Produtores de leite estão passando por uma crise, alega Pedro Ivo

A conta da produção de leite não está fechando, é o que afirma o empresário e produtor Pedro Ivo Ilkiv. Segundo o ex-prefeito de União da Vitória, o período de entressafra, a baixa no preço do produto e o aumento da importação têm prejudicado aqueles que vivem da pecuária leiteira no Brasil.

O volume de importação de produtos lácteos, até agosto deste ano, já é 9,26% maior que o total registrado em 2022, de acordo com o Agrostat, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Segundo Pedro Ivo, a disparada na importação se deve pela flexibilização nas normas para importação. “Até 2014 o Brasil tinha uma cota de importação. Era 3% sobre o volume que ele [o país] produzia. Até 2014 isso veio permitindo com que a cadeia produtiva do Brasil, do leite, crescesse. Nós chegamos a [produzir] 35 bilhões de litros. Agora nós estamos, no ano passado, com 23,8 bilhões. Já diminuiu 12 bilhões, porque toda hora está saindo produtor. Quando terminou o sistema de cotas, em 2014, bagunçou. As indústrias, elas vão no Ministério da Indústria e Comércio, pedem uma guia de importação e vão lá no Uruguai e na Argentina e compram o leite mais barato. Elas não têm preocupação se esse leite é produzido no Mercosul ou não”.

Produtores de leite estão passando por uma crise, alega Pedro Ivo

A importação do leite é necessária pois o país produz menos do que consome. Por outro lado, Pedro Ivo aponta que a concorrência com países do Mercado Comum do Sul (Mercosul), sobretudo com a Argentina, acaba sendo desleal por conta da diferença de condições para a produção de leite. “A Argentina tem os melhores solos. Os solos não precisam de corretivo, de calcário, de adubo. Alfafa é um pasto quase nativo e as vacas ganham um pouquinho só de fubá de milho na sala de ordenha. E você vê plantéis de 10, 15 mil vacas. Sala de ordenha com 500, 600 animais, e basicamente [tratados] à pasto. Então é o leite mais barato do mundo. Não é a nossa realidade. Nós temos um solo ácido, problemas de um país tropical. Tem um momento que tem, outro não tem pastagem. Enfim, o leite deveria ter ficado fora [do tratado] como ficou o açúcar em relação à Argentina. A Argentina produz açúcar de beterraba e aí eles disseram ‘não queremos açúcar do Brasil’ e ficou fora. E nós não nos mexemos, não nos organizamos para deixar o leite fora, porque a concorrência tem que ser entre os iguais. Entre os iguais é uma concorrência justa. Nós não somos iguais”, comenta.

Pedro Ivo Ilkiv, empresário e produtor.


Taxa antidumping e preocupação com  a qualidade do leite

A importação também pode ser um problema quando os preços do produto brasileiro deixam de ser competitivos frente àqueles vindos do exterior. O dumping é uma prática em que um país vende seu produto para fora por um preço muito abaixo do praticado em seu mercado. Tal situação pode acontecer quando um país deseja desovar seu produto. Segundo Pedro Ivo, em 2019 a norma antidumping, que protegia o mercado brasileiro, foi revogada, o que incentivou a prática. “O leite que é exportado fica em torno de 6,8 dólares. O leite que é importado está vindo a 3,6 dólares. Então é extremamente baixo, fora da realidade global. Por isso que nós estamos pedindo uma taxa antidumping”.

Outro problema é a garantia de qualidade do produto importado. Pedro Ivo destaca que o Brasil não possui um sistema de rastreamento capaz de atestar que o leite vindo de fora possui condições sanitárias próprias para o consumo. “O mundo inteiro protege muito o leite. A Europa tem um leite muito barato. Também a Nova Zelândia, o Canadá. E esses estoques globais, quando tem qualquer estremecida na economia global, eles sobram e precisam ser desovados. E muitos desses estoques são desovados via Argentina e Uruguai. E o Brasil não tem essa cultura, essa prática de fazer um rastreamento disso. Nos países desenvolvidos não entra nada no seu país sem ver se há rastreabilidade, qual é a origem, quem produziu, onde produziu, com que condições sanitárias, qual a qualidade do leite. E no Brasil não tem isso. Então o empresário aprendeu, por exemplo, que vai lá, pega as guias de importação e compra o mais barato, chega aqui no Brasil e faz de tudo e mais um pouco”.

Segundo Pedro Ivo, outros países utilizam um protocolo global que garante a rastreabilidade do leite, mostrando informações importantes sobre o produto. “É como se fosse um código de barras. Tem um número lá que significa onde que foi produzido, tem outro número que diz quem são os produtores que produziram, um outro número fala da questão sanitária dos animais, o outro fala da questão da qualidade do leite. Esse selo não pode ser emitido por qualquer empresa. É por um órgão que tenha fé pública, que seja da área pública. O país de origem tem que dar esse selo e nós temos que exigir. Por que o leite vem de lá e entra por aqui? Porque no Mercosul foi tratado que Argentina, Uruguai, Brasil e Paraguai não têm imposto na questão do leite, então se joga por lá para entrar aqui, fazer uma triangulação. Nós temos que ser espertos nisso, porque o liberalismo é muito bonito na sua fala, mas ela tem que ter duas vias. Uma que é a liberdade para o pessoal vender aqui, mas a outra também é garantir de que esse produto que está vindo não vai concorrer de forma desleal, que é o caso, num caso de uma desova global que tem que tem indícios fortes que está acontecendo”.

Pedro Ivo destaca, ainda, a questão do leite em pó. Segundo ele, um quilo de leite em pó, quando reidratado, rende cerca de 10 caixas de leite líquido. A questão é que a prática é proibida no Brasil, mas não existem meios de se comprovar que um leite foi, de fato, reidratado. Dessa forma, empresários podem se aproveitar dessa fragilidade para importar o leite em pó mais barato para vender um leite líquido abaixo do preço de mercado. Por isso, Pedro Ivo aponta que seria importante criar uma norma que especificasse quais as características de um leite reidratado. “Nós pegamos algumas caixinhas que tem suspeitos por partículas sólidas dentro, e fomos analisar em laboratórios, por exemplo, na Tecpar, um laboratório público aqui do Paraná. Eles disseram: olha, nós não temos como analisar porque nós precisamos que alguém diga o que nós temos que procurar dentro desse leite para saber que ele é um leite reidratado. O Ministério da Agricultura não tem isso ainda, vai ter que criar isso para ter um. Tem do leite A, B, C, do UHT de caixinha, mas não tem do leite reidratado. Há uma suspeita que ele é um leite que tem uma proteína mais fraca, porque ele passa por um calor para secar e depois ele é reidratado de volta. Mas a indústria, nem todas, mas algumas indústrias se especializaram nisso de buscar [fora]. Por exemplo, tem uma empresa em São Paulo que dilui 300 mil litros por dia de leite para fazer iogurte. Eles fazem iogurte com uma máquina que foi comprada na China. Essa máquina injeta ar dentro do leite e você come e come aquele iogurte e nunca sacia. É muito vendido na classe C e D. Desses 300 mil litros que ele faz diariamente, nenhum litro é coletado dos nossos produtores. Vão buscar lá no Uruguai através da importação que faz e pega o mais barato, provavelmente, que está lá. Então tem muitas coisas em jogo nessa discussão toda. O Brasil nunca teve uma tradição de querer saber a rastreabilidade”.

O produtor lembra, ainda, que a comercialização do leite fruto de desova influencia no preço praticado no Brasil. Por se tratar de um produto vendido quando há necessidade de eliminar estoques, o fornecimento do leite proveniente de desova não é regular. Dessa forma, existem momentos em que há grande oferta, em outros, a demanda é superior. “Ano passado, no mês de junho, o leite estourou, foi para quase R$ 9,00 na área de venda. Todo mundo falava da inflação do leite. O produtor chegou a receber R$ 4,00 o litro. O que aconteceu naquele momento? Quando você tem produto fruto de desova, que é para não perder, esse produto ele tem uma característica, ele não tem constância no seu fornecimento. Então uma hora tem, uma hora não. Naquele momento não veio leite de fora, que era esse fruto de desova. E como nós não temos leite para atender a nossa demanda interna, o preço foi lá para cima. Então essa realidade de junho do ano passado é a mesma realidade no que se refere à situação do volume de leite que o Brasil produz e tudo mais. Ocorre que depois voltou essas desovas, que são gigantescas, e vem abarrotando como se fosse leite do Mercosul, do Uruguai e da Argentina. (…) Como depois normalizou esses estoques de desova, aconteceu que chegou nisso que chegou hoje. Começou a abarrotar o mercado e hoje o produtor percebe que o seu custo de produção está em torno de R$ 2,40 e está recebendo R$ 1,80, R$ 2,00. Quanto menor o produtor, menos recebe”.


Reivindicações do setor

Justamente pela crise gerada pela falta de leite no ano passado, o governo federal havia, na época, baixado algumas taxas de importação para incentivar o setor. O imposto de importação de produtos lácteos passou de 18% para 12% o que, segundo Pedro Ivo, aumentou a disparidade no potencial de competição entre o produto nacional e o importado. A taxa, contudo, voltou ao patamar de 18% em 15 de agosto. Mas a medida, na visão do produtor, ainda não é suficiente, e que o ideal seria o retorno da cota de importação limitando a 3% do volume produzido no país. “Nós precisamos voltar ao sistema de cotas. (…) Nós, que somos produtores, entendemos que nós não podemos comprar aquilo que nós não precisamos. Não há necessidade de comprar. O que nós precisamos comprar? Precisamos comprar 3%, que é o ponto de equilíbrio, que não fica caro para o consumidor. Por que nós não queremos um leite a R$ 9,00 para o consumidor. E também não queremos um produtor recebendo R$ 1,80. Então 3% é o ponto de equilíbrio, que não ficaria caro para o consumidor e o leite, e o produtor ficaria num preço aí na faixa de R$ 3,00 o litro do leite. Então essa é a nossa luta”.

Segundo Pedro Ivo, produtores estão se organizando para formar uma união nacional dos produtores de leite para que possam, em conjunto, explanar suas demandas para o Mapa e para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Pedro Ivo e demais produtores inclusive já participaram de reuniões em Brasília, uma delas com o vice-presidente e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin. Outras reuniões já estão agendadas. “Estamos aproveitando essa crise, para começar a disciplinar, montar um Instituto Nacional do Leite, porque tem várias entidades e inteligências no setor de leite, mas que estão tudo por um lado, tem que centralizar tudo no Instituto Nacional do Leite, nos moldes que o Uruguai fez, e ter uma única fala, uma única discussão a partir desse instituto. E pensar nessas alternativas, tanto para as crises como essa, que é uma crise artificial, porque não tem produção suficiente, como também poderíamos ter uma crise de ter muito produto, e não tem para quem vender. Então algumas propostas estão sendo encaminhadas, aproveitando esse momento da crise, para nós podermos arrumar isso para frente”, comenta Pedro Ivo.

De acordo com o produtor, uma das reivindicações será uma pausa imediata de 60 dias nas importações, para enxugar o mercado e, após, retornar a cota de 3%. “A questão financeira não fecha as contas. O pessoal  não tem como pagar os custos. Eu diria para a população que o importante é tentar descobrir, priorizar o leite nacional. Se puder fazer isso e se orientar nesse sentido. E os agricultores que nos ajudem a continuar aumentando esse grupo. É só fazer contato. Meu celular que é o (42) 99975-3020. Eu estou coordenando esse movimento a nível nacional. Já tivemos paralisações, temos isso para forçar uma agenda mais rápido lá em Brasília. Tivemos reuniões com deputados, com líder do governo. Tem muita gente trabalhando nesse setor para ver se a gente consegue dar conta o mais rápido possível, porque persistindo essa realidade vai ficar poucos produtores. Já caímos a nossa produção de 2014 para cá. Hoje é 12 bilhões de litros a menos e, se não arrumar isso, é o fim dos produtores nacionais”.


Incentivo ao setor do leite

Na terça-feira, 19, Alckmin reuniu ministros para criar um grupo de trabalho interministerial para definir medidas de incentivo e ações estruturantes para o setor. Farão parte do grupo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Ministério da Agricultura e Pecuária; Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Ministério do Planejamento, Ministério da Fazenda; Ministério da Educação, Ministério da Saúde; Casa Civil; Ministério da Justiça; BNDES; a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), entre outros.

Foto: Da Assessoria

“A produção do leite é hoje o setor mais importante da agricultura familiar. É fundamental que o governo se debruce em medidas estruturantes para fortalecer a produção leiteira, aumentar a produtividade da cadeia, a renda dos produtores e manter essa importante atividade para o país”, afirmou Alckmin.

O Grupo interministerial terá como uma das missões o estabelecimento de uma política de subvenção temporária para o leite; além de uma linha de crédito para o fortalecimento de cooperativas do setor.

Em agosto, também em uma tentativa de incentivar o setor, o ministro do MAPA, Carlos Fávaro, anunciou que o governo federal comprará leite em pó de produtores brasileiros a preço de varejo para socorrer os produtores que estão sofrendo com a concorrência do Mercosul.

Possui alguma sugestão?

Clique aqui para conversar com a equipe de O Comércio no WhatsApp e siga nosso perfil no Instagram para não perder nenhuma notícia!

Voltar para matérias