Em SC, empresas investem na sustentabilidade como modelo de negócios
Na contramão do desmatamento, setor aposta na extração e beneficiamento de madeira visando baixo impacto ambiental
No final do século 19, a floresta de Araucária ocupava cerca de 200.000 km² do território brasileiro. Os estados do Paraná e de Santa Catarina eram detentores de três quartos dela. Por ali viviam indígenas e posseiros que conviviam de forma cordial com essas gigantes de mais de 30 metros de altura. Até que veio a ferrovia.
Em 1908, com a expansão econômica do país, viu-se a necessidade de ligar o sul e o sudeste do Brasil. A solução encontrada foi a construção da linha São Paulo – Rio Grande do Sul. Mas, no meio do caminho, havia uma floresta. A escolhida para construir o novo trajeto de trem foi a Brazil Railway Company. Em seu contrato, uma cláusula cedia à empresa 15km de terras de cada lado da linha. Com esse acordo, a população foi expulsa de suas casas e as árvores foram cortadas para serem exploradas economicamente.
Em 1912, deu-se início, então, o conflito que ficou conhecido como Contestado. Seu fim, em 1916, deixou marcas não apenas nos mapas paranaense e catarinense, mas também na economia da região.
“Se nós olharmos os desbravadores dessa região, eles vieram motivados em relação a alguma riqueza, ou extração de algo para fazer um comércio. Então está na nossa cultura e está enraizado em cada ser essa questão do extrativismo, ou seja, extrair pela própria necessidade ou então, pela questão com a presença do sistema capitalista, de obter um lucro em cima de determinados produtos”, explica o professor, historiador e especialista na questão do Contestado, Aluizio Witiuk.
Segundo o Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio) a estimativa é de que menos de 1% da região da floresta de Araucária mantenha, atualmente, suas características originais, tendo sido pouco ou nunca explorada. Para Witiuk, essa realidade é resultado da falta de preocupação com a manutenção das árvores nativas durante a época do Contestado. Segundo o professor, a cultura do extrativismo não foi bem trabalhada na região.
“O homem poderia extrair uma matéria-prima, seja o produto que for, mas com o compromisso de se ter a consciência de repor esse produto, de preencher as lacunas, seja árvores, alimentação ou animais. O ciclo que vivemos da madeira, pois muitos que exploraram a madeira nativa, a Araucária, símbolo do Paraná, a canela, a imbuia, e tantas outras madeiras de Lei, não teve lá atrás a preocupação de um reflorestamento. No entanto pagamos caro por isso na região”.
A derrubada de árvores para venda de madeira bruta é outra questão apontada pelo historiador. O beneficiamento da madeira, ou seja, a transformação da matéria-prima em bens de valor, não era um processo comum na região. Witiuk acredita que a realidade econômica dos municípios da área do Contestado poderia ser outra caso a floresta tivesse sido explorada de forma consciente, tanto econômica quanto ecologicamente.
“No meu entendimento, nós poderíamos ser uma região totalmente diferente. [O Contestado] influenciou diretamente em hábitos, costumes, espiritualidade, submissão, falta de iniciativa, pobreza e miséria. O Contestado se resume em uma questão de ordem social, político-administrativa, religiosa, econômica e na presença do capital internacional da região. Entendo que a região do Contestado poderia ser um belo parque moveleiro, talvez o maior da América do Sul. Porque se essa madeira fosse explorada, extraída por pessoas que realmente estivessem ligadas a região e que colocassem o lucro da madeira aqui, ou melhor ainda, que passassem a produzir móveis, um exemplo, o quanto geraria de riqueza, oportunidades e opções de atividades e diversificação da região?”
Impactos da extração ilegal de madeira
Durante os anos do Contestado, a extração de araucária e de imbuia, outra espécie originária do sul do país, não era considerada um crime. Atualmente, contudo, as espécies estão ameaçadas de extinção e, portanto, são protegidas por Lei. Lisandra Cristina Kaminski, mestre em Meio Ambiente Urbano e Industrial pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), relata que tal medida é tomada para garantir a reprodução e manutenção da flora.
“O objetivo dessas legislações é exatamente preservar o que ainda temos de recursos naturais, especificamente no Brasil. Essas áreas são importantes para que nós mantenhamos as espécies vegetais que não conseguiriam se reconstituir naturalmente em um ritmo de corte desse tipo de espécie. São áreas que também preservam a fauna, as espécies ameaçadas de extinção e as raras”.
Lisandra destaca, ainda, que o manejo irregular de árvores pode causar, além de impactos na fauna, a contaminação de rios e a morte de animais ameaçados de extinção.
A extração de madeira de forma ilegal ou sem responsabilidade com a sustentabilidade tem se tornado um tema de preocupação global, visto que a preservação da vida terrestre, entre elas as florestas, é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). Um fato tido como alerta quanto ao impacto das ações do ser humano no meio ambiente foi um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e publicado na revista Nature neste ano. Nele, os pesquisadores apontaram que pela primeira vez a Amazônia produziu mais gás carbônico do que foi capaz de reter. Segundo o estudo, essa mudança de padrão é resultado de desmatamento e de mudanças climáticas.
Na contramão do desmatamento, empresas apostam na extração e beneficiamento da madeira de forma sustentável
Mais de 100 anos após o fim da Guerra do Contestado, a indústria ligada à exploração madeireira ainda tem força em Santa Catarina, tanto é que, das 5.163 empresas inscritas no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) com “comércio atacadista de madeira e produtos derivados” como uma de suas atividades, 14% estão no Estado. Na região sul, 2.173 empresas fazem parte da categoria. Dessas, 734 estão em território catarinense, 33% do total da região. As informações são do Mapa de Empresas do Ministério da Economia.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), entre janeiro e julho de 2021, esse segmento empregou 5,8 mil pessoas no país. Santa Catarina foi responsável pela geração de 1.293 dessas vagas (22%). O saldo de empregados (diferença entre admissões e demissões), no mesmo período, foi de 1.755 trabalhadores no país e de 305 no Estado.
Outro setor de destaque com relação ao manejo de árvores é o de “extração de madeira em florestas plantadas”. No Brasil, 4.131 empresas apostam nessa atividade; em Santa Catarina são 684 empresas no ramo. Dos 26 municípios da Região Metropolitana do Norte-Nordeste Catarinense, apenas três não possuem nenhuma empresa no segmento.
Em Porto União, no Planalto Norte Catarinense, a Dissenha Florestal LTDA é uma das empresas que atua nos dois segmentos citados e que aposta no cultivo sustentável de pinus, eucalipto e erva-mate para o beneficiamento. Suas 104 propriedades rurais somam cerca de 34 mil hectares de área florestal.
Desses, aproximadamente 8,6 mil foram reflorestados com espécies nativas e exóticas. Atualmente, 70% das propriedades da empresa são áreas de preservação, englobando uma das maiores florestas de araucária e um dos maiores remanescentes de imbuia do Brasil. Muitas das fazendas da empresa ficam em Santa Catarina, nas cidades de Abelardo Luz, Calmon, Ponte Alta, Monte Castelo, Irineópolis e Porto União.
A Dissenha Florestal é um braço da empresa Dissenha SA Indústria e Comércio, fundada em 1941 e que em 1947 passou a atuar na produção e beneficiamento de madeira. Com o passar dos anos, a sustentabilidade se tornou um mote da empresa. Hoje, além do setor florestal, o grupo possui também uma empresa voltada à produção de energia, e a Evo Produtos Sustentáveis, que fabrica utilidades domésticas com uma matéria-prima que mescla o plástico com a madeira de reflorestamento proveniente de fontes renováveis.
José Nelson Dissenha Neto, diretor presidente do grupo, acredita que o manejo sustentável dos recursos naturais é o único caminho possível para que uma empresa atinja a longevidade.
“O empresário hoje tem obrigação de intrinsecamente manter a cultura da sustentabilidade. É um trabalho entre empregado e empregador, ou seja, todos precisam crescer juntos para ser bom para todo mundo. Eu quero crer que as nossas empresas abranjam esse conceito. Na Dissenha Florestal só colhemos o que a floresta gera. Se você perguntar qual é o estoque de madeira da Dissenha nas áreas que tem hoje, eu respondo que é igual em todo o começo de ano, pois tudo o que na floresta cresce, nós colhemos e estocamos para o final do ano. Fora isso, 70% das nossas áreas são totalmente preservadas. A Dissenha tem hoje um dos maiores estoques de Araucária do Brasil, a maior reserva de imbuia, e para nós isso é praticamente a essência da sustentabilidade”.
Neto relata que o manejo das florestas é feito seguindo os três pilares da sustentabilidade: produto ecologicamente correto, socialmente justo e economicamente viável.
“É feito um planejamento, visando minimizar a geração de impactos ambientais, respeitar áreas protegidas e realizando o atendimento às legislações e normas aplicáveis”.
Segundo o empresário, a sustentabilidade envolve, também, a segurança dos trabalhadores e o bem-estar na comunidade local. A manipulação sustentável de florestas, todavia, não é apenas uma aposta de empresários. Atualmente, a legislação ambiental brasileira tem demandado cada vez mais ações preventivas das empresas. Observar o cumprimento das normas vigentes e desenvolver iniciativas capazes de priorizar a preservação dos recursos naturais é condição essencial para uma gestão ambiental empresarial eficiente.
“As empresas que trabalham na extração da madeira precisam trabalhar com áreas devidamente licenciadas para essa finalidade para poder fazer o plantio e depois o corte dessas espécies vegetais, ou seja, sempre trabalhar em consonância com as leis, as regulamentações ambientais, e seguir o que diz a legislação e os órgãos ambientais licenciadores e fiscalizadores. Essas empresas precisam ter um plano de manejo muito bem feito e desenvolvido por profissionais tecnicamente habilitados para isso, exatamente para evitar o mínimo transtorno possível ambiental”, explica Lisandra.
A produção de madeira de forma sustentável em áreas preservadas também é uma preocupação da multinacional WestRock. A empresa possui 19 florestas espalhadas pelo globo, uma delas no município catarinense de Três Barras. Segundo o setor de comunicação, a empresa se destaca como uma indústria regenerativa, contribuindo para os sistemas ambientais e preservação de recursos naturais e biodiversidade do planeta.
“As florestas plantadas e matas nativas preservadas em áreas da WestRock removem, todos os anos, milhares de toneladas de carbono da atmosfera, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, fornecem matéria-prima de fonte renovável, biodegradável e reciclável para a produção de embalagens que atendem a múltiplas finalidades da economia”.
Para Lisandra, o manejo escolhido pela Dissenha Florestal e pela WestRock praticamente não causa impactos ambientais, podendo, inclusive, ajudar a proteger o solo de processos erosivos, desde que seja feito seguindo a legislação ambiental.
“O reflorestamento em si ajuda até a proteger áreas desmatadas, mas claro, seguindo o que diz a Lei, critérios ambientais; mantendo áreas de preservação permanente que são áreas naturais daquela região; mantendo as áreas de reserva legal protegidas por lei, aí com certeza existe mínimo de impacto ambiental nessa atividade”.
Para garantir que a extração da madeira é feita de forma sustentável pela empresa, certificações como a Forest Stewardship Council (FSC) inspecionam as florestas para atestar a responsabilidade com o meio ambiente, a sociedade e a segurança do trabalho. O FSC serve como um selo que informa ao consumidor que o produto que está adquirindo provém de um processo de produção feito de forma responsável e seguindo princípios econômicos, ambientais e sociais vistos como sustentáveis globalmente. A Dissenha Florestal obteve essa certificação em 2019. A WestRock também possui o selo, além da certificação do Programa Nacional de Certificação Florestal (CERFLOR).
O futuro é da sustentabilidade
A pandemia de Covid-19 trouxe mais uma série de preocupações para a humanidade, entre elas o desemprego. Para a ONU, o manejo florestal sustentável pode ser a solução para tirar pessoas da pobreza e, em contrapartida, auxiliar na preservação ambiental.
“Florestas e árvores fornecem renda, meios de subsistência e bem estar para populações rurais, especialmente para indígenas, pequenos agricultores, e outras comunidades que dependem de florestas que vivem perto delas. Florestas mitigam mudanças climáticas ao remover cerca de um terço das emissões de gás de efeito estufa produzidos globalmente todos os anos (IPCC, 2013). Além disso, o setor florestal produz itens e serviços que sustentam a saúde pública mundialmente”, aponta o relatório.
“A [nossa] meta florestal é ambiciosa. Nos próximos anos – até 2026 – pretendemos dobrar a área de araucária através de parceria com empresas grandes e com a criação de mais uma indústria, já com estudos em andamento para a região”.
Os planos são da Dissenha Florestal, mas vão de encontro à visão da ONU sobre o futuro do manejo sustentável.
“Ambientalmente, economicamente e socialmente, os benefícios da floresta são indiscutíveis. Quando realizado de forma sustentável, o manejo transforma as florestas justamente no que elas deveriam ser, uma fonte de renda e recursos inesgotáveis, que poderá ser usufruída por todas as gerações”, frisa Neto.
Outro segmento que merece destaque quando se fala em sustentabilidade é a geração de energia. Como citado, o Grupo Dissenha já tem planos nesse setor. A WestRock também investiu em energia para aumentar a autogeração da fábrica de Papel HyPerform® em Três Barras de 55% para 85%.
“Essa nova produção de energia é renovável e não usamos água como recurso. Outra iniciativa é que a WestRock utilizará em suas caldeiras, combustíveis de origem renovável: tanto a biomassa, vinda das operações de florestas plantadas, quanto o licor preto, um resíduo da fabricação da celulose, reduzindo significativamente as emissões de gases de efeito estufa”.
Mas nem apenas aqueles que trabalham com reflorestamento podem adotar uma postura sustentável. Para Neto, esse posicionamento traz reconhecimento e valorização, o que coloca a empresa em uma posição de destaque.
“Organizações que desejam crescer ou até mesmo se manter no mercado devem olhar a sustentabilidade como algo essencial e não um diferencial”.
A WLE Tecnologia em Automação, empresa de União da Vitória (PR) com filial em Mafra (SC), é um exemplo de adoção de postura sustentável no ambiente corporativo. Segundo o sócio e gerente comercial da WLE, Anderson Wachholz, atualmente a empresa pode ser denominada de paperless, pois nenhum de seus processos administrativos envolve o uso de papel.
“Todo o nosso faturamento é feito de forma digital, não é impresso nenhuma nota fiscal, nenhum boleto, é 100% enviado por email. Tanto empresas quanto clientes estão se adaptando a essa realidade de uma forma sustentável. Esse tipo de ferramenta que a gente usa acaba melhorando bastante o nosso dia a dia”.
Lisandra acredita que a tendência para o futuro é que cada vez mais as empresas tenham sua atenção voltada à sustentabilidade. Para ela, esse é um movimento que tem crescido nas últimas décadas devido a uma maior fiscalização de órgãos ambientais e crescimento da população engajada nas causas ambientais. Outro ponto destacado por Lisandra são as vantagens financeiras que podem ser obtidas a partir da adoção de uma postura sustentável, como financiamento em bancos que exijam regularidade nas licenças ambientais.
Voltar para matérias“Fora isso, traz outras vantagens financeiras para a empresa. Por exemplo: ações que fazem com que haja o reaproveitamento de água no processo gera economia de água; quando a empresa resolve estabelecer processos mais limpos para gerar menos resíduos, então a empresa tem uma economia com a redução da necessidade de dispor esses resíduos em aterros ou fazer um tratamento específico. A população hoje está mais atenta também. A população cobra se a empresa está emitindo fumaça, ruídos, se a empresa está gerando um resíduo sem destino correto. A sociedade está fiscalizando as empresas ao seu redor para a qualidade de vida da população”.