UVA a São Mateus: 80 quilômetros de risco constante na BR-476
Viajar de União da Vitória a São Mateus do Sul pelos cerca de 80 quilômetros da BR-476 que separam uma cidade da outra virou um verdadeiro martírio. Em cerca de uma hora de deslocamento, os motoristas experimentam a sensação de dirigir por uma rodovia completamente degradada. Uma estrada extremamente movimentada, com sinalização precária, repleta de buracos enormes, de trechos que provocam trepidação no veículo devido ao desnível da pista, condições que colocam em risco a vida de quem trafega pela BR-476.
A reportagem do Jornal O Comércio fez o trajeto de carro na última terça-feira, 17, e viveu na pele os perigos causados pelo descaso com a rodovia. A probabilidade de furar um pneu ou entortar uma roda em um dos inúmeros buracos é enorme. Durante o trajeto, foram vários flagrantes de manobras arriscadas dos motoristas tentando desviar da buraqueira, ou então dos “calombos” na lateral da pista que também exigem habilidade dos condutores. Carretas e carros de passeio invadem a pista contrária constantemente, aumentando o risco de acidentes, e que muitas vezes podem ser fatais.
O trevo de Paulo Frontin é um caso à parte. Colisões no local já se tornaram recorrentes. É mal sinalizado e confuso. Na mureta de proteção, é possível visualizar a frase “trevo da morte”, muito provavelmente escrita por alguém que convive frequentemente com os acidentes. A palavra “lixo” também está estampada no trevo. O trajeto coloca os motoristas em risco praticamente o tempo todo. Chegando em São Mateus do Sul, também há muita degradação. Em determinado trecho, nossa equipe presenciou uma operação tapa buraco, que na prática não resolve muita coisa.
Na sexta-feira, 13, um dos inúmeros acidentes registrados na BR-476 envolveu duas carretas e deixou um dos motoristas, natural de União da Vitória, com ferimentos graves nas pernas. A esposa dele fez um desabafo nas redes sociais. “Meu marido sofreu um acidente grave no dia 13 de dezembro de 2024 na 476, em São Mateus do Sul. Pois bem, quem acompanha as notícias sabe que não foi o único. Uma semana antes houve outro acidente, e no dia 14, um dia após o acidente do meu marido, houve outro envolvendo um caminhão, e hoje, dia 15, outro acidente frontal entre dois carros. Será que vão esperar ocorrer alguma morte para tomarem uma providência? Meu marido, graças a Deus, quebrou as duas pernas, mas poderia ter sido pior. Quem viu as fotos da cabine do caminhão sabe do que estou falando. É uma vergonha que uma rodovia tão importante esteja nessa situação”, escreveu.
É um sentimento de indignação comum a quem trafega pela rodovia e por quem reside na região. No acidente citado acima, a equipe do SAMU, na qual estava o médico intervencionista Igor Breguez, fez o atendimento. “Há muito tempo nós estamos enfrentando inúmeros contratempos nesse trecho da 476. A ambulância que eu trabalho é chamada de ambulância alfa, ela é tripulada por um médico, um enfermeiro padrão e um condutor socorrista. É uma UTI móvel, tudo que tem para a gente manejar um paciente grave está dentro dessa ambulância, como equipamentos e insumos. O que acontece é que os pacientes que necessitam de uma ambulância alfa normalmente são pacientes em estado mais grave. E esses casos demandam o maior cuidado possível. Só que isso tem se distanciado do objetivo final devido à quantidade de buracos que tem nessa estrada. Imagine só um veículo maior como uma ambulância e com salão aberto no centro, ela tende a ser menos estável que um carro comum. Então, cada buraco que a gente enfrenta, chacoalha muito o paciente, o familiar e a equipe de socorro. Fora os equipamentos que vão enfrentando toda essa trepidação e podem sofrer danos. Nossas ambulâncias vivem quebrando”, relata o médico.
Igor conta que em uma viagem pela BR-476 um dos pneus da ambulância estourou e o veículo rodou na pista. “A cada plantão nós estamos enfrentando riscos”. Outro ponto a se destacar é que os helicópteros da Secretaria da Saúde do Paraná atualmente só descem em São Mateus do Sul, ou seja, até lá o transporte de um paciente em estado grave precisa ser feito por ambulância. “Normalmente esses pacientes que precisam do aéreo são mais graves ainda porque demandam transporte rápido. E esses pacientes também correm risco durante o trajeto, seja de acontecer algo com o veículo como também de ter alguma intercorrência devido à trepidação da estrada. Por vezes o paciente está entubado e por mais que esteja cem por cento fixado aquele tubo na via aérea, pode deslocar, então o paciente que está numa situação de um infarto ou um AVC, entubado por qualquer motivo, ele chacoalha tanto que pode soltar um trombo e fazer outra intercorrência no trajeto. Mesmo que a gente vá devagar, com cuidado, acabamos caindo em 80% dos buracos porque não tem por onde desviar. Nós precisamos do transporte mais redondinho possível”, completa Igor.
Obras sem prazo para começar
No dia 22 de maio deste ano ocorreu uma teleconferência entre representantes do governo federal, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), governo do estado do Paraná, empresários da região de União da Vitória, deputados estaduais e federais, entre outros, para tratar do assunto BR-476. Na oportunidade, o deputado estadual Hussein Bakri e os representantes do governo do Paraná levantaram a possibilidade de o Estado assumir o trecho entre União da Vitória e São Mateus do Sul para fazer uma obra em concreto.
Inclusive, argumentaram que o governo do estado já teria o recurso para executar a obra. Os representantes do governo federal pediram um tempo para responder se a União aceitaria delegar o trecho ao estado. No início do mês de junho veio a decisão. O governo federal não aceitou fazer a delegação do trecho alegando que o processo demandaria muito tempo – cerca de dois anos – somente para vencer os trâmites, fora o tempo de execução da obra. Ou seja, a obra ficaria mesmo sob responsabilidade do DNIT.
A expectativa era de que no atual momento, dezembro de 2024, a obra de restauração já estivesse em andamento. Mas não é o que acontece. Na terça-feira, 17, o deputado federal Tadeu Veneri publicou um vídeo em suas redes sociais atualizando a situação da licitação para as obras de restauração da BR-476. “Quero me dirigir a todos aqueles que utilizam a 476, especialmente o trecho entre União da Vitória e São Mateus, que está totalmente degradado. Eu tenho recebido queixas diárias, tanto no Paraná quanto em Brasília, tenho procurado o DNIT com frequência e agora me informam que nos próximos dias nós teremos o resultado final do processo licitatório para que a empresa vencedora possa iniciar as obras. Está em fase de recursos, é natural dentro dos editais, mas deve ser feito o mais rápido possível para que a obra inicie nos primeiros meses do próximo ano”, disse Veneri.
Enquanto os trâmites burocráticos seguem sendo vencidos vagarosamente, a BR-476 continua fazendo vítimas, muitas delas fatais, numa velocidade espantosa.
Licitação homologada
A reportagem procurou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para trazer o posicionamento do órgão ligado ao governo federal. E recebeu na quinta-feira, 19, a informação de que a licitação para a obra da BR-476 foi homologada nesta data. A empresa que vai realizar a revitalização da rodovia é a Ethos Engenharia de Infraestrutura S/A, vencedora do processo licitatório. Os próximos passos devem incluir a assinatura do termo de serviço e o tão aguardado início das obras, o que deve acontecer nos primeiros meses de 2025.
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