo o primeiro, o fato de ser petista, aceitável no jogo democrático, como seria, por exemplo, até no terreno esportivo, mas as reações imbecilizadas contra Janja escancaram uma postura odiosa da sociedade machista e discriminadora que ainda recrimina as mulheres atrevidas que abandonaram a cozinha e o histórico papel de “recatada e do lar”.
A sociedade que impõe dupla e até tripla jornada, às mulheres, que lhe paga trinta por cento a menos, para o mesmo trabalho e responsabilidade, como uma penalidade adicional pelo “atrevimento” de estar submetida à possibilidade da maternidade, ainda reage contra as mulheres de personalidade, contra as vencedoras porque habitam espaços masculinos, como se fosse uma eterna reserva de mercado.
Absolutamente sem entrar no mérito das ações, ou mesmo das pedaladas de Dilma, Janja lhe sucede no papel de receptora do ódio e da discriminação contra as mulheres que segue chocando a parte civilizada da sociedade que já entendeu que o conceito de sexo superior é medieval e incompatível com o século XXI.
Não é o caso de “passar o pano” para a primeira-dama, importa frisar que sua atitude foi condenável, mas garantir o respeito para as mulheres de personalidade que precisam continuar insistindo em falar, em exigir o direito de serem ouvidas, em postura muito mais relevante para promover o equilíbrio de gênero nas funções públicas, com muito mais eficiência, que as medidas protecionistas do Código Eleitoral.
Sem dúvida, Janja precisa ser criticada ao emitir opiniões ou cometer excessos, mas jamais deve ser penalizada por ser petista e, muito menos por ser mulher, porque o ódio jamais será um bom conselheiro.
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