Irene Loeffler Winter, lembra dela?
Ela é a história viva da aviação local; quebrou barreiras e inspirou muitas pessoas ao se tornar a primeira mulher aviadora do Sul do Paraná e Planalto Norte Catarinense
Certa vez, ainda menina, o professor perguntou à classe:
Anotem em um papel: o que vocês querem ser quando forem adultos?
Eu, como sempre, tinha a resposta na ponta da língua e escrevi que gostaria de ser aviadora. Foi uma situação muito difícil, pois ele debochou do que eu escrevi na frente de toda a classe.
Naquela ocasião, o professor disse:
Irene, escreva aí sobre ser uma professora, costureira ou dona de casa!
Fiquei muito chateada, mas eu fui mais forte do que o que ele me disse.
Eu realizei o meu sonho e lamentei por vários momentos o fato de ele [o professor] não estar mais vivo para que eu pudesse falar que eu me tornei uma aviadora.
Irene Loeffler Winter fez história no Sul do Paraná e Planalto Norte Catarinense, assim como Amelia Earhart, que marcou a história da aviação e quebrou barreiras ao ser a primeira mulher a atravessar o oceano Atlântico pelo ar.
Earhart nasceu em 24 de julho de 1897, na cidade de Atchison, no estado do Kansas (EUA). Durante a 1ª Guerra Mundial, ela deixou a faculdade para trabalhar como auxiliar de enfermagem em um hospital militar, onde conheceu aviadores e ficou intrigada com as máquinas voadoras.
Da mesma forma que Amelia, Irene se tornou uma entusiasta da aviação. Ela queria voar mais alto. Corajosa e inteligente, conseguiu se tornar a primeira mulher a dar uma volta pelos ares do Paraná e Santa Catarina e fazer história também na aviação do Vale do Iguaçu.
Amelia teve outros feitos. Em 1932 sobrevoou o Atlântico sozinha, desta vez como pilota. Seu sucesso a levou a fundar a Ninety-Nines, uma organização de aviadoras. Irene, além do pioneirismo na região, também serve de inspiração como Amelia: ambas são defensoras dos direitos das mulheres.
A presença das mulheres na aviação brasileira ainda é pequena, cerca de 3%. O Brasil tem duas grandes pioneiras da aviação: Thereza de Marzo e Anésia Pinheiro Machado, que realizaram o voo solo no mesmo dia, em 17 de março de 1922. Thereza, no entanto, é considerada oficialmente a primeira piloto mulher brasileira. Ela recebeu sua licença apenas um dia antes de Anésia.
Não é, e nunca foi, de ficar parada…
A história de Irene foi compartilhada de maneira descontraída durante o CBN Entrevista, neste dia 27, mediada pelo professor Aluízio Witiuk.
Logo, sem titubear, ela conta que a sua paixão pela aviação aconteceu ao lado do pai Guilherme Loeffler.
“A paixão pela aviação veio de um acidente. Certa vez, em Canoinhas (SC), um avião que vinha de Curitiba (PR) necessitou de um pouso forçado. Não lembro qual era o tipo do avião. O piloto foi bem, mas bateu em uma árvore e quebrou uma das asas. Eu estava com o meu pai e recordo que foi necessária a vinda de uma equipe de Curitiba para desmontar o avião e levá-lo de trem à capital paranaense. Meu pai e eu estávamos empolgados e assistimos tudo. Mais tarde, meu pai convidou a equipe para jantar na nossa casa. O comandante convidou o meu pai para ir até Curitiba e dar umas voltas de avião. Ele foi. Logo pensei: imagine a pessoa pilotando, lá de cima, um avião. Eu estava admirada”, conta.
Irene nasceu na cidade vizinha de Canoinhas. Sua vinda ao Vale do Iguaçu aconteceu após o seu casamento, em 1950. Filha de descendentes de alemães, a mãe Augusta Maria Margarete encontrou sua alma gêmea, o senhor Guilherme Loeffler, que ficou conhecido como o cervejeiro de Canoinhas. Ela era da Alemanha. Ele era de Corupá (SC).
“A minha mãe encontrou a sua alma gêmea. Eles se conheceram em Joinville e vieram morar em Canoinhas. Meu pai fundou a primeira cervejaria da cidade e, que existe até hoje. Eu tenho uma pasta cheia de jornais e revistas com reportagens sobre a cervejaria e que ainda pode ser visitada. Eu nasci e cresci ao lado da cervejaria. O meu vovô Otto, aos 23 anos, chegou a fazer mestrado na terra da cerveja, neste caso em Baviera, que é o maior estado da Alemanha. O meu pai era contador e a minha mãe era doméstica e jogadora de bolão, até os 93 anos. A bola pesava uns nove quilos e a minha mãe era bem magrinha, elegante. Eu puxei ela e pratiquei o bolão por muitos anos. Ah! O meu pai também tinha ofício que poucos ocupavam na época; ele empalhava animais. Para o ofício, ele chegou a receber ferramentas vindas da Alemanha”, relata.
Agora, em novembro, Irene irá completar os seus 91 anos. Cheia de disposição e dona de uma memória impecável, ela cita a comemoração junto ao Dia do Aviador, neste 23 de outubro. A data celebra os profissionais que pilotam aviões, sejam eles comerciais, de transporte ou privados.
“Eu sou uma pessoa muito grata por tudo (risos)”.
Irene conta que aos 14 anos, ela estudava em um internato em Canoinhas.
“Nas férias eu vim à Porto União para fazer uma visita ao meu irmão que estudava no Colégio São José. Também, naquela ocasião, eu tinha uma amiga que tinha um noivo que morava em Canoinhas. Foi então que a minha amiga se casou, e durante o casamento dela, eu conheci o meu marido, Horst Winter. Eu estava prestes a completar 17 anos. Dessa união, tivemos cinco rapazes: Walter, Udo, Aldo, Cláudio e Wilson; além de netos e bisnetos, que são nossos tesouros”.
Na época, ao lado do esposo, Irene esteve em Porto União para conhecer o hangar – um grande galpão para abrigar as aeronaves para manutenção e preparação para os próximos voos -, e que teria a coordenação dos amigos, o conhecido Dr. Vitinho e o Coronel Bohn, que, na ocasião, se tornou o compadre de Irene.
“Eles trabalhavam direto no hangar. O doutor Vitinho passou a convidar interessados para um curso de aviação, neste caso, para pilotar o avião. Na ocasião, o meu marido recebeu o convite para se tornar o contador do empreendimento e eu fiz a minha inscrição para o curso. Íamos todos, até os nossos filhos, de bicicleta, para o local. A criançada fazia aquela festa, brincavam ao ar livre. Foi então que me perguntaram: a senhora teria coragem de aprender a voar? Então eu disse: Opa, eu teria sim! Então fomos para Curitiba para aprender mais sobre aviação. O avião em que estivemos era um Aeronca PPDJW, era uma ‘tetéia’ e que eu nunca esqueci. Eu já sabia uma porção de coisas, pois comprava livros e mais livros. Eu devorava os livros. O doutor Vitinho era um apaixonado pela aviação e por vezes, nos deu aulas. Fomos até a Base Aérea sob a instrução de Constantino Koteski. Fizemos testes e eu me tornei apta a pilotar um avião. Na época, fui mencionada como a pioneira em coragem. Foi então que eu me empolguei e obtive o certificado como aviadora em 1963”.
Irene foi casada por 52 anos. Depois de sete anos viúva, ela passou a namorar o seu Erico, assumindo mais tarde um noivado.
“Ele é um companheiro. É muito bom ter alguém nessa idade. Eu era viúva há sete anos e ele há quatro. Nos conhecíamos, mas de longe, lá da Igreja Luterana de Porto União. Foi então que ele se engraçou e me convidou para jantar. Fomos comer pizza na Cantina Fornello de União da Vitória. Depois fomos para a praia; eu adoro o mar e ele também. Um cuida do outro”.
Irene, há alguns anos também, se dedica à natação.
O que mais lhe marcou na aviação?
Voltar para matérias“Certa vez veio um time de futebol renomado de Curitiba (que eu esqueci o nome agora) para uma partida no Campo do São Bernardo em Porto União. Foi então que o doutor Vitinho deu a ideia de soltarmos a bola no meio do campo. Ele sobrevoou e disse que daria uma rasante no meio do campo e eu soltaria a bola. Foi algo inédito na região. O jogo começou assim e foi um sucesso”