Amor e Dor: Anilda Zeizer Waismann relata, em livro, rotina de agressões

A cadeira capenga no meio da sala já não lhe incomoda mais. É somente mais um móvel que foi alvo de fúria. A cadeira é um móvel, assim como toda a tristeza vivida ficou no passado. Hoje com a cabeça erguida, Anilda Zeizer Waismann tem a liberdade se sentar naquela cadeira e se deleitar em uma leitura. Também é livre para sentar na cadeira para assistir um programa na televisão e para receber os amigos para bater um papo. Pode parecer algo simples, mas que para Anilda é uma conquista.

Nem mesmo ela imaginaria que um dia aquela cadeira com que fora espancada e humilhada serviria de alento para tanta gente. A cadeira é somente uma cadeira. É um móvel. Todo o espancamento por ele sentido nunca será revelado. Como saber? Já toda a tristeza vivida por Anilda juntamente da cadeira, essa sim pode ser compartilhada. Foram momentos de dor em que uma fez companhia para a outra. Era um misto de sufocamento, lágrimas e silêncio.

Anilda é uma sobrevivente de violência doméstica. Quem a encontra hoje nem imagina a dor que ela passou. Se transformou em uma senhora elegante, com roupas e maquiagem de bom gosto, de sorrisos e abraços amigáveis e aventureira – quer conhecer o mundo viajando. “Quando lembro de certos episódios relacionados às histórias de minha vida percebo que as pessoas que me ouviam eram impotentes diante daqueles fatos vivenciados por mim e minha família. Por outro lado, há surpresas com algo que sequer podiam imaginar que acontecesse. Eu vivi, juntamente com meus filhos, todos os tipos de agressões. Mas muito disso sempre foi mascarado”, diz.

Anilda virou a página de sua vida, porém encheu o peito e revelou a sociedade o drama em que viveu. No domingo, 27, às 10h30, a escritora reunirá familiares, amigos e convidados para o lançamento do seu primeiro livro Amor e Dor, uma história de vida. O evento acontece juntamente com a inauguração do Museu Histórico e a Biblioteca Professor Aniz Domingos em União da Vitória. Ambos os eventos fazem parte da programação da comemoração dos 132 anos de União da Vitória intitulada “Terra de Caminhos, onde a história da cidade se encontra com a sua!”.

 Amor e Dor: Anilda Zeizer Waismann relata, em livro, rotina de agressões

Foto: Ronaldo Mochnacz


Dor, anulação e agressões

Marli A. Boldori, membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu (Alvi), foi a principal incentivadora e colaboradora para o lançamento do livro de Anilda, além de ser sua grande amiga. A obra relata em 133 páginas a história de uma mãe leal, corajosa, mas que por vezes se sentiu impotente. “Ninguém estava com você quando a água do chuveiro se misturava com as suas lágrimas de dor, ou quando o travesseiro era testemunha dos seus soluços implorando por socorro. Portanto você não tem que provar nada a ninguém, somente à si mesma o quanto é forte e capaz de renascer quantas vezes preciso for, de suas próprias cinzas!”, cita no livro Anilda a frase de Jéssica Machado e, que segundo ela, muito impacta na sua vida.

O livro inicia a sua narrativa em 19 de agosto de 1950 quando nascia em União da Vitória a Anilda, uma menina faceira e cheia de sonhos. Ela trabalhou como balconista na Fármacia União em Porto União, foi caixa escriturária na empresa Arthur Lundgren Tecidos S.A e funcionária pública na Secretaria de Educação no Paraná. É viúva, tem dois filhos, genro, nora e neto.

Atualmente, além das viagens e com o zelo pessoal, ela é voluntária em eventos da Catedral em União da Vitória e no Instituto Palazzolo. “Minha amiga Anilda, mulher de sorriso acolhedor, batalhadora, extremamente competente no que se propõe a fazer, dona da melhor receita de cuca de morango. Para muitos desconhecida, mas dona de uma história corriqueira na vida de nossa sociedade, com a história de um marido alcoólatra, uma história de dor, de anulação, de agressões, como tantas que vemos diariamente nos noticiários policiais. O que leva tantas mulheres a sofrerem caladas?”, questiona o prefeito de União da Vitória, Bachir  Abbas.

Uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência no último ano no Brasil, durante a pandemia de Covid, segundo pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e divulgada em julho de 2021. De acordo com o Portal G1, isso significa que cerca de 17 milhões de mulheres (24,4%) sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. A porcentagem representa estabilidade em relação à última pesquisa, de 2019, quando 27,4% afirmaram ter sofrido alguma agressão.

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No entanto, para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esse pequeno recuo deve ser analisado à luz de outros indicadores da pesquisa, como o lugar onde a violência ocorreu e quem foi o autor. Na comparação com os dados da última pesquisa, há aumento do número de agressões dentro de casa, que passaram de 42% para 48,8%. Quando se analisa a violência contra mulheres acima de 50 anos, por exemplo, cresce a participação de filhos e enteados nas agressões.

O comunicador de União da Vitória, Airton Maltauro, comentou o livro de Anilda, que também é sua amiga. “Impressionante história de vida; a tenaz luta contra o alcoolismo que vitimou o marido. O jornal do Senado, no especial Cidadania, mostra um quadro dramático e preocupante ante o incontrolável aumento do consumo de bebida alcoólica, informando que no Brasil o consumo de álcool começa aos 11 anos; uma doença grave que atinge 10% da população brasileira. Conheço a Anilda desde a juventude. No final da década de 1960, nos víamos com frequência, conversávamos e agíamos como os jovens da época […] Os anos dourados se foram. Vieram os namoros sérios e casamentos. E vieram as dificuldades: Anilda desde muito cedo teve de encarar que na vida matrimonial teria sérios problemas com o alcoolismo desenvolvido pelo seu companheiro, pai de seu casal de filhos. Anilda tem muito para contar e contribuir para com aqueles que, lamentavelmente, têm dependentes alcoólicos”, disse.

Ainda segundo o Portal G1, a pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”  ouviu 2.079 mulheres acima de 16 anos entre os dias 10 e 14 de maio deste ano, em 130 municípios do país. As respostas tinham como referência o período dos 12 meses anteriores à pesquisa. Dentre as formas de violência sofrida, 18,6% responderam que foram ofendidas verbalmente, 6,3% sofreram tapas, chutes ou empurrões, 5,4% passaram por algum tipo de ofensa sexual ou tentativa forçada de relação, 3,1% foram ameaçadas com faca ou arma de fogo e 2,4% foram espancadas.


Noites de terror

É com a frase do pensador Francis Scott Fitzgerald que Anilda inicia o capítulo quatro. “Primeiro você toma uma bebida,  depois a bebida toma uma bebida, depois a bebida toma você”.

Anilda afirma que começava o dia rezando para que tudo fosse diferente, pois tinha muito medo. “Sabia que havia perigo. O tempo estava me mostrando a verdadeira personalidade do meu marido amado. Sofria vendo tanto martírio. Minha sogra e alguns familiares aliaram-se a mim procurando ajudar a salvar meu marido do álcool. Interessante que havia uma grande esperança em recuperar o homem com quem eu havia me casado. No horário do almoço eu ia ao cemitério fazer a novena das 13 almas, todas as orações pela cura dele. Porém, as coisas se agravaram muito”.

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Anilda chorou todas as lágrimas que lhe restavam. No livro relata a trajetória de uma triste realidade e de esperança. Na época, Dona Guilhermina Fronchetti, mãe de Anilda, lhe dava firmeza e força para lutar. Segundo ela, cada dia representava um novo episódio, com alguns momentos de sossego; porém quando José (o esposo, in memorian) voltava alcoolizado tudo recomeçava igual aos dias anteriores: o sofrimento e a angústia de mais uma noite de terror. “O tempo demorou, mas confirmou que eu havia tomado a decisão correta. Dei um grito de liberdade e joguei tudo para o alto. Gosto de lembrar da frase de Cora Coralina: “estamos todos matriculados na grande escola da vida, onde o grande mestre é o tempo! Depois de me aposentar em 2002 eu estava de bem com a vida, assim como as borboletas. Pretendo com esse livro ajudar outras mulheres a estarem livres do sofrimento assim como eu. É preciso buscar ajuda e tudo é possível”, relata.


Serviço

Lançamento do livro Amor e Dor, uma história de vida de Anilda Zeizer Waismann e a inauguração do Museu Histórico Professor Aniz Domingos e da Biblioteca Municipal

Endereço: Rua Prudente de Moraes, 48

Data: 27 de março

Hora: 10h30

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